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Revelações de Diógenes Arruda Câmara: Conferência da Mantiqueira, FEB E MUT (7)

Havia um judeu que trabalhava nas lojas "Quatro e Quatrocentos", no Rio de Janeiro(4) , e nós transferimos o Armênio Guedes para trabalhar, não me recordo se na United Press ou na Associated Press, no Rio de Janeiro. Mas era uma agência de notícias. Por intermédio desse judeu, nós tivemos notícias de Maurício Grabois, que era membro do Comitê Regional do Rio de Janeiro. Maurício havia estado, por ocasião do movimento de 35, em Minas Gerais, no Triângulo Mineiro etc. Maurício era um baiano, não sei se vocês sabem.

Albino – Baiano judeu.

Arruda – Judeu baiano. Ele foi amigo do Marighella desde o Ginásio da Bahia. Mas Maurício quis estudar na escola militar. Foi estudar na escola militar, em 1931, e aí entrou no Partido. Trabalho para cá, trabalho para lá, ele perdeu o ano. E na escola militar, quando se perdia o ano, ia para a tropa como soldado. Ele foi para a tropa. Aí, na tropa foi indisciplinado porque pegou umas cadeias e já era conhecido como comunista. Ficou mais um outro ano e ficou tuberculoso etc. Maurício foi um daqueles elementos que ajudaram a construir o Partido nas Forças Armadas. Mas eu conhecia já o Maurício de nome, através de alguns amigos comunistas — alguns camaradas que éramos amigos comunistas. No início de 1942, eu comecei a viajar para o Rio para ver se conseguia contato. Era muito delicado, porque as prisões que tinham se verificado em 1940 tinham como epicentro o Rio de Janeiro — porque houve fracassos, houve delações e traições. Inclusive de um secretário do Partido e alguns membros do Comitê Central.

Iza – Comitê Central ou Regional?

Arruda – Do Comitê Central. Alguns tinham se portado admiravelmente bem, mas outros tinham fracassado, barbaramente torturados. Maçarico nos pés, na bunda...

Iza – Maçarico?

Arruda – Maçarico elétrico (ênfase). Barbaramente torturados. Aí, se agigantam duas figuras. Mulheres. Que eram as estafetas entre o Comitê Central e o Comitê Regional de São Paulo. Uma eu não me recordo, eu sei que é uma personagem muito conhecida no livro de Jorge Amado Subterrâneos da Liberdade, e outra chamava-se Ireda (ininteligível). Ambas eram operárias têxteis. A que eu não recordo o nome era mulher de Domingos Marques, um operário têxtil de origem portuguesa. O Domingos estava tuberculoso e eles queriam que a mulher entregasse ele. Essas mulheres foram barbaramente torturadas — nunca disseram uma palavra. Ireda (ininteligível) ficou inutilizada e depois morreu em conseqüência das torturas. Bem, então nossa preocupação era reconstruir a direção do Partido. Nós todos éramos dirigentes do Partido muito jovens.

Iza – Que idade você tinha na época?

Arruda – Eu nasci em dezembro de 1914, era fins de 41 princípio de 42, estava com 26 anos – 25 para 26 anos.

Iza – Você já era do Comitê Central?

Arruda – Não. Eu estava como primeiro-secretário do Comitê Regional de São Paulo. Bem, então entramos em contato com o Maurício Grabois. Havia saído da prisão alguns ex-oficiais do Exército e também alguns antigos dirigentes do Partido, como José Medina, que era um operário naval e tinha sido secretário-geral da Federação Nacional dos Marítimos e ao mesmo tempo membro do Birô Político do Partido em 1935. Tinha tido um bom comportamento na prisão. Também tinha o velho Álvaro Ventura, que era estivador em Santa Catarina, que nós também havíamos estabelecido contato. Nós tínhamos contato, nesse período... era São Paulo, articulado com a Bahia — na Bahia tinha um jovem dirigente, muito jovem, que era Mário Alves —, tínhamos contato também com o secretariado de Sergipe, de Alagoas, de Pernambuco — mas que caiu em 1941 também — e com a Paraíba.

Bem, começamos a descer. Fomos a Santa Catarina e pegamos contato com Álvaro Ventura, e contato depois com o Rio Grande do Sul. Então, precisava ver a situação do Rio de Janeiro. É aí que nos encontramos com Maurício Grabois e nos encontramos também com o responsável pelo trabalho militar no Partido, que não havia sido preso. Naquele tempo era um tenente, ou capitão, do Exército, não me recordo, chamado Júlio Sérgio de Oliveira. Já morreu — morreu de câncer em 1956 ou 57. Nesse momento, chegavam, de Belém do Pará, João Amazonas e Pedro Pomar, que haviam fugido da prisão. Então, nós começamos, no princípio de 1942, estabelecer contatos, mas dizíamos o seguinte: Um novo Comitê Central só pode surgir se for a expressão da confiança completa dos Comitês Regionais. Então, em junho ou julho de 1942, fizemos uma reunião ampliada no Rio de Janeiro e foi tirado um Secretariado Nacional Provisório. Esse Secretariado tinha como missão reconstruir o Partido, recontatar os Comitês Regionais, rearticular o Partido e realizar uma Conferência Nacional para tirar um Comitê Central. Esse Secretariado era composto por José Medina, por mim e por Maurício Grabois.

Albino – Amazonas e Pomar não?

Arruda – Amazonas vai para a Comissão Sindical — nesse tempo ele já tinha reconstruído o Partido em Belo Horizonte e Juiz de Fora, e nas Minas de Nova Lima e Raposos. Então, vem como responsável de Minas Gerais, mas aí fica responsável pelo trabalho sindical. Pomar vem para trabalhar na Comissão de Organização, junto com outros elementos, como, por exemplo, um ferroviário de Pernambuco, chamado Agostinho Dias de Oliveira, que também tinha sido preso no Pará, e que tínhamos chamado. Nesse trabalho de reorganização, nós fomos pegando contato, e de contato em contato, com ex-presos políticos, fomos avançando na reorganização do Partido. Quando juntamos tudo, conseguimos uns 980 militantes.

Albino – O Prestes nesse tempo estava na cadeia. Ele era informado?

Arruda – Não. Ao mesmo tempo, nós fazíamos a luta contra o nazismo. Nós tínhamos a União Nacional dos Estudantes na mão, reconstruímos uma organização antiga que tinha no período de Olavo Bilac, chamada Liga de Defesa Nacional, organizamos um departamento trabalhista, e fomos avançando na luta pela participação do Brasil na guerra, pela conquista das liberdades, fomos estabelecendo uma nova linha política do Partido, e quando se verificaram os afundamentos dos navios os estudantes no Rio de Janeiro ocuparam o Clube Germânico e abriram a União Nacional dos Estudantes, legalmente no Rio de Janeiro. Fizemos um movimento pela participação do Brasil na guerra, com voluntários, fizemos com que todos os jovens do Partido se inscrevessem como voluntários, e todos os oficiais do Exército — e sargentos — no Partido também se ofereceram como voluntários. Esse foi o núcleo para a formação da FEB. Então nós fizemos voltar todo o Partido para o trabalho de massas, para o trabalho estudantil, para o trabalho sindical, para o trabalho popular, para o trabalho de luta contra o fascismo — a luta democrática.

Ao mesmo tempo estávamos reconstruindo o Partido. Um departamento sindical que se organizou na Liga de Defesa Nacional foi o embrião para formar o Movimento Unitário dos Trabalhadores, o MUT. As lideranças sindicais que saíam das prisões nós fomos articulando, nesse movimento, e fomos retomando todo o movimento sindical brasileiro — que havia sido tremendamente golpeado desde a insurreição nacional libertadora de 1935. Então, esse nosso trabalho foi adquirindo amplitude, a ponto de nós realizarmos, em agosto de 1943, uma conferência nacional, chamada Conferência da Mantiqueira, que se realizou num sítio de elementos do Partido, que eram camponeses pobres. Esse sítio fica próximo ao município de Barra do Piraí. A Conferência da Mantiqueira contou já com delegados da Paraíba, de Alagoas, de Sergipe, da Bahia, de Minas Gerais, do Estado do Rio, de São Paulo, de Santa Catarina, do Paraná e do Rio Grande do Sul.

Albino – E do Pará, o Amazonas...

Arruda – Sim. E do Pará. Do Pará também veio um delegado. Nessa Conferência a gente estava com uns mil e oitocentos militantes. Aí é que se tira um novo Comitê Central, na chamada Conferência da Mantiqueira. Esse Comitê Central tira uma Comissão Executiva e um Secretariado. Para o Secretariado são eleitos José Medina, eu, o Maurício Grabois e o João Amazonas. E para o Birô Político, ou Comissão Executiva, Pedro Pomar e outros elementos que não me recordo agora. Aí é que o Prestes é eleito membro do Comitê Central do Partido — Marighella também (foi eleito) membro do Comitê Central do Partido. E alguns outros presos políticos (foram eleitos) membros do Comitê Central e muitos outros camaradas já provados nas prisões, na clandestinidade, nas torturas etc. Nós éramos muito rigorosos a respeito desse problema.