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Revelações de Diogenes Arruda: A eleição de Portinari (11)

 

Albino – Agora, uma coisa curiosa que eu acho... Por exemplo... Não sei se isso tem relação já com... Porque a gente aprende na história do Brasil, e vocês já são da história do Brasil, que desde a saída do Prestes (da prisão) passou a haver uma espécie de choque de liderança dentro do Partido. Em 45, o Partido foi à legalidade e em 46 participou das eleições, mas você e o Pomar criaram o Partido Social Progressista.

Arruda – Não, não, não (ênfase). Não havia naquele tempo um choque...

Albino – Tanto é que vocês foram deputados por um outro partido e não pelo PCB (então a sigla do Partido Comunista do Brasil).

Arruda – Não. Foi o seguinte: nós fizemos um acordo com o partido do Ademar de Barros, Partido Social Progressista, para as eleições suplementares (de 19 de janeiro de 1947) em São Paulo. Então, eu e o Pomar fomos candidatos a deputado e resolvemos apresentar as candidaturas — quem resolveu foi o Comitê Central do Partido — pelo Partido Social Progressista.

Albino – Porque já havia uma disputa no Partido...

Arruda – Não. Porque o Partido poderia ser fechado. Então, na verdade, nós elegemos...

Iza Freaza – Estratégia... Foi idéia sua?

Arruda – Não. Foi da Comissão Executiva do Partido.

Albino – Os portugueses fizeram isso também há pouco tempo.

Arruda – O PTB elegeu um deputado, que foi Emílio Carlos, nós elegemos dois, que foi o Pomar e eu, com uma votação verdadeiramente impressionante, e nós elegemos um senador, que foi o Cândido Portinari, o grande pintor. Ele foi eleito. Basta dizer o seguinte: o Roberto Simonsen, que havia sido apoiado pelo PSD, pelo Getúlio e por todo mundo, estava atrás da votação de Portinari cerca de 50 mil votos. Essa noite ia ser fechada a ata geral das eleições em São Paulo. Na noite seguinte, para surpresa, os quase 50 mil votos de diferença a favor do Portinari haviam passado milagrosamente... ou melhor dito: foram roubados e passados para Roberto Simonsen. Quer dizer: o Roberto Simonsen não foi eleito pelo eleitorado. Foi eleito pelo Tribunal Estadual Eleitoral de São Paulo. O verdadeiro senador eleito foi Cândido Portinari.

Portinari fazia uns comícios formidáveis, admiráveis. Ele contava muita história da vida dele, história de quando ele era filho de sitiantes lá em Brodósqui. E também histórias outras. Ele gostava de contar muitas histórias engraçadas. E no interior de São Paulo se gostava muito daquela maneira caipira que ele falava. Eu me recordo que participando de um comício com Portinari, ele contava uma história interessante. Quando ele estava fazendo os murais do Ministério da Educação, que são os chamados ciclos da história do Brasil, o Capanema, que era ministro da Educação, disse: Portinari, está faltando aqui um quadro. Ele disse: Qual é o quadro? Era botar Caxias como o pacificador do Brasil, o patrono do Exército. Porque senão aqueles murais seriam considerados subversivos. Não é possível — você faça essa concessão.

E o Portinari ficou bravo, não quis mais continuar a fazer os murais etc. Então, por muita solicitação, muitos pedidos de Capanema, Portinari aquiesceu em fazer o retrato de Caxias. Não um quadro. E de vez em quando o Capanema ia acompanhar a feitura dos murais. Um dia Capanema pergunta ao Portinari se ele já havia pintado o retrato de Caxias. Ele disse: Perfeitamente, pode vir olhar. O Capanema começou a olhar o mural sobre o pau-brasil, o mural sobre a era do ouro, depois o mural sobre a mineração, sobre o açúcar, o café, a pecuária também etc. E o Capanema vai olhando, vai olhando... volta e diz: Mas não está — não vejo o retrato de Caxias. Ele diz: É porque você não olhou direito. Volte a olhar os quadros. Aí, dizia o Portinari, o Capanema voltou e disse: Mas eu não vejo o Caxias. Onde é que você botou o Caxias?

Ele o chamou para frente do mural que era a pecuária e disse: Olha aqui nesse mural que você vê o retrato de Caxias. Ele disse: Mas eu não vejo, Portinari! Ele disse: Você não vê? Olhe para esta bosta de boi que ela tem a cara do Caxias (risos). Estava a cara de Caxias ali numa bosta de boi (risos). Então o Capanema disse: Não faça isso, Portinari! (rindo) Nós vamos todos para a cadeia! Ele disse: Bem, se você não quer o Caxias como essa bosta de boi eu apago o negócio e fica o dito pelo não dito (risos). E assim ele contava... e o pessoal ria (rindo), dava gargalhadas, batia palmas no interior de São Paulo. E assim (gargalhadas)... era maravilhoso! Isso não pode botar (na entrevista), não é?

Iza – Acho que sim. Lá eles vêem como é que é. E há quanto tempo... Portinari já está morto...

Albino – Agora tem uma história muito engraçada, não sei se é verdade. Dizem que quando o Partido foi para a ilegalidade você e o Pomar continuaram na bancada do PSP. Então quando chegava o Natal vocês iam lá com as mocinhas da juventude comunista recolher uma grana para o Natal das crianças comunistas.

Arruda – (Risos)

Albino – E diz que o Zezinho Bonifácio(10) , certa vez, botou a grana dele, bateu no chão e disse: Arruda, lembre-se bem de mim, estou contribuindo. Naquele tempo existia um medo de que o PC tomasse o poder. É verdade isso?

Arruda – Não me recordo. Eu soube que uma vez a uns jornalistas o Zé Bonifácio falou a respeito. Mas francamente não me recordo desse episódio. Talvez possa ser, mas me falha a memória a respeito. Não me recordo bem desse fato (risos).

Albino – Era uma espécie de pedágio...

Arruda – Em geral os dirigentes do Partido não faziam finanças. Nós tínhamos cuidado (risos). Eles sabiam que eu era dirigente do Partido...