Realidades distintas
Frustrado, diante da tentativa de se tornar o governador de São Paulo, Olavo Setúbal perlustrou países da Europa e os Estados Unidos, recreando o espírito e perquirindo, por força do hábito, os negócios e a vida burguesa nesses lugares. De regresso, recebeu os jornalistas em sua suntuosa sala na sede central do poderoso Banco Itaú. Falou com entusiasmo do que viu e sentiu.
O velho Continente e a América do Norte, segundo ele, vivem "num equilíbrio social e econômico que gera países muito prósperos, muito equilibrados". Ali, afirmou, existe "um processo contínuo de progresso, alicerçado numa sociedade madura, numa base cultural extraordinária, numa base típica de pesquisa que, realmente, é o que há de melhor no mundo". Em suma, disse que o capitalismo europeu e norte-americano vai bem, muito bem.
Quando se tacham tais opiniões de pontos de vista de classe aparecem contestadores arguindo que isso não corresponde à natureza das coisas, sobretudo dos fatos políticos. Não obstante, a posição de classe na apreciação de fenômenos econômico-sociais é incontestável. As declarações desse afortunado diretor de banco assim o comprovam. Ele viu um mundo equilibrado social e economicamente onde o desiquilíbrio é demasiado patente. Na Inglaterra, existem três milhões de desempregados; na França, mais de dois milhões; na Alemanha Ocidental, dois milhões e meio; na Itália, perto de três milhões. E nos Estados Unidos o número dos sem-trabalho oscila em torno dos dez milhões! A Inglaterra e a França, em parte também a Alemanha, fazem frenética guerra aos emigrantes que ali vivem e trabalham, expulsam-nos do país. Nos Estados Unidos é crescente o déficit das contas internas e externas, o capital financeiro escorcha os países menos desenvolvidos com tributos pesados de dívidas usurárias, o governo gasta somas astronômicas com a preparação da guerra das estrelas que ameaça destruir boa parte da civilização. Nada disso refletiu-se na visão do banqueiro itauense. Afinal, o capitalismo co-existe com o desemprego permanente e em massa, com a exploração feroz de países e povos "atrasados", com preparativos e procedimentos guerreiros. Nesse sistema, tal situação apresenta-se como inteiramente normal.
O proletariado consciente e os que conhecem a ciência social vêem a realidade europeense e norte-americana de maneira distinta. A Europa e os Estados Unidos vivem há muito tempo a crise crônica do capitalismo monopolista, que acirra em extremo as contradições sociais. A prosperidade nessa área é um retoque de fachada, um engano mal disfarçado. A sociedade burguesa está afetada irremediavelmente por enfermidade incurável: a doença da senilidade. Sobrevive artificialmente. Cada dia é mais reduzida a camada de privilegiados que pode ostentar fabulosa riqueza, a cada hora é maior o contingente dos que são jogados inapelavelmente à miséria.
O "processo contínuo de progresso" de que fala Setúbal, arrasta consigo o processo inverso de decadência acelerada. O avanço das forças produtivas entra em conflito sempre mais agudo com as relações de produção anacrônicas, ultrapassadas, que geram crises e o imponderável desajuste social. Em busca do lucro máximo, a burguesia recorre aos instrumentos inovadores da revolução técnico-científica. Entram em cena a informática, os robôs-operários sem almas e sem salários, desenvolve-se a automação da produção. Onde, antes, trabalhavam 30 proletários, agora há lugar somente para 2 ou 3.
A fábrica vai perdendo a densidade humana. E os que não encontram trabalho – são 100 milhões, atualmente – engrossam a superpopulação relativa, carente de recursos, em progressão geométrica. O "progresso" capitalista em benefício de poucos acarreta o tormento de multidões gigantescas, que já não têm mínimas condições de existência.
De sorte que a visão otimista, cor-de-rosa, do ex-ministro do Exterior é produto das lentes deformantes da concepção burguesa do mundo. Deturpam a realidade, desfocam as leis objetivas do desenvolvimento social.
O fim do sistema capitalista de exploração, opressão e tremendas injustiças é uma fatalidade histórica. Pelas contradições que encerra, pelos irremediáveis desajustamentos sociais que engendra, pela impossibilidade de harmonizar o progresso técnico que possibilite elevados níveis de produção com o melhoramento da situação de vida do conjunto da sociedade, em especial, dos proletários das cidades e dos campos. Sua hora final está chegando.
O mundo reclama um novo sistema de produção e de organização social,
o progresso do todo e não da parte, a vida e a alegria de viver aos que tudo produzem e nada possuem. E esse novo sistema será fruto da revolução social, da derrocada da burguesia superada, será a vitória do socialismo prevista por Marx e Engels há século e meio, próxima de se tornar realidade.
EDIÇÃO 13, DEZEMBRO, 1986, PÁGINAS 3, 4