A grande depressão iniciada em 1929, a partir da queda na Bolsa de Valores de Nova Iorque, somente encerrou em 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial. Após diversas experiências exitosas de abandono do Estado liberal, o mundo conheceu, em pleno domínio da Guerra Fria (1947-1991), a fase econômica expansionista, como no caso da América Latina, cujo crescimento do PIB foi de 5,8% como média anual (3% para o PIB per capita) entre as décadas de 1950 e 1980.

Em 2020, a regressão econômica e social que decorre da crise sanitária imposta por onda viral de dimensão mundial encontra os países latino-americanos já debilitados pela estagnação econômica (0,2% de variação média anual do PIB entre 2010-2019) que se sucedeu a crise financeira de dimensão global de 2007-2009. Isso após os anos 2000 terem registrados a expansão média anual do PIB regional de quase 6%, sucedendo o calvário representado pela estagnação da renda per capita, sucessivamente, nas décadas de 1980 e 1990.

O emparedamento dos limites do presente latino-americano pressupõe superar o colonialismo mental do neoliberalismo que circunscreve a projetar o futuro como certa continuidade do passado primário-exportador. Sabe-se que a onda viral atual resulta da forma degradante com que o desenvolvimento capitalista tem explorado a natureza. As emissões dos gases de efeito estufa, o desmatamento e a mudança climática agridem o conjunto dos biomas, forçando a liberação crescente de vetores propagadores das doenças virais2.

A pandemia colocou em xeque a globalização sem regulação, expondo o egoísmo de países no enfrentamento isolado de um problema de dimensão supranacional. Da mesma forma, o sistema de cadeias globais de valor revelou as inconveniências da dependência tanto do poder de monopólios exercidos por corporações transnacionais como da concentração produtiva em poucos territórios do planeta. O Estado que até pouco tempo era visto dominantemente como o centro dos problemas nacionais pelo receituário neoliberal transformou-se rapidamente na condição necessária para sair do quadro regressivo atual.

Nessas condições que o tema do trabalho ascende à agenda governamental de forma distinta, expondo certo o desespero de parte do patronato e gestores governamentais sem a possibilidade de isoladamente manter em marcha o ciclo da produção e distribuição interrompido por decisão do isolamento social. Na sequência, busca-se, inicialmente, considerar projeções preliminares a respeito da parada econômica e seus efeitos no comportamento do trabalho na América Latina.

Posteriormente, apresentam-se sinteticamente algumas das medidas comparativas dos governos da região para enfrentar a problemática do trabalho diante do avanço da pandemia do coronavírus.

Projeções iniciais

As estimativas para o comportamento do trabalho em 2020 seguem alterando-se negativamente à medida que progridem os meses. A previsão de queda significativa do Produto Interno Bruto forçada pela parada na oferta e demanda econômica impulsionada por medidas de isolamento social acompanhas da retração abrupta do comércio externo.

Com isso, a diminuição nos recursos derivados de investimentos estrangeiros, turismo externo e remessas de imigrantes afeta desfavoravelmente as contas dos países latino-americanos.

A dificuldade amplia-se ainda mais diante da volatilidade dos mercados financeiros na região, com saídas massivas de capitais, desvalorizações nas moedas locais e risco soberano.

No relatório conjunto da Cepal e OIT3, o decrescimento do PIB estimado em 5,3% provocará a elevação da taxa de desemprego de 8,1%, em 2019, para 11,5%, em 2020. Com o crescimento de 3,4 pontos percentuais na taxa de desemprego, a região deverá comportar mais 11,5 milhões de novos desempregados, acrescido também de 32 milhões de latino-americanos afetados negativamente pela contenção das horas trabalhadas, ou seja, na condição de subutilização do trabalho.

Ademais, o desassalariamento amplia-se, com maior presença, a informalidade e ocupações por conta própria, sendo essas as mais atingidas perversamente. Em decorrência, o aumento projetado da pauperização em quase 5%, englobando 35% da população dos países da região (215 milhões de pessoas pobres e 83,4 milhões de miseráveis). Segundo o relatório conjunto da Cepal/OIT, mais de 42% das ocupações latinoamericanas encontram-se mais ameaçadas por pertencerem aos setores econômicos de alto risco (comércio atacadista e varejista; reparação de veículos e motocicletas; indústrias de manufatura; atividades de acomodação e serviço de refeições; atividades imobiliárias e serviços administrativos e de apoio). A diferenciação nas estruturas produtivas dos países da região explica o diferencial de composição nas ocupações ameaçadas, pois contém maior probabilidade de serem destruídas na pandemia.

Respostas governamentais

O mundo teve o benefício de saber o que fazer e como fazer para enfrentar a pandemia do Covid-19 a partir da experiência inicial e exitosa da China. Desde janeiro do ano, quando ficou evidente a inegável difusão global da doença viral que as autoridades responsáveis poderiam ter planejado ações antecipatórias. Também já se sabia previamente pelos resultados apresentados que o modelo satisfatório de intervenção governamental na pandemia contemplaria um tripé articulado e simultâneo de ações. Ou seja, (i) o isolamento social efetivo, (ii) a testagem do vírus em massa para atenção focada da saúde pública e (iii) a garantia de recursos públicos aos trabalhadores e de condições de sobrevivência de empresas e negócios próprios.

Com o bem sucedido modelo chinês, a pandemia da COVID-19 teve duração inferior a três meses, acompanhado de queda considerável no PIB de quase 10%. Na sequência, a volta à normalidade, cujos indicadores atuais de recuperação econômica apontam para a ausência de queda no PIB da China em 2020.

Na América Latina, os governos tomaram medidas que seguiram, guardada a devida proporção, o modelo chinês do tripé de medidas. Nem sempre, contudo, as medidas estiveram articuladas entre si e foram implementadas simultaneamente, o que terminou explicitando especificidades em termos de resultados de contaminados e mortos.

Também em relação à duração da pandemia em cada país e suas consequências econômicas e sociais há diferenças nacionais importantes, refletindo opções não convergentes dos governos da região, conforme presente no quadro 01.

Comparações internacionais sempre estão sujeitas as limitações de elementos tratados. Não somente pela assimetria das bases nacionais de informação, problema imediato mais aparente, mas também, na melhor tradição da economia política, pelas relações entre diferentes estruturas sociais com distintas capacidades de planejamento econômico e sanitário dos governos em atuar diante da crise.

Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas.
Denis Maracci Gimenez é professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit/IE/Unicamp).
Tomás Rigoletto Pernías é doutorando em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Unicamp.

Fonte: Cesit – Extraído de Democraciae Mundo do Trabalho em Debate