Estou horrorizado com o Brasil, leitor. Não me refiro propriamente à situação política e econômica, que é, sem dúvida, muito difícil. O que me estarrece é a imensa carga de negatividade na imprensa, nos meios de comunicação e nas conversas. Não me recordo de ter vivenciado clima tão nocivo e uma energia tão destrutiva. O país parece estar sofrendo um colapso emocional só comparável ao que aconteceu com a seleção brasileira no jogo contra a Alemanha na Copa.

Posso estar exagerando. Mas vou dar um exemplo que pode parecer pequeno, mas não é. Está em cartaz nos cinemas um grande filme brasileiro: “Que horas ela volta?”, de Anna Muylaert. É um filme feito com cuidado, delicadeza, sensibilidade. A construção de cada personagem foi elaborada com maestria, de forma tocante, convincente. O filme emociona, sem ser apelativo. Enfim, é uma obra de arte.

Pois bem, um grande jornal de São Paulo resolveu publicar uma página inteira sobre “Que horas ela volta?”. Não quero ser agressivo com ninguém, nem contribuir para o ambiente medonho que vivemos. Só direi o seguinte: antigamente, os grandes jornais tinham críticos de cinema que sabiam do que estavam falando, tinham conhecimento, sensibilidade. Hoje… Nem sei o que dizer. Um dos articulistas do grande jornal de São Paulo entendeu o filme como um panfleto da era Lula e escreveu que alguns dos personagens principais “não passam de peças de propaganda governista”…

Espantoso. A violenta disputa política em curso no país está contaminando tudo, absolutamente tudo. É o que acontece, de forma nítida, com o noticiário econômico. Não há dúvida de que a situação é muito precária e vai continuar precária por algum tempo. Mas há aspectos positivos que recebem pouca ou nenhuma atenção.

Um exemplo: o forte ajustamento das contas externas em 2015. Durante muitos anos, o Brasil acumulou grave problema de sobrevalorização da moeda nacional. A moeda forte prejudicou muito a indústria do país e foi gerando um desequilíbrio crescente e perigoso nas contas externas do país.

Agora, a depreciação do real, combinada com a retração da demanda interna, está produzindo uma correção rápida do desequilíbrio externo, diminuindo nossa vulnerabilidade. E a depreciação cambial vai ajudar a tirar a economia da recessão, estimulando exportações e setores que competem com importações.

É verdade que parte dessa melhora das contas se deve à recessão, sendo portanto “cíclica” e não “estrutural”. É verdade, também, que a depreciação foi muito intensa num período curto, gerando problemas para os que têm dívida em moeda estrangeira. Mas o Banco Central tem reservas internacionais muito elevadas e outros instrumentos para deter com sucesso movimentos exagerados — sobretudo se tiver a ajuda de uma estabilização da situação política e de progressos em matéria de ajustamento das contas públicas.

Sobre as contas públicas, aliás, o que se afirma e escreve envolve frequentemente exageros monumentais. “Caos”, “descalabro”, “tragédia fiscal” são algumas das expressões repetidas incessantemente em artigos, reportagens e entrevistas. O Brasil tem, sim, um problema fiscal, agravado pela crise política. Mas há quem compare o Brasil à Grécia! Quem o faz não tem a mais remota ideia do que foi a calamitosa irresponsabilidade dos governos gregos no período que antecedeu à crise internacional de 2008.
Regina Casé como Val em Que horas ela volta?, direção Anna Muylaert (Foto: Divulgação)Regina Casé como Val em Que horas ela volta?, direção Anna Muylaert (Foto: Divulgação)

Paulo Nogueira Batista Jr. é economista e vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, mas expressa seus pontos de vista em caráter pessoal

Publicado em O Globo