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A luta por maior representatividade de pessoas negras e indígenas no sistema eleitoral

10 de junho de 2022

Seminário antirracista revela a ambição de mulheres, negros, indígenas e LGBT+ na disputa por representatividade nas instituições democráticas para a luta de classes que leve em consideração questões de gênero, raça, etnia e orientação sexual.

Seminário antirracista revela a ambição de mulheres, negros, indígenas e LGBT+ na disputa por representatividade nas instituições democráticas para a luta de classes que leve em consideração questões de gênero, raça, etnia e orientação sexual.

A deputada federal Jandira Feghali (RJ), vice presidente nacional do PCdoB, saudou o Seminário Luta Antirracista, Democracia e Desenvolvimento Nacional promovido pelo PCdoB, Fundação Maurício Grabois e Instituto Castro Alves, realizado de forma online nos dias 3 e 4 de junho. Ela ressaltou, especificamente, a importância para o debate partidário do quinto painel “A luta por maior representatividade de pessoas negras e indígenas no sistema de representação política brasileiro”, com participação de Rosane Borges, professora, doutora e pesquisadora USP, Jô Oliveira, mestra em Serviço Social e vereadora do PCdoB, em Campina Grande (PB), o cacique Aruan Pataxó e a moderação de Walkiria Nichteroy, vereadora de Niterói (RJ).

Jandira considerou importante o aprendizado para os dirigentes do PCdoB da complexidade dos temas propostos pelo seminário. Para ela, a luta contra a opressão de gênero e raça se entrelaça com a luta de classes, “levada com muita seriedade, convicção e formulação pelo Partido”. Na opinião da dirigente, a defesa dessa pluralidade e superação da desigualdade deve conter a luta antirracista. 

“Não podemos aceitar no nosso partido uma subestimação dessa batalha, e, muito menos, dar um sentido pejorativo ao que se chama uma luta identitária, no sentido de menosprezar e subestimar essa batalha com um sentido menor”, enfatizou. “Isso não pode dar um sentido menor, um sentido apendicular à luta contra a opressão. Essa é  uma luta prioritária e pilar da atuação do nosso Partido. São lutas fundamentais do povo brasileiro e não lutas de guetos. Nos territórios e periferias, precisamos que as pessoa que vão depositar seu voto entendam a seriedade da nossa agenda de lutas”.

Conquista eleitoral

A deputada estadual Olívia Santana (PCdoB-BA), organizadora do seminário, destacou a conquista na última reforma da lei eleitoral aprovada, em que os partidos políticos incentivem a eleição de mais mulheres e negros. Ficou determinado que os votos dados para mulheres e negros, para a Câmara dos Deputados, nestas eleições de 2022 até 2030, serão contados em dobro para fins de distribuição entre os partidos políticos dos recursos do fundo partidário e o fundo de financiamento de campanhas. 

Na opinião da secretária de Combate ao Racismo do PCdoB, a contagem é um incentivo importante para que os partidos estimulem o investimento nas candidaturas negras e de mulheres para sair dessa eleição, até 2030, cumprindo a meta da paridade de gênero e raça no Congresso. “Este é um elemento que precisa ser projetado como conquista da população negra, a partir de uma consulta da deputada Benedita da Silva sobre a possibilidade de estabelecer 30% do fundo eleitoral para estender, de mulheres, também para pessoas negras. Com isso, precisamos atentar para o monitoramento de nossas candidaturas em todo o país”, disse a dirigente do PCdoB.

Olhar diferenciado

Walkiria Nichteroy, vereadora de Niterói (RJ), diz que a questão da representatividade negra no Congresso Nacional não é meramente estética como parece em algumas argumentações rasas. “Afinal, vemos pessoas pretas no parlamento que não defendem a luta antirracista. Queremos representatividade porque construimos o Partido, nos somamos e porque nossa experiência como negros, indígenas e mulheres na sociedade nos faz olhar o mundo de um modo diferente, e é muito importante que o Partido Comunista seja capaz de absorver esses olhares”, disse.

A vereadora observa que a posição de parlamentar, que por muito tempo foi vista como lugar de privilégio e destaque, “para nós é o inverso”, por ser uma posição que as expõe à violência e ataques. “Por isso, o Partido precisa se posicionar sobre estas figuras que topam a tarefa de emprestar as suas caras para essas lutas”.

Disputar a agenda política

Jô Oliveira, vereadora de Campina Grande (PB), disse como é difícil convencer lideranças sociais a entrar para a política, esse “não-lugar” comum da corrupção e dos interesses pessoais que não levam em conta a coletividade. Frequentemente, lideranças sociais respeitáveis são criminalizadas em suas práticas políticas. Ela também lamenta que, frequentemente, é preciso defender o óbvio, de que as pautas para essa enorme população negra da sociedade brasileira não é “mimimi”, mas um problema que afeta a maioria. Esta é sua experiência em Campina Grande, um reduto tucano orgulhoso de seu conservadorismo.

Ela também considera que representatividade não é “só estar lá”, o corpo e a estética, mas representar o compromisso político de quem defendem. “Se dizemos que a classe trabalhadora tem gênero e raça demarcados, é porque sentimos isso, todo dia. É uma luta pela sobrevivência de negros e negras e de povos originários”, disse a parlamentar. Ela também mencionou o fato de que mulheres e negros “não podem errar”, pois a cobrança é mais efetiva e violenta. 

Mesmo com dificuldades, ela diz que é importante qualificar o debate e a prática política pela construção de respostas. “Precisamos assumir o compromisso de disputar as agendas políticas do próximo governo, perpassadas por questões de raça, gênero e classe. Reconhecer esses extratos é falar de quem nós somos. Não se trata de identitarismo”, salientou ela.

Para ela, a questão da representatividade vai além de, no processo eleitoral assegurar reserva de vagas, falar do repasse de recursos para campanha e do tempo de TV. “Mas, principalmente, ter a tranquilidade de quando estivermos falando de nosso projeto político sobre como fortalecer nossas instâncias e estruturas organizativas, que esse debate antirracista não seja uma discussão pontual em momentos estratégicos, mas que seja parte da estratégia de superação dessa conjuntura que vivenciamos. E dessa construção de modelo de sociedade, tendo o olhar e as mãos da população negra, junto com os povos originários. Não podemos recuar dessa perspectiva”.

O enfrentamento indígena ao coronelismo

O cacique Aruan Pataxó é presidente da Federação das Nações Pataxó e Tupinambá do extremo sul da Bahia, da Mupoiba, Movimento Unidos Povos e Nações Indígenas da Bahia e Miba, Movimento Indígena da Bahia, além de presidente do PCdoB de Santa Cruz Cabrália. Ele mencionou a diversidade de povos com 305 etnias e 254 línguas faladas no Brasil.

Ele lembrou como a representação indígena deixou um marco histórico com o deputado xavante do PDT, Mário Juruna, entre 1983 e 1987, que, segundo ele, teve grande apoio e orientação do deputado constituinte Haroldo Lima (PCdoB-BA), além de ter deixado sua contribuição na Constituição com os Artigos 231 e 232, que garantem demarcação e regularização das terras, diversidade cultural e religiosa e defesa judicial dos povos indígenas.

Desde então, os indígenas vão voltar a ter representação relevante com Joênia Wapichana (Rede-RR), com seu “papel belíssimo” na Câmara, que fortalece a defesa dos povos indígenas por direitos. Mas ele admite que a sub-representação indígena está relacionada com o ceticismo desta população com a política. “Mas também as condições de disputa eleitoral, que demandam estímulos legais para a ocupação dessas vagas”. Foi em 2012, no entanto, que houve um despertar, na Bahia, em assembleia que decidiu pela participação na política partidária.

Quando os direitos sociais de povos indígenas estão sendo atacados no campo da política, Aruan lembra que eles têm atuado de forma contundente contra o governo Bolsonaro, dizendo que são contra essa política destruidora dos direitos. Ele mencionou a luta de repercussão internacional contra o PL 149, que estabelece o marco temporal, que tira a garantia de direitos após o período estabelecido (a Constituição de 1988), e o PL 191, que permite a mineração em terras indígenas. “Todos os instrumentos administrativos, a legislação e o judiciário têm sido desfavoráveis para garantia de direitos de nossos povos”, constatou.

Com isso, os indígenas têm se atentado para a participação institucional indígena na política. Ele relatou que, este ano, deve sair em todo o Brasil um quantitativo alto de candidaturas indígenas, mostrando força para a disputa eleitoral. 

São candidaturas que enfrentam dificuldades com os “coronéis” que não querem deixar haver a participação indígena em eleições, para não chegar aos espaços de poder de decisão. “Tentam dividir nossos povos para não conseguirmos eleger. Além disso, há a abertura de territórios para igrejas evangélicas, que influenciam que muitos indígenas votem em Bolsonaro”, lamentou.

Aruan destaca que a terra não tem valor monetário para os indígenas, mas cultural. “O agronegócio e o governo dizem que a terra indígena é improdutiva, mas preservamos flora e fauna e fazemos a produção de subsistência”, enfatizou. 

Quando se trata de representação segmentada, diz ele, cada pessoa que faz uso da palavra vai defender seu público mais direcionado, em outubro. “Se nós, povos indígenas, tivermos voz no Parlamento, claramente vamos ter vez, também, e participar das discussões e direcionamentos”. 

Ele citou a oportunidade de ter mais de 300 indígenas nas universidades UFBA e mais de 400 na UNEB, com bolsa permanência, em 2013, com Dilma. Ele considera este um recorte de políticas públicas com uma inclusão muito importante. “Não podemos falar do índio apenas do ponto de vista da inclusão, mas também de como podemos contribuir e oferecer, com nossas ideias e vivências, na prática junto a nossos territórios, da preservação da nossa cultura, tradições e biodiversidade”. 

Eleição para indígenas é mais difícil que para outros segmentos, avalia ele, considerando a localização e a especificidade da língua, entre outros fatores. “Além disso, existe o clientelismo do troca-troca de cimento, cesta básica, R$ 50 ou cem reais no período eleitoral, e depois tem a preocupação de quem vai para o espaço de poder tirar o couro das costas de quem não teve a consciência política de colocar os seus representantes por um projeto, uma vida e historia daqueles que pleiteiam os cargos e funções”, concluiu.

O avanço em meio ao reacionarismo

Rosane Borges, professora de Ciência da Comunicação, especialista da representação negra nos espaços de poder, contextualizou como a eleição de 2018 mostrou a ascensão da extrema-direita pelo voto, pela primeira vez nas Américas, mas também o aumento da representatividade de mulheres negras nos pleitos para deputadas. Ao mesmo tempo, igrejas evangélicas pentecostais, com presença ostensiva nas periferias, jogaram papel protagonista na presença de representações em espaços de poder. Mas ela critica o fato de 2013 ter representado uma transição “para o ovo da serpente” sem avaliações consistentes da esquerda. 

Segundo o Congresso em Foco, naquele momento, foram eleitas 1.237 mulheres negras aptas a disputar cargos eletivos. Segundo Rosane, a morte de Marielle Franco gerou e acelerou um movimento de representatividade de mulheres negras, especialmente no Rio de Janeiro. Foi também o ano em que surgiram coletivos feministas, agrupamentos de jovens negros, reposicionamento das discussão relativas a gênero e renovação das pautas dos movimentos de moradia, entre outros. “As mandatas coletivas, discutidas desde 2014, elegem mulheres negras, pessoas trans e pessoas LGBT+ como um sopro de esperança para o figurino democrático”.

Rosane considera fundamental, em 2022, haver uma avaliação da contribuição que as mulheres negras aportam após este avanço eleitoral. “A luta das mulheres negras não é identitária. Identitário é Bolsonaro, que diz que a minoria tem que se curvar à maioria, de maneira bem beligerante. Ele não está falando da minoria do voto, mas de pretos, feministas que não se depilam, quilombolas, indígenas, gays, que ele diz que sequer existem no seu governo”, enfatiza.

Para a professora, vivemos, desde 2019, uma guerra civil, “porque é uma guerra pelas formas de existência”. 

“Quando disputamos vaga nos partidos, não estamos querendo apenas que nossas carinhas pretas estejam nesses espaços, mas sinalizamos para uma deformação democrática que existe desde os gregos. Mesmo no governo Lula, esses segmentos foram contemplados como destinatários de políticas públicas, mas não desenhamos necessariamente essas políticas públicas, que foram desenhadas por movimentos populares que acolheram parte delas”, ponderou. 

Plataforma antirracista

Daniele Costa encerrou o seminário pontuando uma plataforma de propostas sistematizadas no relatório do seminário por Flávia Calé, Nivaldo Santana e ela. Como houve a ausência de um documento base, o relatório ficou atrelado a propostas abertas a contribuições, antes de sua publicação. Foram citadas 16 propostas, três organizativas, com recomendação de carta programática e conceitos da mesa. 

O documento mostra a importância de compreender o racismo como estruturante das relações econômicas e sociais no Brasil, assim como a importância do investimento do Partido em incentivar a representatividade de negros, mulheres e indígenas nas eleições. O seminário consolidou um debate sobre conceitos como racismo estrutural, identitarismo e lugar de fala, que continuarão sendo formulados.

As propostas consensuais levantadas envolvem redução de índices sociais que afetam negros e indígenas; políticas afirmativas e cotas; normas legais para salários iguais para trabalhos iguais; garantir participação em primeiros e segundos escalão em ministérios diversos; fortalecimento de conselhos de política públicas; retomar a Seppir (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial); concursos públicos para combate ao racismo; indicadores de avaliação, cultura e presença de temas na educação; políticas contra a intolerância religiosa para evitar violência contra negros, indígenas e quilombolas; regularização de territórios e investimentos; marco legal para sistema prisional; sistema nacional de abordagem policial; ouvidorias internas de polícias; renda básica; crédito para cadeia produtiva envolvendo populações negras; agenda de superação da fome com política de segurança alimentar; ampliação do Prouni; recomposição de orçamento do MEC; política de cotas na universidade; apoio à maternidade com creches e lavanderias públicas; reforma urbana; marco de religiões de matriz africana; SUS com especificidades de saúde; comitês eleitorais antirracistas de Lula; política de formação de quadros negros, mulheres e LGBT+ no PCdoB.