A grande crise de 1929, com seus desdobramentos, decorreu da execução do modelo liberal exacerbado no final do século XIX. A essência da ideologia capitalista é o liberalismo em todos os sentidos

O capitalismo atual é mais liberal e mais monopolista

O capitalismo pleno é assentado no padrão de acumulação liberal e num raio de ação cada vez mais planetária. Para o capital não deve haver fronteiras, regulamentação ou planos pré-definidos. Porque em sua lógica objetiva, vence o competidor que somar maior lucro máximo. Por isso, não importa que se obtenha esfera financeira. Aliás, isto é o ideal. No plano da produção o lucro médio tende a cair, como indicava o curso econômico nas décadas de 1960 a 1980. Assua lógica intrínseca, objetiva, vence o competidor que somar maior lucro em maior escala, alcançar o lucro maior fora do plano da produção, somente na sim, as crises atuais culminam com o empoçamento volumoso de papéis acima do valor real, uma sobre-acumulação de capitais num gigantesco movimento de capital fictício.

O período pós-Segunda Guerra Mundial, no qual o capitalismo passou a ser regulamentado e compartimentado, é uma exceção na sua trajetória histórica. Essa foi uma resposta a um período de reconstrução, derivada da destruição econômica iniciada em 1929, e exacerbada pela guerra. E, também, diante da força do crescimento das idéias e da prática socialistas nas décadas de 1930 e 1940.

Pelos longos séculos de existência do capitalismo ele não pode retroceder da sua fase plena, que é liberal e monopolista. Querer domar o capitalismo com regulamentos e normas, em âmbito mundial e nacional, encontra ainda guarida apenas entre os denominados keynesianos e neo-keynesianos, que pensam repetir nas condições atuais o sucedido no pós-guerra, quando então as condições eram distintas. Ou os que pensam ser possível diante do enorme estrago, apaziguar as consciências, reformando o liberalismo, como se fosse possível estabelecer um “grau de regulação” para o sistema financeiro globalizado.

A Crise – criatividade para salvar o grande capital

É cada vez mais irreversível – diante da natureza plena alcançada pelo sistema capitalista – retirar o mercado do centro, como distribuidor de renda e riqueza e ordenador da sociedade, “domesticar” a globalização financeira, ou poder superar a força da moeda mundial conversível predominante, ancorada no poder da potência hegemônica, por uma moeda internacional prevalecente.

Hoje os ideólogos do capitalismo sabem que, em sua “terceira idade”, ele não é capaz de repetir o que fazia na juventude ou na maturidade. Querem que a humanidade viva eternamente sob a ordem instável e predadora desse sistema, encobrindo sua senilidade. Numa “tacada de mestre”, encontram a “teoria” para justificar vida eterna do capitalismo: dizem, “está no DNA do capitalismo a destruição criativa” (Editorial do jornal O Globo – 30-11-2008) e explicam seu achado cabal – isto é “a capacidade de gerar desequilíbrios em busca de novos pontos de equilíbrio”. Bravo! São desequilíbrios destrutivos virtuosos. O capitalismo está a salvo, viverá para sempre! E mais, é evidente que o Estado, bem dito o Estado do capitalismo monopolista, tem seu papel decisivo, como em toda “a história das crises financeiras”. Agora, novamente, o Estado é o “emprestador de última instância, de recursos, é claro, do contribuinte” para redimir o capitalismo. O Tesouro dos EUA já tem em sua conta total de gastos a soma de 8 trilhões de dólares para salvar o grande capital. Portanto, quem disse que o Estado na visão liberal não tem papel decisivo na economia? Só pode ser gente que pensa ser estúpido, ou simplesmente pragmático, o velho e curtido liberalismo.

Essas “teorias” demonstram que o capitalismo não sai da cena da história espontaneamente. As classes dominantes capitalistas não vão arredar pé de seus arraigados privilégios de dominação e exploração da maioria do povo. Na realidade, a ordem imposta por uma potência hegemônica capitalista (a Holanda superada pela Inglaterra e, esta, pelos EUA), com sua moeda mundial predominante, vem prevalecendo na história desse sistema, e não serão apelos contritos por uma moeda internacional que mudarão tal situação; o Estado capitalista continuará a ser, em verdade, o salvador de última instância dos senhores dominantes capitalistas; a destruição continuará a ser criativa para reviver os grandes detentores do capital.

A Crise – destrutiva para os trabalhadores e povos

Da crise o que fica para os trabalhadores e as massas populares, a maioria do povo, como em toda crise de grande porte do capitalismo? Destruição de imensas forças produtivas, desemprego aberto, perda de direitos, diminuição da renda do trabalho, mais camadas da população deserdadas, perdas e restrições às aposentadorias. A resultante de toda crise capitalista é mais concentração e centralização do capital, aprofundamento das desigualdades em todos os planos nacional e entre os países no mundo. A verdade da nossa época é que o capitalismo já não comporta mais as imensas forças produtivas geradas em seu bojo. Por exemplo, cálculos demonstram que o nível do domínio cientifico alcançado e da aplicação tecnológica atual, e das modernas ferramentas de trabalho construídas e em constante desenvolvimento, já permite objetivamente uma crescente produtividade do trabalho.

Somente 4 horas de trabalho diário, durante 3 a 4 dias na semana, permitiria o acesso ao emprego de toda população ativa e maior tempo para o lazer e a dedicação ao saber e à cultura.

A Alternativa necessária e viável é o socialismo

Esse avanço civilizacional não é possível nos marcos das relações de produção, de propriedade, de consumo, gerados pelo capitalismo e da sua ordem mundial imperante; da sua relação devastadora com o meio ambiente. Somente um novo sistema de relações de produção e de poder democrático e popular – no âmbito de ampla frente mundial que congregue trabalhadores, povos e países que lutam por sua soberania – será capaz de encontrar as soluções de fundo, superando as crises capitalistas e sua constante destruição e o retrocesso social.

Esse novo sistema é o socialismo, que se iniciou com as primeiras experiências no século passado, que se encontra no seu nascedouro histórico e, por isso, carente de incorporar ensinamentos e lições dos seus primeiros passos e acumular forças para florescer amplamente, como toda formação econômica e social que prevaleceu na história.

A consciência política e social mais avançada que progride com a luta de classes – da maioria dominada e explorada contra as classes dominantes –, que se reflete na luta política, acumula forças para a transformação revolucionária. Essa consciência avançada não aceita e luta contra o sistema que sobrevive numa lógica cruel permanente de destruição e reconstrução com retrocesso social, deixando um cortejo de mais desigualdades e exclusão social; que é incapaz de utilizar o trabalho vivo existente exacerbando o desemprego estrutural; que é incapaz de distribuir renda e garantir de forma universal e com qualidade saúde, educação e moradia; que é incapaz de reduzir o fosso que separa o nível de desenvolvimento entre os países capitalistas ricos e os demais.

A luta ideológica e política avança com a história e o novo tempo é que revela os limites e o esgotamento das formações econômicas, sociais e políticas do capitalismo. O triunfo do liberalismo era bradado e ecoava por toda a década de 1990. Peremptoriamente se vaticinava: o socialismo “morreu”! O desastre do liberalismo não tardou e teceu outra grande crise do capitalismo, acumulando profundos impasses para o avanço civilizacional da humanidade. Nele não há saída de fundo, a não ser soluções parciais que agravam mais ainda a esgarçada ordem social.

O socialismo ressurge como a alternativa necessária e viável. Este é o novo sistema econômico e social histórico que pode comportar o estágio contemporâneo de desenvolvimento das forças produtivas modernas, superando os impasses históricos do capitalismo e abrindo caminho para uma nova era de renascimento civilizacional e bem-estar para os povos e nações.

Renato Rabelo é presidente do Partido Comunista do Brasil

EDIÇÃO 99, DEZ/JAN, 2008-2009, PÁGINAS 67, 68, 69