A possibilidade das forças populares em torno de Lula vencerem as eleições vai se tornando real. O desafio vai gravitando para a famosa frase sobre o que fazer. Tem gente com manual pronto, livro embaixo do braço. Mas a dinâmica da política é diferente da dos nossos desejos e ideias. É matéria contra matéria.

No mundo real, o próximo governo encontrará um país destruído. Com instituições de Estado destronadas e amarras institucionais que tornam sua ação quase impossível. Ou seja, governar no Brasil tornou-se um crime. Como materialista e sem as ilusões de que na política é tudo ou nada e que as tais mobilizações populares serão a pedra de toque que mudará a correlação de forças do dia para a noite, penso sempre no day after.

É nesse sentido que já elaborei junto com Eduardo Costa Pinto um texto de discussão ao IE-UFRJ chamado “notas sobre a reconstrução do Brasil”. Mas essas notas contemplam pontos mais estratégicos, sendo que o grande drama de um eventual governo popular será os primeiros três meses de governo. Serão os meses em que não somente deverá se arrumar uma maioria política no Congresso, algo nada difícil a meu ver. Não tenho absolutamente nada contra o Centrão, apenas enxergo a funcionalidade histórica e política desse corpo político.

Essa maioria parlamentar será a uma base inicial para a reversão de uma série de marcos institucionais criados desde o golpe de 2016, principalmente o teto de gastos e a reforma trabalhista. Além de ser um polo onde as privatizações do período pós-golpe deverão ser discutidas.

Mas antes disso, defendo há meses em todos os lugares que tenho oportunidade de falar a necessidade de se decretar estado de emergência no primeiro dia do governo. Esse ato teria duas pontas estratégicas. Desobrigar o governo a cumprir o teto de gastos e mobilizar base social em torno do flagelo da fome. Seria uma sacudida na sociedade, uma ponta de enlace à reconstrução de uma subjetividade nacional e coletiva e ponto de partida à reconstrução do tecido social brasileiro.

Nos primeiros meses de governo ao menos R$ 1 trilhão poderá ser criado pelo tesouro nacional com a tarefa básica de colocar em andamento as 36 mil obras paradas no Brasil. Isso geraria um grande entusiasmo no seio do povo, mobilidade social e atacaria a espinha dorsal do fascismo assentada na falta de esperança e perspectiva de futuro. Politicamente a escalada da luta de classes irá subir. O congresso poderá se sentir amplamente pressionado por um governo com altos índices de aprovação.

Os passos seguintes estão claros no documento que assinei com Eduardo Costa Pinto e Alexis Dantas: pensar estrategicamente sobre a recomposição de nosso capital industrial via ação direta do Estado com as empresas destruídas pela operação Lava Jato. A outra ponta estaria no árduo trabalho de reversão dos já citados marcos institucionais.

Enfim, chegou o momento de sairmos do playground e pensarmos concreta e objetivamente o futuro do país. Fora de ilusões, palavras de ordem, infantilidades, lacrações e pregações de falsos profetas da “revolução” que pipocam aos montes em nossa volta.