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Revelações de Diógenes Arruda: Contatos com Getúlio Vargas (10)

Albino Castro – Arruda, eu queria, antes de avançar até 47, falar mais do período da legalização. Por exemplo, quando Prestes saiu da cadeia ele foi àquele comício com o Getúlio. Quer dizer: o Partido saiu da cadeia, da ilegalidade, e dessa forma foi apoiar Getúlio. Getúlio simbolizava a ditadura. Isso é considerado para muitos um erro histórico do Partido. A aliança com o ditador... Que bem ou mal era o regime dele que tinha torturado e matado.

Arruda – Olha aqui, nós...

Albino – Prestes tinha passado dez anos na cadeia, ele fez aquilo sem consultar os companheiros que tinham reorganizado o Partido?

Arruda – Não, não, não...

Albino – Ah, não foi?

Arruda – Não. Hoje se olhando verifica-se, eu pelo menos acho, que a nossa linha política do período de 1945 a 1947 foi oportunista de direita. Nós acreditávamos que podíamos conquistar o poder através de um processo democrático, eleitoral, parlamentar etc. Éramos dirigentes jovens, os êxitos subiram à cabeça. Grandes vitórias, verdadeiramente desconhecidas na história do Partido e do movimento operário brasileiro. Bem... Mas nós tivemos muitas ilusões de classe. Entretanto, não podemos considerar, não creio correto, que era errada a política que adotamos em relação ao Getúlio. Tinha aspectos que deveriam ser corrigidos. Por exemplo: falar em ordem e tranqüilidade — isso era uma atitude oportunista. Não querer realizar muitas greves — outra atitude oportunista. O apoio incondicional a Vargas — também uma atitude oportunista.

Entretanto, o apoio a Vargas era correto. Em que sentido? Apoiar o governo Vargas no sentido das conquistas democráticas e nas concessões que ele dava em relação à participação da FEB, em relação à redemocratização do país, em relação ao reconhecimento da União Soviética, em relação à legalidade do Partido, em relação à convocação de uma Assembléia Constituinte. E surge aí um fenômeno original. É que na verdade no Brasil só quem lutou contra o Estado Novo, contra a ditadura de Vargas, foram os comunistas. Mais ninguém (ênfase). O seu Octávio Mangabeira tinha ido para Nova York, para os Estados Unidos. E mais ninguém. O resto é conversa fiada. Então, o Getúlio estava fazendo concessões e mais concessões às forças operárias, às forças populares, às forças democráticas.

É nesse momento que surgem elementos que haviam, como nós dizemos, comido na gamela durante todo os dez anos do Estado Novo para articular um golpe. Quiseram nos envolver nesse golpe. O certo é o seguinte: esse golpe contra o Getúlio foi preparado depois de um célebre discurso do senhor Adolf Berle Júnior, que era embaixador dos Estados Unidos, proferido em Petrópolis, onde disse que o comunismo era um perigo, que estava avassalando o Brasil. E deixando a entender que Getúlio estava fazendo concessões aos comunistas. Então, há toda uma encenação de preparação do golpe.

Na verdade, esse golpe não foi contra o Getúlio. Foi contra o processo de conquistas de liberdades: liberdade sindical, liberdades democráticas. E contra a democracia, porque o povo brasileiro estava avançando no sentido da democracia. Agora são esses tipos, aqueles velhos carcomidos, muitos deles vão para o PSD ou para a UDN — principalmente para a UDN —, que procuraram nos acusar. Uma vez fizemos um discurso na Câmara e desmascaramos. Dissemos o seguinte: passaram tantos mil comunistas, tantos mil aliancistas — membros da Aliança Nacional Libertadora —, pela prisão. Temos no Comitê Central do nosso Partido tantos elementos que somados os seus anos de prisão é tanto. Temos aqui deputados que também tiveram tantos anos de prisão. Morreram comunistas, como heróis e mártires do Partido, tantos e tantos. Levantem, queremos saber, entre os senhores, quantos mortos existem entre os seus partidários e quantos passaram pelas prisões. A Câmara foi esvaziando, porque eles não podiam levantar o dedo de ataque a nós. Nunca enfrentaram a luta assim com um debate conosco, franco e aberto, a respeito dessa acusação.

Agora, com Vargas sucedeu o seguinte: nós procuramos estabelecer um contato, e teve entendimentos antes do golpe dado contra ele em 1945. Dissemos: vamos à greve geral, vamos levantar as forças armadas. Nós tínhamos muita força, principalmente no Exército. E o Vargas disse: Prefiro renunciar e ir embora a fazer uma guerra civil. Porque começa comigo e vai terminar nas mãos dos comunistas. E o Vargas foi embora para a sua fazenda lá em São Borja e não quis enfrentar os golpistas no terreno que deviam ser enfrentados — através de uma greve geral, paralisando toda a vida do país, e através da luta armada. Porque os golpistas eram fracos. Quem tinha força nas forças armadas de fato era o Getúlio, naquele tempo, e os comunistas, o nosso Partido. E Getúlio não quis enfrentar a luta no terreno que era possível para garantir o processo democrático.

Albino – Agora, uma outra coisa curiosa... Ah, você não terminou. Desculpe. Termina, termina...

Arruda – Agora, posteriormente, quando são convocadas as eleições, o Getúlio toma a atitude de organizar... vem o PSD, vem a UDN, vem alguns partidos... e Getúlio toma a iniciativa de organizar o PTB. Não sei se vocês se recordam que o Getúlio deu uma entrevista à revista Globo, onde ele explica os motivos...

Albino – Lá do Rio Grande do Sul. É a revista do Érico Veríssimo.

Arruda - Então, ele dá essa entrevista e diz os motivos por que organiza o PTB. É preciso que a gente refresque a memória, hoje que se quer reorganizar o PTB. Bem, Getúlio dizia o seguinte: o comunismo está ganhando toda a classe operária. Foram organizados velhos partidos, como o PSD, a UDN, parecidos com os partidos antes de 30. E eu preciso — dizia ele — organizar um partido que entre na massa de salário mínimo e evite que o movimento operário seja totalmente ganho pelo Partido Comunista do Brasil. E foi com esse objetivo que Getúlio organizou o PTB — contra o Partido Comunista do Brasil. Para ver se conseguia barrar a nossa crescente influência no movimento operário e no movimento sindical.

De fato, o Partido tinha ganho a maioria já do movimento sindical. Tinha feito um congresso de delegados sindicais de todo o Brasil e organizou a Confederação dos Trabalhadores do Brasil. E nós derrotamos os chamados "queremistas", ou getulistas, no movimento sindical — os pelegos, naquele tempo —, e ganhamos a direção do movimento sindical. Só posteriormente, no governo de Dutra, essa Confederação dos Trabalhadores do Brasil foi fechada. Houve intervenção em dezenas e dezenas... centenas de sindicatos — intervenção em quase dois mil sindicatos. Fecharam as ligas camponesas, fecharam os comitês democráticos, ou comitês populares, fecharam o Partido...