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Álvaro García Linera: “O progressismo moderado é perigoso”

3 de março de 2023

Entrevista com o ex-vice presidente da Bolívia, o marxista Álvaro García Linera, sobre a política na América Latina.

Entrevista com o ex-vice presidente da Bolívia, o marxista Álvaro García Linera, sobre a política na América Latina. Publicada originalmente no Página 12 em 27.02.2023. A tradução é de Theófilo Rodrigues.

Em entrevista publicada no Página 12, principal jornal de esquerda na Argentina, o ex-vice presidente da Bolívia, o marxista Álvaro García Linera, analisou as dificuldades enfrentadas pelos governos de caráter nacional e popular e as divergências com as lideranças que surgiram na região no início do século XXI. “O progressismo que só se dedica a defender as conquistas da primeira onda é um progressismo fraco, porque não está entendendo o símbolo dos tempos”, assegurou.

Linera prevê que a América Latina enfrentará nos próximos anos uma oscilação política de “vai e vem” entre governos de caráter progressista e outros de linha neoliberal.

Para o ex-vice-presidente boliviano, o principal motivo da incerteza reside no fato de que o “horizonte global não está claramente definido”, e que neste chamado “interregno” em que o mundo se encontra atualmente, o que aparece são “tentativas e ondas que buscam redefinir o novo ciclo longo dos próximos 60 anos”.

“O capitalismo se move em ciclos”, analisou Linera. “Na década de 1980 veio o ciclo neoliberal, com o livre mercado e a democracia liberal. Isso durou 40 anos e entrou em declínio.”

Nesse sentido, o intelectual boliviano referiu-se à chamada “primeira onda progressista” na região, que eclodiu no início do século XXI como resultado de políticas voltadas para a revalorização do papel do Estado diante da decadência da hegemonia neoliberal na última década.

“A primeira onda do início dos anos 2000, até 2014, eu diria, foi uma tentativa. E a contrarreforma do retorno neoliberal que veio depois, nos últimos anos, foi a tentativa de recuperar a estabilidade do neoliberalismo dos anos 80 e 90. Mas falhou. E agora estamos em um novo ciclo progressista na região”, explicou García Linera, para reafirmar sua visão do “vai e vem” político que vive a América Latina.

E neste contexto, que futuro espera para a nova vaga progressista no continente? Para o ex-vice de Evo Morales entre 2006 e 2019, os governos progressistas enfrentam atualmente grandes dificuldades para desenvolver suas políticas.

“Essa nova onda de progressismo tem diferenças com a primeira, que se caracterizou por uma liderança muito forte e carismática. As pessoas estavam fartas do neoliberalismo e buscavam uma alternativa. E surgiram transformações muito fortes. E grande parte dessa primeira onda cumpriu essa função e me sinto orgulhoso de ter participado de um processo continental no qual 70 milhões de latino-americanos saíram da pobreza. Em meu país, os indígenas se tornaram um poder político”, contextualizou García Linera.

“Mas isso começou a ter dificuldades. Pelo cumprimento de seus objetivos, mas também pelas mudanças na situação global”, acrescentou.

“O progressismo não se consolida se não avança”.

Questionado sobre os problemas que vê nos governos progressistas e nas vitórias eleitorais de Lula no Brasil e de Gustavo Petro na Colômbia, García Linera garantiu que “a segunda onda é territorialmente maior, mas politicamente menos densa”.

“Hoje as lideranças são mais administrativas, menos disruptivas, e os problemas são diferentes daqueles que enfrentamos na primeira onda progressista: a covid, a retirada das cadeias de valor, a crise mundial, uma direita mais violenta contra a igualdade. Então, esta segunda onda está defendendo direitos ao invés de expandi-los”, argumentou.

E concluiu: “O que há é mais uma defesa do que foi conquistado na primeira onda, e isso é complicado. O progressismo que só se dedica a defender as conquistas da primeira onda é um progressismo fraco, porque não está entendendo o símbolo dos tempos. Para o progressismo, parar nas reformas é ceder. E só se consolida se avançar, não se ficar parado. Um progressismo moderado é um perigo porque fortalece as forças conservadoras”.