Nas últimas semanas o valor do dólar, que havia se aproximado de R$3,3 em meados de março, tem flutuado entre R$3,0 e R$3,2. Muitos viram essa apreciação da moeda nacional como positiva ao considerar que, além de contribuir para a redução da pressão sobre o preço dos bens importados e conter a inflação, o aumento do ingresso de recursos financeiros que a impulsionou refletiria, ao menos em parte, o afastamento do cenário de crise e a queda da percepção de risco em investir no país. Por outro lado, aponta-se que o movimento apenas teria corrigido a depreciação excessiva do período anterior gerada pelo excesso de nervosismo no mercado financeiro. Apesar de plausíveis, tais considerações merecem alguns reparos.

Em primeiro lugar, deve-se notar que, se a desvalorização do Real no início do ano foi mesmo muito rápida, não foi excessiva. De fato, uma taxa pouco acima de R$3,0 por dólar não indica, em absoluto, a reversão da valorização cambial ocorrida até 2011. Essa taxa permanece valorizada frente à média de 2006, último ano em que a balança de manufaturados do país mostrou equilíbrio, e mais ainda frente a 2004, quando se iniciou o último ciclo de forte crescimento. Em relação a outras moedas importantes cujo valor diante do dólar tem caído, particularmente o Euro, a sobrevalorização do Real é ainda maior. E é muito maior quando aferida pela variação dos custos industriais, mais relevante para avaliar a competitividade da produção nacional. Essa situação se dá em um mundo abarrotado de estoques e capacidade ociosa onde a concorrência é muito mais acirrada do que era até 2008 e é acompanhada pela enorme volatilidade das taxas – há tempos o Real é a moeda com as maiores flutuações dentre aquelas dos principais países emergentes, aumentando a incerteza quanto à rentabilidade futura com que as decisões de investimento devem ser tomadas.

Em segundo lugar, a evolução recente mostra que não são os preços dos bens importados, diretamente afetados pelo câmbio, mas sim os dos serviços e os preços administrados os principais responsáveis pelo aumento da inflação, o que limita o efeito antiinflacionário da valorização cambial.

Em terceiro, se a redução na percepção de risco de fato se verifica entre investidores de curto prazo, que são aqueles responsáveis pelo grande influxo cambial registrado a partir de março, o mesmo necessariamente não ocorre entre aqueles cujo horizonte temporal é mais longo, como tende a ser o caso dos investidores em projetos de infraestrutura cujo retorno se dá, com freqüência, em prazos superiores a vinte anos ou mais. Ao contrário, a valorização cambial prejudica a atratividade destes investimentos, normalmente vistos como poderosos motores do crescimento e sobre os quais hoje recaem grandes expectativas. Isto porque, ao dificultar a redução do déficit em conta corrente do país, a valorização eleva o risco de que o Real venha a sofrer, dentro do horizonte desses investimentos, uma depreciação forçada substancial. Ela ocorrendo, os investimentos financiados com recursos externos internalizados a uma taxa de câmbio apreciada seriam remunerados com um fluxo financeiro convertido pela taxa depreciada, reduzindo, em moeda estrangeira, sua rentabilidade e, eventualmente, tornando-os inviáveis. Ou seja, por mais atrativas que, em Reais, as oportunidades de investimento em infraestrutura possam parecer, a queda na rentabilidade esperada gerada pelo risco decorrente da sobrevalorização e da volatilidade cambial pode fazer com que a entrada de recursos externos para investimentos de longo prazo se restrinja ao financiamento dos projetos excepcionalmente lucrativos, limitando seu poder indutor sobre a atividade econômica.

Em quarto lugar, a sobrevalorização cambial, especialmente quando mantida por longos períodos, impacta pesadamente os investimentos e a produção na indústria, dado que a taxa de câmbio é, individualmente, o elemento que afeta de forma mais forte, rápida e abrangente a competitividade da produção no país. O câmbio valorizado, ao diminuir a competitividade e, assim, a rentabilidade esperada do investimento produtivo, faz com que este, apesar de mais barato, se torne menos atrativo. Mesmo que, ao reduzir o custo dos insumos importados, possa favorecer um produtor nacional frente a outro que utiliza proporção menor desses insumos, a sobrevalorização prejudica a ambos diante do concorrente estrangeiro. Com ela, por maior que seja a credibilidade na política econômica, a baixa rentabilidade do investimento produtivo conduz o empresário a não investir para elevar a produção e, ao contrário, a reduzi-la e transferir etapas produtivas ao exterior, convertendo a unidade produtiva em mera importadora. A taxa de câmbio instável e continuamente valorizada compromete assim não apenas a exportação de manufaturados, mas põe em risco a própria sobrevivência de uma indústria capaz de reter participação relevante no mercado doméstico e de se inserir em cadeias produtivas globais, além de limitar, é claro, seu papel na retomada da atividade.

A valorização do Real não deve, portanto, ser festejada; ao contrário, se mantida, deve ser vista com preocupação. Evidentemente, uma taxa de câmbio real competitiva e sem grandes flutuações não é condição suficiente para a recuperação econômica; contudo, ela é absolutamente necessária, especialmente em um contexto de duro ajuste fiscal inibindo a expansão da demanda. Sem ela, dificilmente os esforços empreendidos tanto para atrair o capital privado, em particular o estrangeiro, para projetos de longo prazo em infraestrutura, como para induzir os empresários ao investimento produtivo, ambos fundamentais para a retomada do crescimento, apresentarão os resultados sobre a atividade econômica que deles se espera.

Publicado em Agência FPA