A Guerrilha do Araguaia e o burro que comia jornais
Por Osvaldo Bertolino
Outra torpeza. Assim é o mais recente ataque do jornalista Leonencio Nossa ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e à minha biografia de Maurício Grabois, publicado no jornal O Estado de S. Paulo neste sábado (2). Carregado de agressões gratuitas, o texto parece ter sido escrito como vingança tardia a uma contestação que fiz sobre falsificações publicadas por ele no mesmo jornal em 6 de maio de 2013, parte da coletânea do meu livro Guerrilha do Araguaia – fatos, verdades e histórias.
Na época, flagrei seus erros no jornal e apontei distorções primárias em seu livro Mata!, também sobre o assunto. “A começar pela citação de informações sem revelar a fonte, como é o caso da origem da família Grabois, pesquisada por mim para a biografia do comandante militar da Guerrilha do Araguaia intitulada Uma vida de combates. Há evidências de que ele usou também informações do documentário Araguaia – a Guerrilha vista por dentro, igualmente sem citar a fonte”, escrevi. A denúncia motivou uma ligação dele para tentar me explicar o inexplicável.
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Neste artigo, Leonencio Nossa se utiliza de mais um embuste ao dizer, já no título, que “a China abandonou guerrilheiros no Araguaia para se aliar à ditadura”. Depois de afirmações desconexas e óbvias, como a de que o principal parceiro comercial do Brasil “vive momento de desaceleração econômica e mantém relação pragmática e foco nos negócios, que hoje se concentram na compra de commodities”, ele engata a falácia de que “um grupo de militantes do Partido Comunista do Brasil, o PCdoB, foi convidado pelo regime de Mao Tsé-Tung, nos anos 1960, para treinar guerrilha na Academia Militar de Pequim”.
Não foi convite “do regime”, tampouco treinamento de guerrilha. Curso político-militar é outra coisa, bem diferente. Feito a pedido do PCdoB em Nanquim, não em Pequim. Além do desconhecimento dessa premissa básica, Leonencio Nossa se mostra, mais uma vez, péssimo analista de história. “Num idioma e numa cultura completamente diferentes, os brasileiros tiveram mais aulas de política internacional que de tiros e emboscadas. O anfitrião liderara, décadas antes, uma Longa Marcha a partir do interior chinês e vencera uma guerra civil que implantou o comunismo”, escreve, concentrando uma quantidade espantosa de desinformações em duas frases medíocres.
Parecer do Itamaraty
Aparentando escrever do que não sabe, como a repetição da invectiva sobre “guerrilha maoista” no Araguaia, ele chega a devaneios como o de que “Pequim não formou homens para guerra na selva”. E afirma que “o apoio da China à guerrilha começou a se esfacelar quando os diplomatas do país procuraram o Itamaraty para abrir mercado”, possivelmente tentando se apoiar na afirmação de que, ao defender a reaproximação com a China, um parecer do Itamaraty citou Maurício Grabois como integrante da “subversão” que tinha a República Popular da China como influenciadora, destacando que os chineses se comprometeram a não interferir na política interna.
Há uma farta documentação da época, utilizada em minhas biografias de Maurício Grabois e de Pedro Pomar, comprovando que a Guerrilha do Araguaia foi um movimento gestado e realizado por iniciativa do Partido Comunista do Brasil, reforçado pelos estudos das experiências revolucionárias na Rússia, na China, no Vietnã e em Cuba. Há uma teoria histórica, filosófica e política, que explica a Guerrilha. Mas isso é demais para Leonencio nossa, não à toa reincidente em grosserias como essas.
A coisa fica pior quando ele chega ao ataque à minha biografia de Maurício Grabois. “A biografia dele, feita dentro do partido, registra um equívoco em sua primeira edição (sic) ao dizer que a infantaria o teria matado”, escreve, tentando desqualificar a obra com a versão falsa sobre a sua origem e omitindo despudoradamente o autor, além de não citar a descrição minuciosa que fiz da operação que resultou em sua morte na publicação de 2012.
Nesse ponto, Leonencio Nossa parte para a baixaria sem freios. Diz que “o livro ainda registra que o comunista nascido em Campinas era de Salvador”, valendo-se de um dado incorreto, corrente quando a versão resumida circulou em 2004, e sonegando a informação de que, na obra completa, de 2012, esse fato foi por mim pela primeira vez devidamente esclarecido. E agride: “Leitor de Albert Camus, Grabois preferia o Estadão às publicações comunistas para se informar. Merecia um perfil decente, tipo tijolaço.” O que vem depois é um festival de desinformação e de propaganda contra a China e o PCdoB, bem condizente com a sua reincidência em grosserias.
Lenda do escravo
O jornalismo já foi definido, quando o jornal surgiu com força, como língua de papel, algo que lembra a lenda do escravo, de Esopo. A língua, bem utilizada, é, realmente, a maior das virtudes. Mas relegada a planos inferiores, se transforma no pior dos vícios. Com ela, as verdades mais santas, por ela mesma ensinadas, podem ser corrompidas.
Benjamim Constant, professor e estadista brasileiro, considerava o jornal um dos mais poderosos explosivos do século XIX. Mas houve também quem lhe deu o nome de “toalha da civilização”. Como qualquer instrumento, o jornalismo pode ser utilizado para o bem ou para mal.
O cronista Humberto de Campos conta uma historieta em que um engenheiro do Nordeste ensinou seu burro a comer jornal e que, por esse modo, conseguia atravessar a região devastada pela seca. Pela manhã, dava ao animal um exemplar do Jornal do Brasil e a tarde um do Pais. Um dia ele apareceu sem o burro. Indagado sobre a causa da morte do animal, respondeu que ele morrera de indigestão depois de comer um exemplar do Jornal do Comércio, edição de Natal.
Se alguém tiver ideia semelhante, que tome o cuidado de não levar o exemplar do Estadão com o artigo de Leonencio Nossa.