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A centenária evolução programática do PCdoB

28 de março de 2023

Ao comemorar seus cento e um anos de existência, o Partido Comunista do Brasil
(PCdoB) apresenta um extenso acervo de interpretações do país e do seu povo


Ao comemorar seus cento e um anos de existência, o Partido Comunista do Brasil
(PCdoB) apresenta um extenso acervo de interpretações do país e do seu povo

Por Osvaldo Bertolino

As ações dos comunistas no Brasil decorrem de uma concepção programática concebida
e desenvolvida no leito do processo civilizatório que iluminou o futuro da humanidade
ao suplantar as fases históricas em que a ciência não pôde se desenvolver. Desde Karl
Marx e Friedrich Engels, o conhecimento científico sobre as transformações sociais
ganharam impulso e chegaram ao pensamento de Vladimir Lênin, o leninismo.

O Partido Comunista do Brasil surgiu, em 25 de março de 1922, como expressão do
leninismo, formulando sua linha programática com base no que se podia compreender, à
época, sobre a interpretação da realidade nacional pelo marxismo-leninismo. Sob
ataques dos setores dominantes da sociedade, ainda totalmente impregnados de
escravismo, o Partido procurou seu caminho, com erros e acertos, empunhando a
bandeira da democracia, do progresso social e da soberania nacional.

Os primeiros passos na elaboração programática se deram já no II Congresso, em maio
de 1925, com a concepção dualista “agrarismo-industrialismo”, baseada nas análises do
dirigente Octávio Brandão – ele e Astrojildo Pereira eram então os principais teóricos
do PCB – que seriam publicadas em livro homônimo em 1926 como “ensaio marxistaleninista sobre a revolta de São Paulo e a guerra de classe no Brasil”, segundo o
subtítulo da obra.

Dizia, em síntese, que os interesses agrários, em conluio com os do imperialismo angloamericano, eram os principais entraves para a industrialização e o progresso do país.
Para Brandão, uma terceira revolta – a primeira foi o levante do Forte de Copacabana
em 1922 e a segunda o movimento de São Paulo de 1924 – deveria unir “o Exército e
Marinha, o Rio e São Paulo, o Sul e o Norte, o proletariado, a pequena burguesia urbana
e a grande burguesia industrial”. E ressalvava: “O proletariado entrará na batalha como
classe independente, realizando uma política própria.”

As turbulências dos anos 1930 e 1940 adiaram a atualização programática para 1954,
quando se realizou o IV Congresso. Convocado no começo de 1930 e em meados de
1940, inviabilizado nas duas ocasiões pela repressão. Primeiro pela ascensão do
nazifascismo, que chegou com relativa força no Brasil, expresso sobretudo pela política
do Estado Novo do governo de Getúlio Vargas, e, depois, pelo anticomunismo da
Doutrina Truman – a política externa do governo dos Estados Unidos sob o comando do
presidente Harry Truman –, o esquadro geopolítico do imperialismo no pós-Segunda
Guerra Mundial que abrangia o governo brasileiro do general Eurico Gaspar Dutra, que
jogou os comunistas na ilegalidade.

No IV Congresso, o Projeto de Programa, elaborado por uma comissão liderada por
Maurício Grabois, histórico dirigente comunista, após passar pelo debate em todo o
Partido”, resultou num Programa sucinto, contendo proposições sobre a dominação
imperialista, o governo brasileiro, a revolução agrário-anti-imperialista e a frente única.
Outro dirigente comunista histórico, Diógenes Arruda Câmara, disse que o Programa
era fruto da formação do PCB, dos sucessos e insucessos dos seus trinta e dois anos de
vida e de dois anos de trabalho coletivo.

A VI Conferência, que reorganizou o Partido em 1962, após a criação do Partido
Comunista Brasileiro (PCB) em 1961 pelo grupo que assumiu as teses que revisaram os
princípios do marxista-leninista vindas do XX Congresso do Partido Comunista da
União Soviética (PCUS), de 1956, aprovou um Manifesto-Programa, que apontava
como principais responsáveis pela miséria do povo “a espoliação do Brasil pelo
imperialismo, em particular o norte-americano, o monopólio da terra e a crescente
concentração de riquezas nas mãos de uma minoria de grandes capitalistas”.

Em maio de 1988, o PCdoB realizou seu VII Congresso e elaborou um novo Programa
que, segundo Renato Rabelo, dirigente comunista, desenhava a fisionomia do Partido.
Ele resgatou a evolução do pensamento e da linha programática do Partido, reunindo
“rico ensinamento para os comunistas brasileiros”. Constatou que, desde a fundação do
PCdoB até o começo da década de 1950, prevalecia no movimento comunista o
Programa da Terceira Internacional, dissolvida em 1943. Foi quando começaram a
surgir os primeiros programas dos partidos comunistas fora do poder.

No Partido Comunista do Brasil, segundo Renato, o primeiro passo foi o Manifesto de
Agosto, de 1950, que definiu algumas conclusões estratégicas e apontou o caminho
revolucionário. Mas ainda encarava a realidade de forma estreita e sectária. O IV
Congresso, de 1954, aprovou o primeiro Programa, que analisou em profundidade a
situação do país, reafirmando o caminho revolucionário, um grande avanço político no
Brasil, com repercussão internacional.

O documento, lembrou Renato, elaborado no contexto do combate ao imperialismo
norte-americano, que realizava ampla preparação de guerra com o monopólio das armas
nucleares e invadira a Coreia, no âmbito do cerco militar à União Soviética, fixava-se
nessa tarefa. No Brasil, o Programa definiu como questão central o combate à
“militarização intensiva” da economia e da vida política. O país poderia tornar-se
importante aliado militar do imperialismo estadunidense.

Renato apontou como debilidade do Programa a ideia de que a burguesia nacional seria
aliada para toda a etapa da revolução democrática e anti-imperialista. “Alimentava
ilusões com referência ao capital estrangeiro”, criticou. “O Programa ainda trata de
forma mecânica a saída revolucionária, não apresentando as formas viáveis de como
abordá-la”, afirmou.

Segundo Renato, a evolução do debate interno resultou no Programa da reorganização
de 1962, ajustado à realidade que emergiu das transformações na economia brasileira.
“Os monopólios estrangeiros montam várias indústrias de ponta sob seu controle. Vão
se formando grupos monopolistas e os consórcios financeiros.”

Pela primeira vez o Partido indicou que as dificuldades para o avanço social se
encontravam localizadas em três elementos fundamentais: o imperialismo, o latifúndio e
os grupos monopolistas nacionais associados ao capital estrangeiro. “O Programa está
centrado na necessidade de liquidar o regime atual e construir um novo regime antiimperialista, antilatifundiário e antimonopolista. Acentua como linha dominante a
impossibilidade de resolver os problemas fundamentais do povo nos marcos do então
regime vigorante.”

O Programa de 1962 representou um grande avanço para o Partido, mas persistiram
limitações ligadas às questões conjunturais da época do governo do presidente João
Goulart, observou. Para Renato, “os objetivos imediatos não são suficientemente
considerados. Acentua somente a conquista do governo democrático e popular pela
revolução, não havendo uma relação dinâmica entre os objetivos estratégicos e as
tarefas fundamentais que estavam na ordem do dia”.

Sobre o Programa do VII Congresso, Renato avaliou que ele avançava em muitas
coisas, levando em conta a experiência passada. “Encerra elevada crítica teórica em
relação à estratégia e à tática. Manifesta compreensão maior do conhecimento dialético.
Reflete uma concepção mais avançada, marxista-leninista, de como encarar o caminho
estratégico. Busca situar as conclusões programáticas na evolução da realidade objetiva
da história e no desenvolvimento estrutural de nossa sociedade, relacionando-as com a
situação de hoje, com as questões imediatas fundamentais”, sintetizou.

O Programa era direto e simples, composto de três partes essenciais. Na primeira,
analisava o desenvolvimento do país com suas contradições que impediam o progresso
social, na segunda esclarecia o caráter do novo regime a ser alcançado – nacional,
democrático e popular – e na terceira tratava do caráter da frente única contra o
imperialismo, contra o latifúndio e contra a grande burguesia ligada ao capital
estrangeiro.

Renato também analisou as questões essenciais que definem o rumo do Programa, as
etapas estratégicas da revolução, que passariam pela superação da dependência externa,
a caminho do socialismo. “As transformações capitalistas produzidas no país, sobretudo
a partir da década de 1960, não modificaram, no fundamental, a existência de duas
etapas estratégicas da revolução no Brasil”, constatou.

Renato finalizou examinando a ação imediata pela democracia, pelo progresso e pela
independência nacional. “Diante do exposto, o nosso Programa procura relacionar a
conquista do poder com a importância da luta pelas liberdades, componente
fundamental da nossa orientação tática”, afirmou. “O nosso Partido chega ao VII
Congresso mais coeso, temperado e unido em torno da sua direção. Temos hoje um
Programa mais avançado e mais justo. Temos um eficaz instrumento de luta e
destacadas bandeiras de combate. Reunimos melhores condições de avançar e crescer
mais ainda.”

Com a crise do socialismo do final dos anos 1980 e início dos anos 1990, a luta pelo
socialismo ganhava nova dimensão, disse Renato, referindo-se ao que ele considerou
um salto de qualidade no pensamento estratégico do PCdoB, o processo iniciado no
VIII Congresso, em 1992, e que chegou à VIII Conferência, em 1995, que aprovou um
novo Programa. Suas formulações têm o conteúdo das conclusões do VIII Congresso,
resultado das inovações teóricas propostas por Amazonas, síntese do novo patamar
teórico dos comunistas do Brasil.

Em 2009, o PCdoB iniciou o debate do que seria a atuação do Programa, o Novo
Projeto Nacional de Desenvolvimento (NPND), que, na formulação de Renato – agora
presidente do Partido –, a proposta do NPND se inseria na trajetória do país, que já
passou por dois saltos civilizatórios – o primeiro no período da Independência, da
Abolição e da Proclamação da República; o segundo iniciado com a Revolução de 1930.
Para ele, o Brasil chegou à crise de perspectivas na década de 1980, agravada com o
neoliberalismo dos anos 1990, que aprofundou os impasses nacionais, e agora precisa
descortinar caminhos para um terceiro processo civilizatório.

Segundo Renato, era “preciso colocar o Programa de cabeça para cima.” Seria, na
verdade, uma recomposição entre tática e estratégia, ideia contida no projeto do novo
Programa socialista para o Brasil que seria debatido e aprovado no XII Congresso,
convocado para novembro.

Havia, de acordo com Renato, desenvolvimento desproporcional da parte estratégica,
com grande detalhamento do que seria o almejado sistema socialista, uma especulação
sobre o futuro, seguindo ainda o método de copiar experiências externas. Para ele, o
Programa deveria situar o objetivo estratégico definindo sua essência. Não seria
possível ir além disso.

Diferente da tática, cujos desafios são visíveis. “A definição da tática, do caminho, para
se alcançar a transição ao socialismo requer que seus fundamentos sejam explicitados.
Precisa estar baseada em ideias conclusivas e objetivos claros, evitando excessos
analíticos ou narrativos que podem levar à falta de clareza quanto ao foco. Ideias
afirmativas e conclusivas permitem que o objetivo maior fique mais nítido no
Programa.”

A renovação não alteraria a essência do Programa. Era uma atualização para adequá-lo
à situação do Brasil e do mundo. Renato destacou, no binômio estratégia e tática, a
realidade brasileira, a evolução histórica de uma nação nova, com duas conquistas
civilizatórias, referindo-se aos processos da Independência, da Abolição, da República e
da Revolução de 1930, quando o país entrou efetivamente no capitalismo.

Havia um terceiro desafio, o do grande passo civilizacional, representado pela abertura
da transição ao socialismo. “O Programa do Partido faz parte do enfrentamento desse
desafio, o de construir uma nação poderosa e justa, democrática, com justiça social e
que fomente a integração continental. A alternativa socialista se impõe, nas condições
atuais de crise do sistema capitalista. Ela se torna mais nítida e presente.”