Claro que antes é preciso ganhar a eleição. Não será fácil. Após fulminante ascensão inicial, parte dos que de boa fé tinham levado a sério a vazia retórica marinesca sobre a “terceira via”, a “nova política” e outros chavões, foram obrigados a constatar não somente que o aspecto mais claro de seu nebuloso programa é um neoliberalismo pintado de verde desbotado, mas também que ela abandonou os GLBT no primeiro puxão de orelha que tomou do fundamentalista Malafaia e recebeu o apoio do Clube Militar (também conhecido por Doi-Codi de pijama). Quem respeita a inteligência dos eleitores não vai buscar mais longe as razões da redução das intenções de voto na candidata “ambientalista”. Mas os donos da notícia preferiram outra explicação.

Em 10 de setembro, o diário Valor (de troca) publicou na p. 10A artigo cujo título é de uma safadeza à altura da mais sórdida imprensa marrom: “Campanha do medo interrompe queda eleitoral de Dilma”. No dia seguinte (11/9), UOL/Folha lançaram três torpezas semelhantes, cada uma de um plumitivo diferente. “Na TV, Dilma prossegue com campanha do medo” (UOL), disse um. “Propaganda repete discurso do medo”; “PT faz justiça ao ‘PIG’”, reforçou outro. Um terceiro, quis dar insolente lição de moral: “O que Dilma Rousseff e sua campanha vêm fazendo contra Marina Silva é desonesto, algo de que a presidente e sua biografia deveriam se envergonhar”.

Se tão forte coincidência nas datas e no conteúdo do ataques corresponde ou não a uma diretriz vinda dos barões da notícia, importa pouco. O bom mordomo não precisa de ordens explícitas: ele sabe o que o “dono do pedaço” quer. Sobre desonestidade e conduta que envergonha diremos algo mais adiante. Antes cumpre desmascarar a safadeza de imputar à campanha de Dilma procedimento semelhante ao que foi utilizado contra Lula em 2002.

Na campanha presidencial daquele ano, José Serra logo constatou que a imagem de herdeiro de FHC seria o caminho certo da derrota. Para reverter sua má posição nas sondagens de intenção de voto, ele falou pouco de seu padrinho e apelou para o argumento do medo: se Lula vencer, voltará a hiperinflação e com ela o caos econômico e a desordem social. Convocada pela tucanagem para desempenhar na TV o papel de ave de mau agouro, Regina Duarte, a ex-namoradinha do Brasil, declamou com voz sombria e fisionomia carregada de apreensão: “-Tenho muito medo”. “-Tenho muito medo”, repetiam em coro outros comediantes da intoxicação mediática.

Não há como sofismar: o argumento do medo está explícito na palhaçada a que se prestou a namoradinha da direita brasileira. A grotesca baixaria não salvou a tucanagem da derrota, mas inspirou, doze anos depois, o contra-ataque dos sabujos, irados com uma oscilação positiva da intenção de voto em Dilma. Acusaram-na de retomar, em sua propaganda, o “discurso do medo”:

“A peça publicitária em que uma família vê a comida desaparecer do prato caso Marina adote a autonomia do Banco Central é espantosa. Não só pelo fato de sob Lula e Dilma os bancos terem tido os maiores lucros da história e a inflação ter voltado com força no atual governo. Mas, pela reprodução da campanha do medo que o próprio PT sofreu e se ressentia cobrando ética na política”.

É difícil juntar em três frases tanta confusão e acusações tão ridículas. A “autonomia do Banco Central” é cavalo de batalha da direita porque esta quer impedir que um governo fiel aos interesses do povo tome decisões contrárias aos interesses dos parasitas da finança milionária, que sabotaram como puderam a iniciativa do governo Dilma de baixar a taxa de juros a um patamar razoável. Um analista político sério designou pertinentemente essa reação por “conluio anti distributivo”: os neoliberais assumidos ou camuflados não se conformaram com a ampla redistribuição de renda empreendida pelos governos de Lula e Dilma, que tirou da miséria dezenas de milhões de brasileiros e aumentou consideravelmente o poder aquisitivo dos salários.

O periodista pretende ter se espantado com a imagem do prato vazio utilizada pela propaganda de Dilma para simbolizar o risco de volta ao tempo dos salários de miséria. Mas é preciso ser muito desonesto para sugerir que Lara Resende, Eduardo Gianetti, Pérsio Arida et caterva manteriam a melhora da  renda popular ocorrida nos últimos doze anos.

João Quartim de Moraes – Fundação Maurício Grabois, São Paulo