O petróleo e o realismo militar dos Estados Unidos na Palestina
Por Osvaldo Bertolino
Em 1943, o milionário do petróleo dos Estados Unidos Everette Lee DeGolyer chegou à Arábia Saudita para avaliar o potencial petrolífero do Golfo Pérsico. A viagem, em plena Segunda Guerra Mundial, foi uma aventura. Ele e seus auxiliares partiram de Washington, fizeram escala em Miami e de lá seguiram de carona em aviões militares que sobrevoaram o Caribe, o Brasil e a África.
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Daniel Yergin, autor do livro O petróleo – uma história mundial de conquistas, poder e dinheiro – um minucioso relato da história petrolífera em 1.081 páginas –, vencedor do Prémio Pulitzer de 1992, descreve DeGolyer como “baixo, roliço e dinâmico” que, “com sua cabeça leonina”, era “mestre na arte de cobiçar as coisas alheias, quando eram a ele apresentadas de modo formal”. Como homem do petróleo, ele se emocionou ao ver na Península Arábica o que chamou de Eldorado. Jamais tinha visto algo tão imenso.
Quando DeGolyer chegou, de acordo com Yergin, na região já existiam estruturas abertas para exploração na Arábia Saudita. Havia também o que ficou conhecido como “tempo dos cem homens”, uma centena, aproximadamente, de exploradores norte-americanos isolados pelos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial. Estavam lá a serviço da expansão do petróleo e ganharam importância com a visita de DeGolyer. De volta a Washington no começo de 1944, ele relatou que o centro de gravidade da produção mundial de petróleo estava se deslocando da área do Golfo Caribenho para o Oriente Médio.
Rascunho do Oriente Médio
Começava uma batalha dos Estados Unidos com a Grã-Bretanha, que estava na região desde a conjuntura da Primeira Guerra Mundial, fortemente influenciada pelos magnatas norte-americanos da indústria petrolífera. A rotina dos “cem homens”, basicamente de proteção dos poços na Arábia Saudita, no Irã e no Kuait, enchendo-os de cimento para mantê-los a salvo em caso de bombardeios, e de preparo técnico para destruí-los em caso de avanço da Alemanha nazista, mudou completamente com a constatação do secretário do Interior dos Estados Unidos, Harold Ickes, de que o país, depois de abastecer os Aliados na guerra, estava ficando sem petróleo.
A Grã-Bretanha se mostrou incomodada com o avanço dos Estados Unidos. E usou o que o Estado-Maior britânico definiu como “pressões russas” para convencer o governo dos Estados Unidos de que o controle conjunto da região era do interesse de ambos. O embaixador britânico em Washington, Lorde Halifax, disse que os norte-americanos estavam tratando a Grã-Bretanha “de maneira revoltante”.
O presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, respondeu mostrando-lhe um rascunho do Oriente Médio, desenhado por ele mesmo, determinando que o petróleo do Irã seria da Grã-Bretanha e o saudita dos Estados Unidos. Halifax não seu deu por satisfeito, desconfiado de que os Estados Unidos estavam tramando a ocupação do Oriente Médio pelas costas da Grã-Bretanha.
As desavenças desencadearam um clima de hostilidades entre Roosevelt e o primeiro-ministro britânico, Winston Churchill. Em 20 de fevereiro de 1944, Churchill enviou uma mensagem ao presidente norte-americano dizendo que ele observava “com crescente apreensão” os telegramas que recebia. “Uma disputa pelo petróleo seria um começo medíocre para a extraordinária iniciativa conjunta e para o sacrifício ao qual nos dispusemos”, afirmou. “Existe apreensão em alguns dos nossos quartéis de que os Estados Unidos estejam com a intenção de privar-nos de nossos ativos de petróleo no Oriente Médio, do qual depende, entre outras coisas, todo abastecimento de nossa Marinha.”
Confronto com a União Soviética
Seguiram-se uma série de trocas de farpas, demonstrando a importância que o petróleo assumia. Roosevelt disse que oferecia garantias de que os Estados Unidos não estavam pondo os olhos nos campos da Grã-Bretanha no Iraque e no Irã. Churchill retribuiu afirmando que prometia não se intrometer nos interesses e propriedades dos Estados Unidos na Arábia Saudita. Mas ressalvou que enquanto a Grã-Bretanha não obtivesse vantagem territorial “não seria despojada de nada que lhe pertencesse por direito”. A disputa estava se acirrando.
Na volta do encontro com Churchill e Josef Stálin em Yalta, na Criméia soviética, no começo de fevereiro de 1945, Roosevelt foi para o Oriente Médio confabular com o rei saudita Abdul-Aziz ibn Saud. Churchill seguiu seus rastros e, logo depois, também se encontrou com o monarca. A contenda chegaria ao chamado “acordo do petróleo” que, após a morte de Roosevelt, em 12 de abril de 1945, assumiu a feição sinistra do novo presidente dos Estados Unidos, Harry Truman.
Uma de suas primeiras medidas foi a demissão do arquiteto daquelas negociações, o secretário do Interior Harold Ickes. O acordo anglo-americano agora estava nas mãos do secretário da Marinha, James Forrestal, descrito por Daniel Yergin como um ex-banqueiro impetuoso, ambicioso e politicamente conservador, defensor de um prolongado confronto com a União Soviética. “O prestígio e, por conseguinte, a influência dos Estados Unidos estão relacionados em parte com a opulência do governo e de seus compatriotas, em termos de recursos petrolíferos, tanto externos quanto internos”, afirmou.
Forrestal disse ao secretário de Estado, James Byrnes, em Potsdam, Alemanha, durante a última conferência dos Aliados antes do fim da Segunda Guerra Mundial, que a Arábia Saudita era uma “questão de máxima importância”. “Se algum dia entrarmos em outra guerra mundial é bem provável que não tenhamos acesso às reservas mantidas no Oriente Médio, mas nesse meio tempo a utilização dessas reservas evitaria o esgotamento das nossas próprias, um esgotamento que pode vir a tornar-se grave nos próximos quinze anos”, afirmou.
Pretensões judaicas
A evolução dos acontecimentos levou as companhias de petróleo a assumirem o controle da região. Na formulação da economia capitalista, o controle sobre o petróleo passou a ter dimensão estrutural. E o principal ponto seria o Oriente Médio, para o qual convergia a política externa dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e de toda a Europa Ocidental. Ela condicionou a partilha da Palestina. Todos os que se interpunham à imposição de um Estado sionista, comandado pelos judeus ricos, deveriam ser tratados como inimigos.
Abdul-Aziz ibn Saud era um dos obstáculos. Daniel Yergin relata que o apoio de Truman ao Estado sionista de Israel foi declarado pelo rei como golpe fatal para os interesses dos Estados Unidos no mundo árabe. Numa visita ao quartel-general da Arabian-American Oil Company (Aramco) na cidade saudita de Dhahram, ibn Saud elogiou as laranjas que lhe serviram, mas quis saber se eram da Palestina, de algum kibutz, o sistema de coletividade israelita que estava se instalando no local. Foi tranquilizado com a garantia de que a procedência era a Califórnia.
De acordo com James Terry Duce, executivo da Aramco, em telegrama ao secretário de Estado norte-americano George Marshall, o rei saudita havia dado indícios de que “ele poderia ser obrigado, em certas circunstâncias, a aplicar sanções contra as concessões americanas de petróleo”. Mas as críticas do rei da Jordânia, Abdullah, à sua aproximação com os Estados Unidos, equiparada à “ocupação judaica” na Palestina, e o convencimento de que a União Soviética e os comunistas do mundo árabe eram uma ameaça mais perigosa fizeram-no mudar de opinião.
O secretário britânico para a Arábia Saudita disse que, “tendo Israel se tornado uma realidade que não pode ser negada, e assim vista pela maior parte dos árabes, o governo da Arábia Saudita resignou-se a aceitá-la na prática, ao mesmo tempo que mantinha sua hostilidade formal contra o sionismo”. Respondendo à pressão árabe para que a concessão aos Estados Unidos fosse cancelada como forma de repúdio ao apoio ao Estado sionista de Israel, ibn Saud respondeu que os royalties do petróleo ajudaram a fazer da Arábia Saudita “uma nação mais forte, poderosa, e melhor para ajudar os estados árabes vizinhos a resistirem às pretensões judaicas”.
Fase superior do capitalismo
Na prática, os Estados Unidos já dominavam a região, com sua hegemonia no poder mundial capitalista. O confronto com a União Soviética e seus aliados era o principal objetivo. Na anticomunista Guerra Fria, o petróleo teria um imenso valor e tudo deveria ser feito para garantir a sua posse. Em outubro de 1950, Truman escreveu para ibn Saud dizendo que desejava renovar com ele as garantias de outras várias ocasiões no passado, e que “nenhuma ameaça ao seu reino poderia ocorrer que não fosse matéria de interesse imediato dos Estados Unidos”.
Cumpria-se, assim, aquilo que o líder da Revolução Russa de 1917, Vladimir Lênin, diagnosticou no Capítulo X da sua obra clássica Imperialismo – fase superior do capitalismo, intitulado O lugar do imperialismo na história, como a agudização da luta dos monopólios pela conquista das mais importantes fontes de matérias-primas.
“A posse monopolista das fontes mais importantes de matérias-primas aumentou enormemente o poderio do grande capital e agudizou as contradições entre a indústria cartelizada e a não cartelizada”, escreveu ele. “Aos numerosos ‘velhos’ motivos da política colonial, o capital financeiro acrescentou a luta pelas fontes de matérias-primas, pela exportação de capitais, pelas ‘esferas de influência’, isto é, as esferas de transações lucrativas, de concessões, de lucros monopolistas etc., e, finalmente, pelo território econômico em geral”, acrescentou.
Outra importante constatação de Lênin é que da tendência dos monopólios para a dominação em vez da tendência para a liberdade, da exploração de um número cada vez maior de nações pequenas ou fracas por um punhado de nações riquíssimas ou muito fortes, originaram os traços distintivos do imperialismo. “Esse capital financeiro que cresceu com uma rapidez tão extraordinária, precisamente porque cresceu desse modo não tem qualquer inconveniente em se apossar das colônias – as quais devem ser conquistadas não só por meios pacíficos pelas nações mais ricas”, escreveu.
“A comparação, por exemplo, entre a burguesia republicana norte-americana e a burguesia monárquica japonesa ou alemã mostra que as maiores diferenças políticas se atenuam ao máximo na época do imperialismo. E não porque essa diferença não seja importante em geral, mas porque em todos esses casos se trata de uma burguesia com traços definidos de parasitismo”, acrescentou.
Senhores da guerra
A história do cartel mundial do petróleo é um capítulo à parte na história do capitalismo. No pós-Segunda Guerra Mundial, esse cartel se impôs no Oriente Médio pela lógica dos senhores da guerra de Washington, importante fonte de poder do Estado sionista. A ordem militar transformou-se no escalão mais importante e mais caro do governo dos Estados Unidos, uma sinistra burocracia instalada na máquina de guerra. Todos os fenômenos políticos e econômicos passaram a ser julgados à luz das interpretações militares. O “realismo militar” dos chefes militares instalados no poderoso Estado-Maior Conjunto transformou-se no guia mais inspirado do Estado norte-americano.
Ele ampliou seu campo de ação em assuntos relativos à política exterior e doméstica do país e conduz a espionagem e a rede de informações, um aparato maciço que emprega centenas de milhares de pessoas secretamente e conduz a política externa do país. Esse governo invisível emergiu das imposições dos Estados Unidos, quando os demais países centrais, exauridos por duas grandes guerras num curto espaço de tempo, foram obrigados a aceitar essa ordem em troca de ajuda para a sua reconstrução.
Assim, os Estados Unidos deixaram de ser apenas mais um agregado no conjunto de países que lutavam por pedaços do mundo e passaram a ocupar o pico da pirâmide capitalista. Era o único país em condições de exportar capital em grande escala e usou essa condição para manter sob o seu controle as rédeas de áreas estratégicas, como se vê no Oriente Médio pelo papel do Estado sionista.