Nos argumentos para essa série de artigos acerca das razões dos impasses extremos do capitalismo vivente da crise sistêmica atual, associamos também o da “decomposição da economia política neoclássica”. Vimos repetindo tratar-se de imensa falsificação do discurso oficial dos EUA sobre a sua “recuperação” econômica, assim como da persistência da grande crise iniciada em 2007 sem horizonte de resolução, agravando continuamente a possibilidade de retomada da economia mundial. Denunciamos a sistêmica deflação (queda acentuada nos preços) como parte integrante da depressão (central) que assola a economia mundial, conforme distintas interpretações e correntes teóricas não liberais (neoclássicas).
Por exemplo: Barry Eichengreen, ex-economista chefe do FMI – isto mesmo! -, assim apresentara uma comparação gráfica entre a anterioridade imediata da Grande Depressão (1930) e o início da grande crise atual (2008); de como se esboçava a tendência desta crise em curso:
PIB mundial na década de 1930 e atualmente


Fonte: ver aqui: http://desmitos.blogspot.com.br/2009/05/grande-depressao-ou-grande-recessao.html
A partir do instigante artigo “Revivendo a crônica de duas depressões” (2009), B. Eichengreen e K. O’Rourke concluíram que o mundo estava passando por um choque econômico “tão grande quanto o choque da Grande Depressão de 1929-30”; o que não podia ser visto superficialmente apenas pela situação dos EUA, pois isso seria “negligenciar como alarmante é a situação atual, mesmo em comparação com 1929-1930”. Perguntaram a seguir estes economistas se “a resposta política” dada pelos bancos centrais e Estados enfrentaria os problemas. (ver aqui: http://www.voxeu.org/article/tale-two-depressions-redux)
Outrossim, observe-se as grandes depressões de 1873-96 e 1929-39 tiveram condicionalidades, circunstâncias e traços históricos diferentes da grande crise capitalista irrompida em agosto de 2007. Por exemplo, a nova marcha depressiva hoje não se relaciona diretamente com aquela da assunção da II Revolução Industrial, cujo progresso técnico impulsionou o sistema à etapa monopolista e catapultou a posição do grande capital industrial e financeiro no alvorecer do século XX – cresceram as corporações industriais e financeiras, o emprego e a renda. De outra parte, o sistema socialista (“real”) construído em torno da União Soviética, nos anos 1930 passou praticamente incólume às labaredas da Grande Depressão. Especialmente, a extensão e a profundidade da internacionalização dos circuitos monetário-financeiros eram à época “diminutas”, em relação aos tempos vividos nestes precedentes 40 anos.

Fracasso completo da economia política “neoclássica”

Como se respondessem seis anos depois à questão de Eichengreen e O’Rourke, há pouco mesmo, entre o velho cinismo e a “surpresa”, o Banco Central norte-americano (Fed) da doutora Janete Yellen e sua turma de mandachuvas escreveram na ata de setembro que: “a inflação não deve atingir 2% nem mesmo até o fim de 2018”. Ora, sabe-se que desde dezembro de 2008  a taxa de juros básica americana está próxima a zero; e há vários meses faz-se verdadeira campanha no desejo para que se elevasse a taxa de juros nesta reunião de setembro! Fracasso!

Mais: a medida de inflação preferida do Fed (o índice de preços de gastos pessoais do Departamento de Comércio) ficou abaixo de 2% por 40 meses consecutivos. Na verdade, os banqueiros do Fed estão sem alternativa: somam-se a inflação baixa mais, recente alta do dólar (preços dos produtos importados para baixo), a queda nos preços do petróleo e outras commodities. Além disso, dados sobre o emprego, divulgados seguindo a reunião mostram que as contratações do setor privado “desaceleraram em agosto e setembro”, recolocando amis uma vez novas incertezas sobre os rumos da economia americana.
Um dia antes das informações do Fed, o Banco de Inglaterra decidiu manter a taxa básica de juro em 0,5% ao ano, justificando como novo problema o desaquecimento da economia do país, e externamente, “especialmente dos emergentes”. Também na ata da última reunião do BCE (Banco Central Europeu, lê-se: “os riscos de queda da inflação intensificaram-se durante o verão” (no hemisfério Norte). Já o banco Central do Japão traça “cenário mais pessimista foi notado no comunicado da decisão do Banco do Japão (BoJ)”, dois dias antes do anunciado na ata do Fed. [1]
Contudo, observe-se na referência gráfica abaixo, da insuspeita agência americana Bloomberg, como a questão da deflação atinge muitos países e é fenômeno que se arrasta e se agrava.

Minsky, instabilidade financeira e a fábula neoclássica
Uma das ideias que enxergo das mais importantes de Hyman P. Minsky, fecundo economista norte-americano discípulo de Keynes e Schumpeter, diz respeito ao efeito das chamadas inovações financeiras, relacionadas ao crédito e a consequente possibilidade da ampliação do investimento. Efetivamente “submersa” nos comentários entre temas relevantes de sua principal obra (“Estabilizando uma economia instável”, 1986), a questão para Minsky respeitava, na ânsia da ampliação dos lucros, à utilização rápida e a sua proliferação (por cópias; imitação) dessas inovações visando facilitar cada vez mais a ampliação do crédito e da liquidez, geralmente pela burla das restrições impostas às regras monetárias ainda instituídas.

Assim: a) a expansão dos lucros reforçaria as certezas das estimativas anteriores e realimentaria as expectativas futuras; b) o crescimento das dívidas das empresas tomadoras de crédito, submetidas às oscilações nas taxas de juros e câmbio, sofre o impacto da reversão da situação de criada na euforia dos lucros, e reverte-se do ponto de vista da situação das empresas com o aborto do ciclo. Dito de outra forma, para Minsky, no “boom” econômico, a explosão especulativa, o endividamento excessivo, a busca pela liquidez, o “pânico” ocorrem regularmente em qualquer economia monetária importante. São fenômenos estruturais que passaram a acompanhar a instabilidade das economias capitalistas – da época dos monopólios.

Nas certeiras palavras de Minsky: “a economia moderna não é instável porque está sempre enfrentando choque externos, como o ‘choque do petróleo’, guerras, ou surpresas monetárias, mas devido à sua própria natureza”. [2]
Em sua famosa “Hipótese da Instabilidade Financeira”, dizia serem duas as proposições fundamentais: a) os mecanismos de livre mercado não podem levar a um equilíbrio sustentado, com estabilidade de preços e pleno emprego; b) os ciclos de negócio são devidos à propriedades financeiras essenciais do capitalismo. E isto para ele estava em “agudo contraste com a síntese neoclássica”: a fábula em que, na ausência de choques externos a economia do livre mercado sempre gerará equilíbrio autossustentado com pleno emprego e preços estáveis (idem p. 194).

Horizontes sombrios, indagações

Pesquisador sistemático da economia mundial, o marxista indiano Prabhat Patnaik vaticinava em agosto último, que o capitalismo mundial parece destinado a um agravamento da crise. Após sete anos após o seu surgimento, a crise persiste “apesar de as taxas de juro dos EUA persistirem abaixo de zero [em termos reais]. Segundo o economista, a pressão do grande capital financeiro subida das taxas, que se aproximaria, fará apenas agravar a crise. “O capitalismo hoje parece muito mais afundado na crise do que a maior parte das pessoas, incluindo mesmo muitos na esquerda, imaginam”, concluíra Patnaik. (ver aqui: http://peoplesdemocracy.in/2015/0809_pd/world-recession-set-worsen).
De acordo ainda com Patnaik, constitui-se grave erro interpretar neoliberalismo como “uma mera política econômica”, pois, na verdade, o neoliberalismo é de fato uma mera descrição (e bastante má) de todo um conjunto de medidas que estão necessariamente associadas à hegemonia da finança globalizada”. (ver aqui: peoplesdemocracy.in/2015/0517_pd/misconceptions-about-neo-liberalism).

Notas
[1] Ver: “Fed manteve juros por temor de que inflação não reaja”, Valor Econômico/Wall Street Journal, 09/10/2015. E http://www.valor.com.br/financas/4263612/taxa-americana-tende-ficar-congelada-ate-1-tri-de-2016
[2] Ver: “Estabilizando uma economia instável, – a inclinação natural das economias de mercado, complexas e globais, em direção à instabilidade”, H. Minky, Novo Século, 2013, Capítulo 8. A propósito, bom recordar Lênin: “a dominação do capital financeiro, ao invés de atenuar a desigualdade e as contradições da economia mundial, o que faz é acentuá-las”. Ou ainda, “O que é característico do imperialismo não é precisamente o capital industrial, mas o capital financeiro”. Ver: “O imperialismo, fase superior do capitalismo, Cap. VII.