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Os 203 anos do nascimento de Karl Marx

5 de maio de 2021
Karl Marx

Neste dia 5 de maio, comemoramos os 203 anos do nascimento do grande pensador Karl Heinrich Marx.

Este ano completam-se 203 anos do nascimento de Karl Marx. Não é uma efeméride com data “redonda”, como foi de 2018 com seus 200 anos de nascimento. Mas, lembrar Marx não precisa ser inclusive na data de seu nascimento. O seu pensamento e a sua teoria, para nós que abraçamos a ciência que ele criou – o marxismo –está presente no nosso dia a dia. Usamos seu método de análise o tempo todo. Para registrar essa magna data é que escrevo este pequeno ensaio [1].

Karl Marx nasceu na cidade de Trier (ou Tréveris, região da Renânia), em 5 de maio de 1818, na antiga Prússia, hoje Alemanha, e veio a falecer na cidade de Londres, em 14 de março de 1883, antes de completar 65 anos. Viveu a maior parte de sua vida em Londres.

Marx formou-se em Direito, mas estudou a fundo também economia e filosofia. Fez seu doutorado em 1841 com a tese sobre a filosofia de Epicuro e Demócrito. Exerceu a função de redator em jornais patrióticos da sua época. Jamais advogou, como seu pai queria.

Marx era filho de Henriette Pressburg (1788-1863) e do advogado proeminente, doutor Henrich Marx, ambos de origem judaica. Seu pai era descendente de rabinos famosos na região. Em certo momento de sua vida, o pai de Marx acabou tendo que renunciar ao judaísmo, em função do antissemitismo forte na Europa, e se converteu ao protestantismo luterano.

Desde seu ingresso na Universidade de Bonn (no segundo ano transferiu-se para a Universidade de Berlim), o jovem Marx se aproximou dos círculos de jovens hegelianos de esquerda. O filósofo mais importante da época, e que lecionou durante toda a sua vida na Universidade de Berlim, foi Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), por quem foi influenciado, ainda que eles não tenham se encontrado (Hegel morreu quando Marx tinha apenas 15 anos).

Marx exerceu, em uma parte de sua vida, a função de jornalista. Escrevia regularmente para Kheinische Zeitung (Gazeta Renana), um jornal radical (mas não revolucionário de esquerda) da cidade de Colônia, que acabou sendo fechado pelos sensores prussianos. Marx chega a ser convidado para ser o redator do Diário Oficial do reino da Prússia. Mas a tal convite ele recusa, claro, porque fazia forte oposição ao absolutismo monárquico, em vigor naquela época.

Em 1841, com apenas 23 anos, Marx conclui seu doutorado (uma espécie de trabalho apresentado ao final dos cursos de graduação para exercer a função de advogado, mas nada comparado com os atuais TCCs). Sua tese foi Sobre as diferenças da filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro (filósofos chamados pré-socráticos e dialéticos).

Na Universidade de Berlim, ele ingressa no Clube dos Doutores e, apesar de ser o mais jovem, era o mais respeitado por todos os mais antigos membros. O líder era Bruno Bauer (1809-1882), também ele jovem hegeliano de esquerda. Bauer acaba sendo demitido da universidade, onde lecionava teologia e fora acusado de praticar o ateísmo.

Nesse momento, Marx desiste de uma possível carreira acadêmica em função de suas ideias e concepções materialistas de mundo. Lênin, em seu artigo intitulado Karl Marx [2], menciona que Marx, em sua juventude acadêmica e logo após a sua formatura em Berlim, fora um “jovem hegeliano de esquerda”.

De fato, isso é verdade, mas posteriormente Marx romperá com o pensamento de Hegel, considerando-o idealista. Ficaria mais próximo de Feuerbach, que se encontrava mais à esquerda. No entanto, também romperia com esse filósofo mais tarde.

Na interpretação de Marx sobre o pensamento de Hegel – ainda que este tenha sido, até a sua época, o maior filósofo alemão –, o pensamento hegeliano entendia que as ideias criavam a realidade. Em oposição a isso, Marx já tinha claro que as ideias decorrem do movimento real, que é transposto para nosso cérebro. Há uma diferença entre pensamento/ideias/mente e matéria/cérebro.

Isso os chamados dialéticos da época não conseguiam compreender. Assim, pensamento e consciência são decorrentes do cérebro humano. Como viria a dizer Engels posteriormente nesse debate, a questão primordial passaria a ser, para os marxistas, responder ao que era primordial: o espírito ou a natureza/matéria. Daí o termo “materialismo dialético”.

Marx sofreu grande influência da filosofia hegeliana, como a maioria de pensadores e autores da sua época, principalmente no aspecto da chamada dialética idealista. Também teve forte influência do conceituado filósofo alemão Ludwig Feuerbach (1804-1872). Tenta combinar o pensamento de ambos na estruturação de um pensamento comum. Posteriormente, rompe com ambos os filósofos, sem rejeitar, no entanto, boa parte de seus pensamentos; tal qual viria a fazer também com os aspectos de seu pensamento econômico.

Aqui um pequeno parêntese sobre Fuerbach, com quem Marx posteriormente terá muitas divergências. Ele escreverá um livro Sobre a dez teses de Ludwig Fuerbach, onde contesta uma a uma. O que temos que registrar é quando Marx contesta que Fuerbach fala “pensa-se diferente nos casebres e nos palácios”. Ao que Marx vai se opor frontalmente. De fato, a ideologia dominante em uma determinada época nada mais é do que a ideologia da classe que domina política e economicamente essa mesma sociedade.

Na redação do jornal Gazeta Renana, em 1842, ele conhecerá Friedrich Engels, filho de um grande industrial de Manchester, na Inglaterra. Engels será seu fiel amigo e apoiador (inclusive financeiramente) até sua morte, em 1883, por longos 41 anos.

Marx, desde a faculdade, já chamava a atenção das pessoas, dos seus colegas, de professores e intelectuais. Engels registra que, quando o conheceu, ele já era famoso em vários países da Europa. Nessa época, Marx tinha apenas 24 anos. Engels, depois disso, até fez uma poesia dedicada ao seu novo amigo, de tão emocionado que ficou [3].

Como a maioria dos livros e artigos sobre Marx e Engels quase nunca publica essa famosa poesia, que é um libelo de admiração de Engels para Marx, fazemos questão de publicá-la neste espaço.

Quem vem a seguir, com rebelde impetuosidade?
Um sujeito moreno de Trier, marcante monstruosidade.
Não salta nem pula, mas anda em marcha acelerada,
Esbravejando à larga. Como que a agarrar e a puxar
Para a terra a espaços tenda do firmamento,
Escancara os braços e os estende para o céu.
Brande o punho severo, vocifera com ar frenético,
Como se dez mil demônios o agarrassem pelos cabelos” (WHEEN, p. 42).

Em 1843 Marx se casa, em Kreuznach, com Johanna Bertha Julie von Westphalen, nascida em 1814 (quatro anos mais velha que Marx), que veio a falecer em Londres, em 2 de dezembro de 1881, dois anos antes de Marx. Era mais conhecida como Jenny. Ela foi sua amiga de infância, mas pertencia a uma família reacionária, inclusive seu irmão foi ministro do Interior da Prússia, por oito anos, no governo reacionário e de monarquia absoluta prussiano.

O pai de Jenny, Johann Ludwig, foi professor da Universidade de Berlim, também ele Barão von Westphalen. O casal Marx e Jenny tiveram sete filhos, mas um deles natimorto. Dos seis restantes, Marx viu morrer quatro, a saber (além de sua própria esposa): Henry (1850), Jenny Eveline (1852), Edgar (1855) e Jenny Caroline (1883, pouco antes de sua morte).

Por volta de 1843, ele polemiza sobre a questão religiosa. Se, por um lado, ele é bastante crítico às religiões em geral, por outro, ele demonstra compreender o porquê de o povo precisar e procurar as religiões. Ele menciona a força que sempre tiveram as mensagens da maioria das religiões, com a promessa de outra vida e com a afirmação de que as orações seriam todas atendidas. Se a religião era a justificativa para a opressão, acabava se tornando um refúgio para ela.

Há uma passagem famosa – e polêmica – relacionada a uma frase dele: “o sofrimento religioso é, ao mesmo tempo, a expressão do sofrimento real e um protesto contra o sofrimento real. A religião é o suspiro do oprimido, a alma de situações desalmadas. É o ópio do povo” (WHEEN, 60). Sempre interpretei essa passagem como algo que o povo precisa das religiões, mesmo sabendo que isso lhe fará mal. A comparação aqui é com os viciados em ópio, como na China antiga.

Vejam esse combate que ele trava com Lutero, seu conterrâneo, sobre a questão religiosa: “ele [Lutero] destruiu a fé na autoridade, mas apenas pelo restabelecimento da autoridade da fé. Transformou os padres em leigos, mas somente para transformar leigos em padres. Libertou a humanidade da religiosidade externa, mas apenas fazendo da religiosidade o homem interno. Libertou o corpo dos grilhões, mas somente agrilhoando o coração” (WHEEN, 61). Impressionante. E pensar que ele tinha apenas 25 anos quando escreveu essas reflexões sobre religião.

As duas outras filhas, que vieram a falecer após a morte de Marx, ambas chamadas Jenny, seguiram como ativistas políticas. Jenny Eleanor suicidou-se em 1898. E a última a morrer, Jenny Laura, suicidou-se junto com o marido, o médico francês e ativista político, Paul Lafarge, em 1911. Eles estão enterrados no cemitério Père-Lachaise, o mais famoso em Paris. (Eu o visitei, bem como os principais túmulos de personalidades que lá estão enterradas).

Ninguém menos que o jovem comunista russo, Vladimir Ilyich Ulianov, conhecido como Lênin – então já famoso mundialmente, aos 41 anos –, fez o discurso no enterro de Laura e Paul, ambos grandes ativistas do socialismo. Não deve ter sido nada fácil para as duas Jenny, que sobreviveram à morte do pai, sustentarem o peso de serem filhas de Karl Marx, maior filósofo da época. E um perseguido político em vários países da Europa.

Devido à sua militância ativa, Marx sempre foi perseguido. Teve de deixar a Alemanha, mudando-se para a França. Em 1845 foi expulso desse país, e foi morar em Bruxelas, na Bélgica. Nesse país, inicia-se não só uma longa parceria com seu amigo Friedrich Engels, como também passam a escrever alguns dos seus principais livros.

Nesse mesmo período, Marx se debruça sobre o conjunto da obra de Adam Smith, assim como de muitos outros autores. Ele irá ler dezenas de livros, fazendo anotações em folhas à parte, que jamais foram publicadas em vida. Tal qual A ideologia alemã, esses manuscritos (fala-se em mais de três mil folhas) só foram compilados e publicados em 1932, pela antiga União Soviética.

O livro que reúne as principais anotações leva o nome de Manuscritos econômicos e filosóficos. Ainda que seja um Marx jovem a caminho de sua maturidade intelectual, posteriormente se verificou – quando da publicação – que ele já se aprofundava tanto na filosofia materialista e dialética (que levaria o nome de marxista) quanto no aspecto de seu pensamento econômico.

Será nesse trabalho que ele teorizará sobre um dos temas mais importantes e centrais de seu pensamento filosófico: o conceito de alienação. Aqui ele não discute apenas sobre a “alienação” como venda do trabalho para os patrões como veremos mais adiante. Ele menciona outras dimensões da alienação, como no que se refere ao que o trabalhador produz; à natureza e ao seu “eu” individual; e aos outros seres humanos.

Alienação também pelo aspecto de os operários não verem utilidade no que produzem. Esse é o momento em que o trabalho se torna impessoal. São discussões de caráter mais filosófico do que econômico. Marx relaciona diretamente a alienação por causa da tirania do dinheiro.

Um dos primeiros textos importantes que li sobre Marx, em minha juventude, foi o artigo de Lênin intitulado As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo. É um artigo curto, no qual Lênin menciona os principais pensadores que “fizeram a cabeça de Marx”.

Mas existe uma passagem de seus próprios escritos, na qual Marx confessa as correntes de pensamento que o influenciaram na juventude, ao dizer: “o proletariado alemão é o teórico do proletariado europeu, assim como o proletariado inglês é seu economista e o proletariado francês, o seu político”.

Isso consta em uma carta a Arnold Ruge, filósofo, escritor e político alemão. Engels afirmaria o marxismo posteriormente como uma espécie de “híbrido” de três linhagens. Aos 26 anos de idade, Marx já era uma sumidade em filosofia alemã e no socialismo francês, mas daquela época em diante ele se debruçaria sobre a “ciência desoladora”: a economia inglesa.

No ano de 1947, Marx se aproxima da Liga dos Justos, que posteriormente – no Congresso de dezembro desse ano, por proposta de Marx e Engels – se transformaria na Liga dos Comunistas. Marx e seu amigo Engels ficaram incumbidos de redigir o famoso Manifesto, que seria publicado em fevereiro de 1848.  

Em 1949, na absoluta impossibilidade de Marx e sua pequena família seguirem morando no continente europeu (pelo fato de França e Bélgica, além da sua Alemanha e da Prússia, o perseguirem implacavelmente), ele acaba mudando-se para Londres, que era uma cidade cosmopolita, liberal com muitos imigrantes. Morará nessa cidade até sua morte em 1883 (tendo vivido lá durante 34 longos anos).

Nesse ano, ele escreve Trabalho assalariado e capital. Esta obra será a primeira em que nosso jovem filósofo tratará do tema que marcará a sua obra: o trabalho na forma assalariada dentro da sociedade capitalista.

Nessa obra, ele anuncia seu conceito sobre o significado de mais-valia (que o tradutor direto do alemão de O capital, da BoiTempo, Rubens Ederle, prefere chamar de mais-valor) e de propriedade privada dos meios de produção (os instrumentos, ferramentas e tudo o mais necessário para que as coisas e os serviços possam ser produzidos, cuja propriedade é privada no sistema capitalista e pertencente aos patrões, empregadores, burguesia).

Em 1852, Marx, com apenas 34 anos, reúne seus escritos, realizados entre 1848 e 1851, relacionados ao governo de Luiz Bonaparte III. Como sabemos, esse Luiz Bonaparte, tal qual seu tio, o famoso Napoleão Bonaparte, em 1800, proclama-se imperador da França por meio de um golpe de Estado. Daí a publicação de 18 Brumário de Luiz Bonaparte.

Nesta obra Marx vai esboçar, em um primeiro momento, outros conceitos fundamentais de seu pensamento, em especial o de luta de classes no decorrer da história, ditadura do proletariado e revolução proletária. Segundo ele, não se trata de aperfeiçoamento do Estado burguês, mas sim da sua substituição. Aqui Marx dá uma lição de política, quando menciona que um governante monarquista pode muito bem manter o status quo de um Estado burguês, desde que seus interesses sejam os mesmos.

Interrompidos (por dois anos), por problemas de saúde em 1855, Marx retoma seus estudos no Museu Britânico em 1857, em especial sobre economia. Os registros do Museu atestam que ele chegava normalmente às 9 horas e jamais saía antes das 19 horas, quando, ao voltar para sua casa, adentrava até a madrugada na continuidade das suas leituras e anotações.

Ele tinha uma espécie de lugar cativo a ele reservado para suas pesquisas. Na casa onde morou em Londres, preservado até os dias atuais, há uma parte no assoalho e no tapete com uma marca por onde Marx andava de sua poltrona até a janela quando estava produzindo. Era seu costume.

A Associação Internacional dos Trabalhadores

Na trajetória da vida de Marx, convém ressaltar e enaltecer as suas relações com a organização que foi a primeira entidade, em plano internacional, a aglutinar trabalhadores, sindicalistas e partidos políticos de esquerda que já existira na história.

Exatamente no dia 28 de setembro de 1864, quando Marx tinha 46 anos, ocorre o 1º Congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), uma espécie de Partido Comunista internacional, cuja função era dirigir as lutas dos trabalhadores em todo o mundo, ou pelo menos apoiá-la.

Nesse Congresso, estiveram presentes em torno de dois mil delegados vindos de vários países europeus. Marx, por certo, era a figura central e de maior destaque, nesse evento, ainda que ele não tenha discursado.

Ele fora incumbido de redigir o manifesto da entidade e seus estatutos. Além de muito respeitado por todos, já mundialmente conhecido, Marx era fluente, entre outras línguas, em alemão (seu idioma nativo) e em francês e inglês.

Havia uma profunda luta interna entre os delegados presentes – que perduraria até a entidade vir a ser dissolvida em 1872 –, que se manifestou de forma aguda em todos os seus cinco congressos realizados. De um lado, os comunistas (marxistas), nem sempre maioria no início, defendendo a luta política dos trabalhadores organizados e a tomada do poder político pelo proletariado, bem como a destruição do sistema capitalista.

De outro lado, liderado por Pierre-Joseph Proudhon, de origem francesa e adepto do anarquismo, a quem Marx já havia combatido em diversos artigos e debates. Eles não pregavam o fim do capitalismo e viam até como limitada a ação sindical por reivindicações econômicas (os comunistas também viam limites na ação sindical que era meramente economicista, mas incentivavam a participação nessas entidades como forma inicial de organização do proletariado).

A Internacional, como era conhecida (haveria, depois dessa primeira, mais duas), elegeu, desde o primeiro Congresso em Londres, um Conselho Geral provisório (mantido no segundo Congresso) realizado entre 3 e 8 de setembro de 1866, na cidade de Genebra, na Suíça.

Desde o primeiro, Marx fora eleito para esse Conselho Geral, órgão dirigente (no 2º Congresso, Marx não esteve presente). Marx até relutou em entrar no CG, porque, segundo ele, este deveria ser composto por operários e proletários em geral, pois reconhecia sua origem de classe pequeno-burguesa.

Desde o Congresso de sua fundação, a AIT prestou solidariedade aos diversos movimentos dos trabalhadores que ocorriam em várias partes do mundo. Destaca-se aqui o seu apoio à guerra civil nos Estados Unidos, que os livros de história chamam de Guerra de Secessão. A AIT declarou seu apoio incondicional à União, que lutava contra os estados escravistas do Sul dos Estados Unidos.

Aqui é importante fazer um registro. Abraham Lincoln – 16º presidente dos EUA, assassinado em 15 de abril de 1865, o melhor presidente dentre os 46 daquele país (em 57 eleições até novembro de 2020), era filho de operários, chegando a ser lenhador antes de se formar em direito – leu a obra de Karl Marx [4]. Isso redundou no envio de uma carta da AIT a Lincoln, redigida e assinada por Marx, datada de 22 de novembro de 1864, saudando a sua reeleição [5].

A Comuna de Paris

O ano de 1871 foi particularmente importante pela eclosão do que viria a ser conhecido na história como a Comuna de Paris. Marx e Engels consideraram essa experiência como a primeira ditadura do proletariado da história, ainda que tenha durado pouco tempo.

Isso ocorreu pela capitulação da burguesia francesa e sua rendição à Prússia, que o proletariado de Paris não aceitou, junto com a guarda nacional. Há controvérsias entre historiadores em relação ao tempo que ela durou.

Nós trabalhamos com a data de 18 de março como o dia de sua eclosão, que perdura até 28 de maio de 1871, ou seja, exatos 71 dias. Também há divergência entre o número de mortos; oficialmente apontados apenas 6.667, mas que foi muito além disso. A maioria dos historiadores menciona entre 10 e 20 mil comunardos assassinados pela burguesia francesa, cujos corpos estão enterrados em valas comuns jamais identificadas [6].

A experiência da Comuna de Paris – que em 18 de março de 2021 comemorou 150 anos – foi a destituição de todo poder burguês local e a instauração de um poder operário e proletário. Conforme diz Marx posteriormente, essa situação em Paris teria sido como se os operários “tivessem tomado o céu de assalto”.

A partir da observação e análise desse movimento revolucionário, Marx redige, nesse mesmo ano, o seu livro intitulado Guerra civil na França. Essa obra foi publicada posteriormente por Engels, em 1891, quando a Comuna de Paris completava 20 anos.

Na verdade, ela é o discurso que Marx havia proferido no 5º Congresso da Internacional de 1872, realizado em Haia, Holanda, entre 2 e 7 de setembro desse ano, que seria o seu último Congresso. O exemplo da Comuna de Paris foi, para Marx, a prova concreta de que era viável a sua teoria: o proletariado poderia – deveria na verdade – tomar o poder.

O ano de 1867 foi marcado pela publicação pelo próprio Marx do volume I de O capital. Ele fez até alguns prefácios para publicação em outros idiomas, mas jamais conseguiria até o final de sua vida, publicar os volumes I e II, tarefa levada à cabo por Engels.

O aspecto mais marcante, do ano de 1873, foi a publicação da 2ª edição de O Capital, com Prefácio do próprio Marx, mencionando pequenos ajustes que ele havia feito. Marx, já com 55 anos e mundialmente famoso, envia, em outubro desse ano, um exemplar dessa edição com dedicatória a ninguém menos que Charles Darwin. Engels posteriormente faria uma ligação entre os dois homens, ao dizer: “assim como Darwin descobriu a lei da evolução na natureza humana, Marx descobriu a lei da evolução da história humana” [7].

Marx, desde a publicação, em 1859, de Origem das espécies, de Charles Darwin, era um entusiasta dessa obra, tendo dito a Engels em 1860: “apesar de ser redigido no tosco estilo inglês, este é o livro que contém a base de nossa visão na história natural”.

Para seu outro amigo, Ferdinand Lassalle (1825-1864), teórico socialista alemão, Marx disse: “o livro de Darwin é muito importante e me serve de base, na ciência natural, para a luta de classes na história” [8].

Como disse Lênin, o que se passou a chamar de “marxismo” nada mais é do que um conjunto de sistemas de ideias e concepções de Karl Marx. E, como dissemos, ele vai beber da sabedoria da filosofia clássica alemã, do socialismo francês e da economia política inglesa.

Últimos anos de vida de Marx

Nos seus últimos anos de vida, Marx é acometido de várias enfermidades e diminui a sua participação em eventos fora de Londres, ficando em casa a maior parte do tempo. Escrevia muitas cartas (todas manuscritas, claro, pois, à época, máquinas de escrever eram caríssimas) por dia para muitas pessoas com as quais se correspondia.

Nessas cartas, muitas vezes com dezenas de páginas, ele expunha pontos de vista que interpretavam aspectos do seu próprio pensamento, que acabaram virando textos explicativos de algumas das suas importantes obras.

Ao mesmo tempo, Marx aproveitava as cartas para contestar também aspectos de pensamento dos seus adversários políticos, desconstruindo ideologicamente essas posições que ele considerava equivocadas. Por isso suas obras completas reunidas pelo Instituto MEGA da Alemanha, já ultrapassa a 40 volumes.

Desde o ano de 1873, a saúde de Marx vinha se deteriorando, tendo ele recebido orientação dos seus médicos para diminuir drasticamente sua atividade de trabalho intelectual (leituras e escritas). Orientação essa que ele jamais acataria. Passou os seus últimos anos em Londres, preparando e organizando os originais dos volumes subsequentes de O Capital.

Marx Intensificou estudos sobre a situação política e econômica da Rússia, sem jamais imaginar que a revolução socialista – que ele idealizara em seus escritos – ocorreria nesse país atrasado, semifeudal (ele imaginava a revolução na Alemanha ou na Inglaterra).

Como um gênio, diversificou seus conhecimentos e estudos, tendo estudado, nesses seus 10 anos de vida que lhes restariam, geologia, física e matemática (tenho um livro dele em francês intitulado Écrits mathématiques du Karl Marx).

Em 1881 Marx perde sua amada esposa Jenny e, no ano seguinte, em 1882, a sua filha mais velha, nascida em 1844, Jenny Caroline. Seus últimos dias de março de 1883 foram atormentados por laringite, bronquite (Marx fumava charutos), insônia e suores noturnos.

No dia 14 de março de 1883, uma quarta-feira, quando Engels foi visitá-lo às 14h30, como fazia habitualmente, Lenchen – como era conhecida a governanta de sua casa Helena Demuth – diz a Engels que Marx estava “semiadormecido” em sua poltrona favorita de leitura, próximo da lareira. Quando os dois entraram no quarto, uns minutos depois, Marx estava morto. Engels diria depois: “a humanidade tem uma cabeça a menos… e era a cabeça mais notável de nossa época”.

Marx foi sepultado no dia 17 de março, no famoso cemitério de Hightgate, mesmo local em que sua esposa fora sepultada 11 meses antes (e onde também sua governanta foi enterrada em 1890). Engels, em um discurso emocionado para um pequeno público de 11 pessoas apenas – a imprensa londrina praticamente ignorou o episódio –, descreveu seu amigo de mais de 40 anos como o maior gênio revolucionário da história, tendo dito “seu nome e sua obra perdurarão através dos séculos”.

Atualidade de sua obra

Jamais um autor em toda a história desenvolveu uma teoria que se perpetuasse a partir de sua própria dinâmica. É claro que muitos pensadores e teóricos, contribuíram para o seu desenvolvimento e atualização. Se um dia percebermos a ortodoxia em algum aspecto do pensamento marxista, podemos ter certeza de que isso não será marxismo. É famosa a frase que ele proferiu certa vez: “eu não sou marxista”, ao ler e ouvir barbaridades que se falavam em seu nome.

A burguesia tudo faz e fará para negar a essência da história, que é a luta de classe. Essa burguesia jamais admitirá a centralidade do trabalho e do seu significado para a produção de toda a riqueza da sociedade, que é produzida pelos trabalhadores em geral, em especial pelo proletariado (produtores de mais-valia), mas que jamais ficam com eles essa riqueza.

Jamais se viu em toda a história tamanha concentração de renda e riqueza em mãos de tão poucas pessoas em todo o mundo, e Marx mencionou essa concentração do capital em sua obra. Até na robotização, Marx viu elementos no capitalismo do século XIX, quando ele menciona “a maquinaria”. Ainda que não tenha teorizado sobre a financeirização do capital – que Lênin viria a fazer apenas em 1916 com a sua magistral obra Imperialismo, etapa superior do capitalismo – Marx mencionava “capital portador de juros”.

Como bem disse Engels, o seu pensamento será eterno. A sua memória estará eternamente guardada na mente e nos corações do proletariado mundial, revolucionário, que está chamado a liderar o processo que levará ao enterro do capitalismo. Lembremos que o que é inevitável é o fim do capitalismo e não a vinda do socialismo. Este novo sistema deve ser construído pela luta de todas as pessoas trabalhadoras e exploradas em todo o mundo.

Por isso continua, nestes 203 anos do nascimento do grande Karl Marx, cada dia mais atual, a frase que encerra o seu Manifesto, escrito com seu amigo inseparável, Friedrich Engels: Proletários de todos os países, uní-vos! Nada tendes a perder senão os grilhões que vos aprisionam!


Notas

[1] Este pequeno trabalho é uma adaptação do capítulo introdutório do meu livro Marx para principiantes, editado pela minha própria Editora Apparte (www.apparteditora.com.br), com 288 páginas e que pode ser adquirido por R$39,90 nesse link <https://bit.ly/31zaWf6>.

[2] Que pode ser lido no livro da editora Expressão Popular, de 2001, mencionado na bibliografia, As três fontes, escrito por Lênin.

[3] Só conheço um filme feito sobre a vida de Marx, O jovem Marx, lançado no Brasil em 2017, do diretor Raoul Peck, que tem 1h58min de duração. O YouTube o disponibiliza gratuitamente no seguinte endereço: <https://www.youtube.com/watch?v=2M5vo2n6G7Y>. Muito bem-feito o filme, que retrata Marx até por volta de 44 anos de idade. Recomendo fortemente.

[4] Isso é mencionado pelo historiador Léo Hubermann em seu livro História da riqueza do homem, editado no Brasil pela LTC, publicado em 1986 com 286 páginas.

[5] Ela pode ser lida neste endereço: <https://bit.ly/30FqOwG>. Atentem ao termo que Marx usa para se referir ao slogan do primeiro mandato: “Resistência ao poder escravista”. No segundo mandato, o slogan já seria: “Morte à escravatura”. Apenas por isso já se vê a importância, o papel de Lincoln, e a comprovação de que foi mesmo o melhor presidente da história dos EUA.

[6] Quando estive em Paris em 2003, para um Congresso sindical de profissionais liberais, visitei o cemitério mais famoso da capital francesa, o Père-Lachaise. Ali existe apenas uma placa para homenagear os comunardos.

[7] Essa declaração foi extraída da página 336 do livro Karl Marx, a melhor biografia do filósofo revolucionário alemão, escrita pelo autor inglês Francis Wheen, editada no Brasil em 2001 pela Record, com 404 páginas.

[8] Essas citações estão no mesmo livro sobre Marx, de Francis Wheen, na página 337;

[9] Para estas minhas descrições dos últimos momentos da vida de Marx, baseei-me na sua biografia, aqui citada muitas vezes de Francis Wheen, p. 352-354.


Bibliografia sugerida

HEINRICH, Michael. Karl Marx e o nascimento da sociedade moderna, Volume 1 (1818-1841). São Paulo: Boitempo, 2018;

INSTITUTO Marxismo Leninismo. Karl Marx, biografia. Edições Avante, Lisboa e Edições Progresso, Moscou, 1983;

JONES, Gareth Stedman. Karl Marx, grandeza e ilusão. São Paulo: Companhia das Letras, 2017;

JOSÉ PAULO Netto. Karl Marx, uma biografia. São Paulo, Boitempo, 2020;

MUSTO, Marcelo. O velho Marx – uma biografia dos seus últimos anos (1881-1883), São Paulo, Boitempo, 2018;

SPERBER, Jonathan. Karl Marx, uma vida do século XIX. Barueri, São Paulo, Amarilys, 2014;

WHEEN, Francis. Karl Marx. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001.