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O 1968 operário: As greves de Contagem e Osasco

O sindicalismo brasileiro havia sofrido uma grande derrota política em 31 de março de 1964, quando do golpe militar. A ditadura impôs uma série de leis visando a impedir a livre organização e a luta dos trabalhadores. Essa foi uma das condições para poder implantar sua política econômica neoliberal, assentada no arrocho salarial e na redução dos direitos sociais. Seguiu-se, então, um período de refluxo das lutas sindicais. Por isso, as greves de Contagem e a de Osascotornaram-se marcos importantes na história da classe operária brasileira.

Emblematicamente, naqueles anos de chumbo, ganharam corpo teses sobre o suposto caráter conservador do operariado moderno. Este havia sido cooptado e incorporado, como parceiros menores, à engrenagem do sistema capitalista. A vanguarda social passava a ser representada pelos estudantes e pelos setores marginalizados da sociedade burguesa.

A greve de Contagem abala a política de arrocho

 

As greves operárias de 1968 só poderão ser plenamente entendidas nos marcos da crise vivida pelo regime militar naquele momento. No ano anterior, um novo general-presidente, Artur da Costa e Silva, assumiu o poder anunciando sua disposição em promover uma “abertura”, ainda que a fogo lento. Rapidamente, aproveitando-se das pequenas brechas políticas abertas e a crise econômica que se agravava, a oposição liberal-democrática (Frente Ampla e o MDB) e as forças populares retomaram a ofensiva. Cresceram, então, as manifestações de rua lideradas pelos estudantes. A grande imprensa, mesmo a liberal-conservadora, passou a criticar abertamente o regime discricionário. Estava assim criado o caldo cultural que possibilitou a emergência do movimento operário.

O primeiro grande movimento de resistência dos operários à política econômica do governo militar eclodiu na cidade mineira de Contagem. No início dos anos 1960, esta já era um dos principais centros industriais de Minas Gerais. Ela possuía aproximadamente 28 mil habitantes e destes mais de 18 mil eram operários, que moravam e trabalhavam no seu cinturão industrial.

Apenas em meados de 1967, quando ocorreu uma pequena liberalização na política sindical, as oposições conseguiram ensaiar tímidos passos no sentido de tomarem a direção dos sindicatos sob intervenção ministerial ou nas mãos de diretorias conciliadoras.

Nesse processo, a oposição dirigida por um operário da Mannesman, Enio Seabra, conseguiu montar uma chapa e vencer a eleição no importante Sindicato dos Metalúrgicos. O programa apresentado era bastante avançado para aquela época. Dele constava: expulsão dos pelegos, oposição à política de arrocho salarial do governo, contra o fim da estabilidade no emprego e de outras medidas antioperárias impostas pelo regime militar.

O Departamento Regional do Trabalho (DRT) tentou impugnar o nome de Ênio Seabra, mas através de recursos este conseguiu concorrer e vencer a eleição sindical. Antes mesmo da posse, o Ministério do Trabalho interveio e destituiu o presidente eleito e mais três membros da chapa vencedora. Os operários não tiveram condições de reverter essa medida discricionária. Com isso o sindicato, mesmo com uma nova diretoria, não conseguiu se fortalecer suficientemente para jogar um papel mais decisivo nos acontecimentos vindouros. Mesmo assim sua posição não foi de neutralidade diante dos acontecimentos que abalariam Contagem.

Ainda em 1967, alguns sindicatos mineiros tentaram formar uma frente sindical para combater a política de arrocho salarial. O Comitê Intersindical Antiarrocho foi criado em março de 1968 em uma assembleia que reuniu cerca de 2 mil trabalhadores. O número de participantes, que surpreendeu até mesmo os líderes sindicais, demonstrou a disposição de luta da classe operária mineira. Mas esses sinais não foram plenamente compreendidos pelas direções sindicais e, poucos dias depois, eclodiu a primeira grande greve metalúrgica do pós-1964.

Ela começou no dia 16 de abril numa seção da Companhia Belgo-Mineira e atingiu 1.200 operários. Até a diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos, que estava entre as mais ativas de Minas Gerais, foi pega de surpresa. O espanto dos sindicalistas pode ser constatado pela declaração do presidente daquela entidade: “Eles (os operários) tomaram o sindicato de surpresa, pois nossa preocupação naquele momento era lutar contra o arrocho salarial.” 

A esquerda socialista e a greve de Contagem

Até recentemente, a única e, portanto, a mais “abalizada” fonte e análise sobre esse movimento grevista, havia sido o ensaio Participação e Conflito Industrial: Contagem e Osasco – 1968, escrito por Francisco Weffort e publicado nos Cadernos do Cebrap [Centro Brasileiro de Análise e Planejamento],ainda em 1972. Mas, entrevistas recentes com antigos militantes operários de Belo Horizonte e Contagem ofereceram novas interpretações que contestam muitas das afirmações feitas pelo sociólogo paulista.

O seu principal equívoco foi ter considerado aquele movimento como algo nascido espontaneamente, sem preparação anterior e sem a participação ativa dos partidos de esquerda clandestinos. Outro erro foi a subestimação da atuação do Sindicato dos Metalúrgicos, considerado completamente ausente da luta. Um erro muito comum entre os teóricos do populismo.

Utilizarei aqui como fonte dois depoimentos essenciais. O primeiro é do ex-militante da Ação Popular (AP) – e atual dirigente do PCdoB – Vital Nolasco. O segundo, de Otavino Alves da Silva, ex-militante da Organização Revolucionária Marxista Política Operária (Polop). Os dois eram operários e atuaram naquela histórica greve (1).

Eles esclarecem que um dos principais dirigentes daquele movimento, o operário Ênio Seabra, era militante da Ação Popular, uma organização da esquerda católica que havia recém-aderido ao marxismo-leninismo. Declarou Nolasco: “A Ação Popular, por exemplo, era força hegemônica na comissão de fábrica da Mannesman e esta era a maior empresa da cidade. Ali, inclusive, criou-se um jornal de massa chamado Companheiro (...). Existiam também outras correntes organizadas na categoria, como a Polop e o PCBR.”. Entre os diretores do Sindicato dos Metalúrgicos existiam militantes de outras organizações de esquerda como PCB, Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e Ação Libertadora Nacional (ALN). A secretária-geral da chapa, Maria Imaculada Conceição, que não foi cassada, era ligada a uma das dissidências armadas do PCB. Segundo os depoentes, ela pertenceria ao PCBR ou à ALN.

Assim, afirmou Nolasco, “a greve de abril de 1968 foi apenas em certo sentido espontânea (...), pois houve durante este período um trabalho prévio de conscientização e organização dos trabalhadores. Já estava sendo preparada pela esquerda sindical (...). Ou seja, não surgiu do nada.”. E continuou: “Foi se criando aquele clima favorável à greve, mas o movimento acabou sendo abortado. Possivelmente por precipitação de algumas das organizações clandestinas presentes nas fábricas de Contagem.”.

Este fato é confirmado por Otavino Alves. Segundo ele, a greve começou por iniciativa do pessoal do Comando de Libertação Nacional (Colina), uma dissidência armada da organização Polop, que possuía certa expressão na Belgo-Mineira. Este grupo possuía um jornal de fábrica chamado O Piquete.

O movimento paredista ganhou rapidamente o conjunto dos trabalhadores e adotou como forma de pressão a ocupação da fábrica. Os operários elegeram uma comissão para coordená-los e realizar as negociações com os patrões e o governo. Os trabalhadores exigiram aumento imediato de 25% em seus salários e os patrões ofereceram-lhes 10%, descontados na data-base em outubro. A contraproposta patronal foi rejeitada e o impasse se aprofundou.

Organizaram-se grupos de autodefesa operária para proteger os grevistas da ação da polícia, que ameaçava invadir a fábrica. É visível que os métodos de luta dos operários foram contaminados pela concepção militarista predominante em várias correntes da esquerda armada.

No dia seguinte, como esperado, a Delegacia Regional do Trabalho (DRT) decretou a ilegalidade da greve e exigiu a volta imediata ao trabalho. Depois de dois dias, os operários, diante dos rumores de uma invasão policial-militar, decidiram abandonar a fábrica e se dirigir à sede do sindicato.

O movimento então se estendeu à Sociedade Brasileira de Eletrificação (SBE) com seus 500 trabalhadores. Como a sede do Sindicato dos Metalúrgicos já estava ocupada pelos operários da Belgo-Mineira, os demais grevistas se dirigiram ao Sindicato dos Bancários, que os acolheu.

O Ministério do Trabalho, que havia se mantido em silêncio, fez seu primeiro pronunciamento público. Afirmou o ministro-coronel Jarbas Passarinho: “Não se trata de um movimento justificado ou legal ou tolerável, mas de uma pura e simples agitação. (...) Apelo então para os líderes sindicais (...) (que) devem mostrar aos trabalhadores o perigo das medidas adotadas por aqueles que tentam envolvê-los hoje na Cidade Industrial, todas fora da lei, todas com claro objetivo de provocar a violência das autoridades que devem manter a ordem de qualquer forma.”. O ministro ainda ameaçou com a decretação de intervenção nos Sindicatos dos Metalúrgicos e dos Bancários.

 
Jarbas Passarinho durante a greve em Contagem

No dia 20 de abril, mais uma grande empresa entrou na greve, a Mannesman. Nesse momento já eram mais de 6 mil trabalhadores paralisados. No mesmo dia, os operários realizaram uma grande assembleia e elegeram um comando de greve unificado. Ênio Seabra elegeu-se presidente da comissão. Mais uma prova da força da Ação Popular naqueles acontecimentos.

O Ministro do Trabalho se deslocou para Minas Gerais e visitou a sede do Sindicato dos Metalúrgicos, procurando uma saída para a crise e impedir a proliferação do movimento. Ele sabia que a greve de Contagem poderia ser uma faísca que incendiaria a pradaria. Motivos para isto não faltavam. O principal deles era a política econômica recessiva e de arrocho salarial imposta pela ditadura militar. O fantasma de uma possível aliança operário-estudantil começou a roubar o sono de alguns generais. Lembramos que o movimento estudantil estava no seu auge.

Prova desse medo está no fato de que o próprio Jarbas Passarinho, em um ato inesperado, resolveu participar pessoalmente de uma assembleia geral promovida pelos grevistas. Ali colocou a posição do ministério: “se as condições se agravarem vai haver luta e perderá quem tiver menos força, embora não queiramos fabricar e nem nos transformar em cadáveres.”. Os trabalhadores não se intimidaram com as ameaças e reafirmaram que “seu movimento era autêntico e espontâneo, não estando ligado a qualquer grupo político” e mantiveram as suas reivindicações. O ministro acabou se retirando da assembleia sob vaias. Era a primeira – e última –vez que isso aconteceria.

Ao contrário do que previam os patrões e o governo, a greve se expandiu. Pararam os trabalhadores da Acesita, da RCA-Victor, da Demisa e da Industam. Então apareceu uma proposta de conciliação, seguida de um ultimato: “a recusa significa uma declaração de guerra.”. O Ministério do Trabalho propôs um reajuste de 10% que, ao contrário do que propuseram os patrões anteriormente, não seria descontado na data-base.

Embora a proposta de reajuste fosse abaixo do reivindicado, representava uma primeira vitória dos trabalhadores brasileiros contra a política de arrocho salarial da ditadura militar. A diretoria do sindicato resolveu aceitar a proposta, mas os operários em assembleia decidiram rejeitá-la. Surpreendentemente, o movimento se ampliou. Mais dez empresas aderiram a ele, entre as quais a Simel, a Mafersa e a Pollig-Haeckel.  Eram cerca de 20 mil trabalhadores paralisados na maior greve desde o golpe militar de 1964.

Jarbas Passarinho, em cadeia nacional de rádio e televisão, comunicou “o início da guerra” contra os operários mineiros. A polícia militar ocupou as ruas da Cidade Industrial e impediu a realização de assembleias e aglomerações operárias. Os patrões tomaram a ofensiva e, com a ajuda da polícia, passaram a convocar os trabalhadores nas suas próprias casas, sob a ameaça de demissão sumária e por justa causa.

Apesar da repressão policial-militar, levaria ainda mais alguns dias para que a situação voltasse a se “normalizar”. Mas, o exemplo daqueles operários, que ousaram enfrentar a ditadura militar, continuou a alimentar o sonho de milhões de trabalhadores e de inúmeros agrupamentos de vanguarda da esquerda brasileira. Às vésperas do 1º de Maio, quando os operários de Contagem ainda estavam em greve, o general-presidente Costa e Silva anunciou solenemente a extensão do abono salarial de 10% para todos os trabalhadores brasileiros. Alguns meses depois, em outubro, ocorreria uma nova greve. Mas a conjuntura já não seria mais a mesma e as dificuldades seriam ainda maiores para os trabalhadores.

A segunda greve de Contagem 

Esta segunda greve, ocorrida em outubro de 1968, foi pouco tratada pela historiografia, embora, segundo seus participantes, tenha sido maior – em número de grevistas e de dias parados. Weffort, por exemplo, no seu famoso ensaio, não chegou a citar esta greve. Talvez o principal motivo para tal lacuna tenha sido o maior nível de repressão e de censura existente naquele momento. Isso impediu a sua ampla divulgação, como havia acontecido em abril ou mesmo em julho, durante a greve de Osasco.

Na verdade, a greve de abril estava sendo preparada desde 1967. Pois, inicialmente, pensava-se fazê-la coincidir com a campanha salarial, mas a greve na Belgo-Mineira, puxada pela Colina, antecipou os acontecimentos em alguns meses e fez com que os planos fossem alterados.

Segundo Nolasco, “apesar da repressão (que seguiu a greve de abril), os trabalhadores mantiveram-se organizados nas empresas. Preparavam-se para data-base. Foram montados dois comandos de greves um em Belo Horizonte e outro em Contagem. Em outubro ela teve início. A Cidade Industrial foi paralisada e as fábricas ocupadas. Os operários da Mannesman mantiveram a diretoria presa como refém dos grevistas (...). Com a fábrica cercada por tropas da polícia, negociamos a libertação da diretoria da empresa em troca de não haver repressão aos ocupantes.”. A ocupação não se sustentou ficando restrita apenas à oficina central. A repressão ocupou a fábrica, expulsou os operários que ainda resistiam e prendeu as principais lideranças.

Deixemos, então, Otavino Alves descrever aqueles momentos dramáticos: “Preparamos um manifesto chamando a greve e colocando que não seria pacífica como da outra, que os sindicatos sofreriam intervenção dessa vez e que poderia haver repressão policial. O Ricardo Prata, que era da AP e depois passou para a Polop, trabalhava numa imobiliária e ofereceu a chave de uma casa na Rua Rio de Janeiro, para usarmos como sede. A AP tirou seu comando na massa e nós formamos um comando clandestino. O Colina organizou um comando que não sei o que fez.”.

Alguns dias depois, uma reunião clandestina do comando de greve foi descoberta e todos os seus membros presos. Mais de mil trabalhadores foram demitidos. A greve continuaria de maneira esparsa até se dissolver sob ataque feroz do governo e dos patrões. Estávamos às vésperas da decretação do famigerado Ato Institucional número 5.

Segundo Nolasco, “a greve de outubro foi ainda maior que a anterior. Na greve de abril, a Mannesman não chegou a parar totalmente e ela se reduziu a Cidade Industrial em Contagem. Em outubro parou tudo, parou Contagem e Belo Horizonte, e inclusive atingiu pequenas empresas da região. Acredito que ela foi a maior e mais longa greve do período, mas não foi muito divulgada devido à rígida censura dos meios de comunicação.”.No dia 3 de outubro, chegou ao fim a greve de Contagem e Belo Horizonte e com ela o nosso 1968 operário.

 
(Foto: Operários tomam palco do Primeiro de Maio na Praça da Sé em 1968)

Osasco– no olho do furacão 

Ao contrário do que ocorreria em Contagem, a greve de Osasco foi organizada pela direção do sindicato oficial da categoria, dirigido por setores de esquerda.

Em janeiro de 1967, a oposição sindical, encabeçada por José Ibrahim, havia vencido as eleições para a diretoria do sindicato, derrotando a chapa de composição entre ministerialistas e ativistas do PCB. A campanha da chapa vitoriosa fez duras críticas ao regime militar, principalmente à sua política econômica.

A vitória da oposição sindical estava intimamente ligada à ação da comissão de fábrica da Cobrasma. Esta havia sido criada em 1963 por operários católicos da Frente Nacional do Trabalho (FNT) e sobreviveria ao golpe militar e à intervenção ministerial. A primeira eleição para compor a comissão se realizou em 1965 e dela participaram, além dos membros da FNT, elementos vinculados às organizações mais de esquerda. A comissão, ainda legal, conseguiu manter minimamente organizados os operários de uma das principais empresas metalúrgicas da região.

Os pontos principais do programa da chapa vencedora em 1967 eram: 1º) defesa da liberdade sindical; 2º) luta contra a política de arrocho salarial; 3º) pelo contrato coletivo de trabalho; 4º) constituição de comissões de fábricas. Dele, pela primeira vez, não constava nenhum item sobre a manutenção ou ampliação dos serviços de assistência e benefícios oferecidos pelo sindicato. Esta era uma novidade até mesmo para as oposições sindicais. Muitos operários atrasados se associavam aos sindicatos apenas para terem atendimento dentário ou acesso às colônias de férias.

A nova diretoria abriu um amplo processo de participação operária nas decisões do sindicato. As assembleias gerais debatiam e decidiam todos os aspectos da vida sindical. Estabelecia-se uma espécie de democracia direta na qual todas as divergências eram dirimidas pelos próprios trabalhadores reunidos em assembleia. Se existe um lado positivo nesse método de direção, existe também o risco de se cair no espontaneísmo através do qual a direção perde todo o seu papel enquanto vanguarda do movimento. 

Naquele mesmo ano, 1967, formou-se em São Paulo o Movimento Intersindical Antiarrocho (MIA), uma frente sindical hegemonizada por sindicalistas conservadores e do PCB. O único sindicato nas mãos da oposição sindical era o de Osasco. Por isso, sua postura destoava em relação às demais diretorias e isto foi o estopim de vários conflitos.

Na própria assembleia de formação do MIA, ocorrida na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, um grupo de operários trazido pelas oposições e de estudantes exigiu e conseguiu que José Ibrahim falasse. Ele, então, rejeitou a proposta de que só deveriam ter direito de palavra os diretores sindicais. A terceira assembleia realizou-se na cidade de Osasco. Dela participaram ativamente os estudantes, que puderam falar e ser representados na Mesa diretora, contra a vontade de uma parte significativa dos sindicalistas tradicionais.

As lideranças do MIA desejavam que o movimento se reduzisse a uma articulação de cúpula das direções das federações e das diretorias sindicais, sem a mobilização dos trabalhadores na base. Eles temiam que a radicalização do movimento operário pudesse significar novas intervenções nos sindicatos.

A diretoria de Osasco e as oposições sindicais, pelo contrário, acreditavam que só a organização dos trabalhadores nos locais de trabalho e a mobilização poderiam derrotar a política de arrocho salarial. As posições arredias do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco custaram-lhe uma suspensão de 15 dias de seu mandato. Uma punição relativamente branda, levando-se em conta que vivíamos numa ditadura.

O MIA acabou se dissolvendo no início de 1968 e formou-se uma comissão para preparar a manifestação de Primeiro deMaio em São Paulo. Os sindicalistas se dividiram entre aqueles que defendiam convidar representantes do Ministério do Trabalho e os que rejeitavam radicalmente tal proposta. O governador de estado, Laudo Natel, e outros representantes governamentais acabaram sendo convidados pelos organizadores oficiais do ato. Tal posição foi duramente combatida pela diretoria de Osasco, pelas oposições sindicais, e principalmente pelas lideranças do movimento estudantil, que estava no auge de sua mobilização contra a ditadura militar.

As organizações de esquerda, então, prepararam uma contramanifestação no Primeiro de Maio. O resultado foi um grande conflito na Praça da Sé no qual os operários e estudantes puseram para correr a pedradas o governador e os representantes do Ministério do Trabalho. Em seguida, realizaram sua própria manifestação de rua.

O ambiente estava bastante aquecido quando em 16 de julho irrompeu a greve na Cobrasma. Mais de 2 mil trabalhadores iniciaram o movimento de ocupação da fábrica e tomaram 15 engenheiros e 30 chefes de serviço como reféns. Este ato visava a impedir uma provável ocupação policial da fábrica.

No mesmo dia, paralisaram totalmente as empresas Barreto Keller, Osran, Braseixos,  Lonaflex e a Fósforo Granada. E parcialmente Eternit e Cimaf. Os boletins eram assinados pelos grevistas e não pela diretoria do sindicato. Acreditavam com isso dificultar a intervenção ministerialista.

Mal havia começado o movimento, os representantes do DRT se dirigiram à sede do sindicato para propor uma Mesa de Negociação em torno das reivindicações dos grevistas. Mas, diante dos delegados, Ibrahim afirmou não estar autorizado a discutir as propostas, pois a greve não havia sido convocada pela diretoria do sindicato. Então, os representantes do sindicato e da DRT se dirigiram à assembleia dos operários da Cobrasma dentro da empresa.

A manobra da diretoria do sindicato não funcionou como ela esperava. O ministério de há muito sabia de suas posições radicais. Este não era o mesmo caso da greve de Contagem, onde, efetivamente, a diretoria do sindicato nada tinha a ver com a deflagração da greve – embora a apoiasse –e qualquer intervenção teria sido infrutífera para acabar com o movimento.

Por outro lado, a ditadura não estava disposta a permitir que se repetisse ali o mesmo ocorrido em Contagem, onde uma greve localizada se expandiu e acabou impondo fissuras na política salarial do regime. O governo já havia dado um abono salarial emergencial em junho para todos os trabalhadores brasileiros, fruto da pressão sindical e da greve de Contagem. Não haveria mais concessões. Novamente era preciso, como disse o ministro, declarar guerra aos trabalhadores.

A eclosão de greves simultâneas em cinco empresas numa das regiões metropolitanas mais industrializadas do país parecia uma ameaça real ao regime. Ressurgia o espectro de uma possível aliança operário-estudantil.

 
Cavalaria toma ruas de Osasco

Desta vez os militares estavam mais preparados e a situação política nacional caminhava para um desfecho desfavorável aos trabalhadores. O governo interveio rapidamente – e com redobrada violência – visando a pôr um fim ao movimento grevista. Não haveria negociações e os operários deveriam se submeter, sem condições, às ordens do Ministério do Trabalho. A tropa de choque da Força Pública, com apoio do Departamento de Ordem Pública e Social (DEOPS), ocupou a cidade e colocou barreiras nas entradas e saídas do município. Osasco transformou-se numa verdadeira Praça de Guerra.

 
(Foto: Prisão de grevistas em Osasco)

No mesmo dia, a DRT decretou a ilegalidade da greve e, na calada da noite, tropas cercaram e ocuparam a Cobrasma. Os brucutus derrubaram as barricadas construídas pelos operários. As luzes foram desligadas pelos próprios grevistas e a luta passou a ser travada no escuro das oficinas. Mais de 300 operários foram detidos durante a ocupação e cerca de 60 permaneceriam presos para averiguações. Entre os presos estava o principal dirigente operário da fábrica, José Campos Barreto. Pouco tempo mais tarde, Zequinha, como era chamado, morreria assassinado no interior da Bahia ao lado do capitão Carlos Lamarca.

 
Manifestação de apoio à greve de Osasco no centro de São Paulo

No dia 27 de julho,foi decretada a intervenção no Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e sua sede ocupada pela polícia. Parte da diretoria caiu na clandestinidade. A paralisação ainda duraria mais dois dias, quando os últimos grevistas, pressionados pelos patrões e pela polícia, retornaram ao trabalho. 

Um balanço crítico da greve de Osasco 

A greve de Osasco foi uma das páginas heroicas da luta dos operários brasileiros contra a opressão. Mostrou que na complexa conjuntura de 1968 os operários também tinham algo a dizer. Mas revelou também os limites da política adotada pela direção do Sindicato dos Metalúrgicos. A diretoria era fortemente influenciada por correntes políticas clandestinas que apostavam todas as suas cartas na luta armada. Não compreendiam o verdadeiro papel da luta de massas nem a real correlação de forças existente na sociedade brasileira naquele momento.

A própria data de deflagração da greve e os métodos de luta empregados refletiam o voluntarismo dessas organizações. Ela, inicialmente, estava sendo planejada para novembro, quando da campanha salarial unificada dos metalúrgicos do estado de São Paulo, mas a pressão de setores da categoria, alimentados pela própria propaganda sindical, e a pressa de alguns dirigentes precipitaram os acontecimentos.

Existia a ilusão de que o movimento grevista de Osasco pudesse rapidamente se espalhar por outras regiões antes da repressão desarticulá-lo. O próprio método de ocupação da fábrica, naquela conjuntura, revelava certas concepções militaristas. A ocupação teve o apoio da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), que forneceu homens armados para proteção dos grevistas, caso houvesse alguma resistência por parte dos seguranças da empresa. 

A ocupação de uma fábrica isoladamente, em uma conjuntura marcada por uma forte repressão político-militar e na qual o movimento operário e popular atravessava uma fase defensiva, não se constitui no método de luta mais adequado. Ela contribui para o isolamento da vanguarda operária e o mapeamento de suas forças. Por fim, facilita a própria repressão ao movimento.

Alguns anos mais tarde, o próprio José Ibrahim afirmaria: “Nossa concepção era de guerrilha rural. A maioria de nós tinha a ambição de sair do movimento operário para fazer guerrilha no campo. Minha vontade, por exemplo, era partir para formas mais avançadas de luta. Nós éramos lideranças do movimento de massas, que tinha apoio das massas, mas que estava sendo absorvida pelas concepções partilhadas por amplos setores da esquerda.”. Foi esse o caminho adotado por José Campos Barreto, o Zequinha,

Em outra passagem ainda diria: “Partíamos da mesma análise de conjunturaque o restante da esquerda estava fazendo: o governo está em crise (...). O problema era aguçar o conflito, transformar a crise política em crise militar. Daí vinha nossa concepção insurreicionista da greve: levar a massa através de uma radicalização crescente a um confronto com as forças de repressão. Era uma visão militarista aplicada ao movimento de massas.”.

Apesar dos possíveis erros de suas direções, as greves de Osasco e de Contagem provaram que, mesmo numa conjuntura de repressão, era possível manter certo nível de organização e de mobilização dos trabalhadores. Enquanto práticas cupulistas colaboravam efetivamente para a desorganização e desmobilização deles, colocando-os a reboque da oposição burguesa ao regime. Por fim, aqueles movimentos apontaram para a possibilidade de construção de alternativas mais adequadas aos interesses imediatos e históricos da classe operária.A primavera operária de 1968 chegaria ao fim em meados de 1968, mas deixaria algumas sementes que voltariam a germinar 10 anos depois nas grandes greves do ABC paulista.

* Versão ampliada de artigo publicado originalmente na revista Debate Sindical, nº28, de junho a agosto de 1998.

** Augusto Buonicore é historiador, mestre em Ciência Política pela Unicamp e diretor de publicações da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e a revolução brasileira, Meu Verbo é Lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas e Linhas Vermelhas: marxismo e os dilemas da revolução, publicados pela Editora Anita Garibaldi. 

BIBLIOGRAFIA                                                                                   

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