Demorou, mas a direita conseguiu realizar a manifestação dos seus sonhos neste domingo, 15 de março. Devido ao ataque sistemático da imprensa ao partido do Governo Federal, intensificado desde 2005, esperava-se manifestações desse calibre há muito tempo. Somente agora, treze anos depois, as multidões de meia idade, ricas e brancas lotaram as avenidas do país, pedindo o que as grandes corporações de mídia sempre sugeriram: “Fora Dilma e leva o PT junto!”

Em 2013, as manifestações começaram com pautas progressistas e deixaram um saldo de reivindicações consequentes em seu rastro. Como se observou, eram multidões jovens, de classe média baixa e progressista defendendo mais direitos e eficiência nos serviços públicos. Em paralelo a isso, as entidades da sociedade civil e dos movimentos populares sempre estiveram mobilizadas, dentro dos seus limites, em torno de suas pautas estratégicas, ainda que enfraquecidas pela institucionalidade burocrática. Na sexta-feira, dois dias antes do protesto da direita, essa militância foi em peso para as mesmas avenidas fazer o contraponto à despolitização que se anunciava para o domingo.

Numa das maiores manifestações já realizadas na última década por centrais sindicais, partidos e movimentos sociais, é inegável a força que a reforma política assumiu como pauta estratégica contra a corrupção. Fosse essa a pauta do domingo, o Governo teria um elemento de pressão contra os setores que resistem a mudar o sistema político, desde que Dilma sugeriu uma Constituinte Exclusiva para a Reforma Política, durante as manifestações de 2013. Mas, para a massa de manobra que “festejou” nas ruas sua insatisfação contra a corrupção, Reforma Política ainda é algo abstrato, que temem ser uma forma de manipulá-los à esquerda.

Para esses inocentes (ou cínicos) úteis, tirando o PT do Governo, com suas políticas de favorecimento aos mais pobres, já terá sido um resultado de bom tamanho. Para esses, como para a mídia golpista, usar a corrupção para inflamar os ânimos contra o petismo é apenas uma desculpa para algo maior: deixar tudo como estava antes de Lula e começar de novo, sob novos parâmetros. Falando o português claro ouvido nas ruas: o que não dá, é ficar pagando imposto para sustentar uma horda de vagabundos! “Aqui está a metade dos brasileiros que trabalha e paga impostos”, foi o que ouvi, sob aplausos, de um senhor que berrava em meio à multidão.

Para essa classe média que ocupa cargos superiores em que dá ordens, o tempo todo, a subordinados de menor escolaridade, essa massa de trabalhadores que nasce nas favelas e periferias, toma ônibus lotado e se submete à precariedade dos serviços públicos, só trabalha debaixo de chibatadas. Um bando de vagabundos que só se mete a procurar um emprego porque tem medo de entrar para o narcotráfico. Com um governo que cria programas sociais para todo tipo de necessidade dessa população, quem precisa trabalhar para sustentar essas políticas públicas são os setores médios. Assim se fecha a lógica do preconceito contra a maioria mais pobre de brasileiros e sua representação política. Imagina aquele senhor paulistano, indo para um resort em Porto Seguro, se encontrando na mesma poltrona de avião com o porteiro do seu prédio, que nas férias vai visitar os parentes no sertão baiano!

Está aqui o caldo pouco contornável que diferencia as duas manifestações deste final de semana. Os trocados roubados aqui e ali por elementos da maioria dos partidos políticos, e por empresários da mais alta estirpe, não passam de uma desculpa velha que a direita usa para disputar os recursos da União. Para isso, terceiriza o ódio cansado e antiquado da classe média como marionete de seus interesses. E estamos falando, aqui, daquela classe média que a filósofa da USP diz que é uma abominação política (fascista), ética (violenta) e cognitiva (ignorante).

Pela esquerda, a manifestação também pautou o combate à corrupção pela via positiva. Foram vários os gestos sinalizadores de uma postura propositiva frente ao caos informacional promovido pela imprensa. O primeiro deles foi defender a Petrobras, como empresa pública e saneada, em detrimento das faixas de domingo que pediam privatização da estatal. O segundo foi a defesa da reforma política para enfrentar com uma pauta concreta, aquilo que a direita só quer enfrentar com prisão de corruptos seletivamente escolhidos. O outro gesto foi defender a soberania do voto popular. Dilma fica! O resto é golpismo de quem ainda não aceitou a derrota.

Na Parada do Orgulho Reacionário os grupos se conflitavam da reivindicação mais hegemônica -Fora Dilma-, à mais polêmica -intervenção militar, já-,  com rechaço aos parentes mais radicalizados de Santo André, os neonazistas do ABC, que acabaram presos. Na Marcha da Esquerda, as divergências também estavam presentes, ainda que sufocadas pela gravidade do momento. Entidades dos vários espectros da esquerda procuraram engolir o sapo de suas diferenças táticas e unificar a voz em defesa do mandato presidencial, diante do ataque que se anunciava para dali algumas horas. As críticas ao ajuste fiscal anunciado pela equipe econômica de Dilma transmutaram-se na defesa dos direitos trabalhistas.

No cômputo geral, a mídia deu seu recado ao demonstrar força ao mobilizar os milhões de domingo em torno de sua pauta golpista. O Governo precisa dar uma resposta à altura, sob a ameaça de manifestações sistemáticas. A resposta tende a ser recuada e conservadora, como esperam as corporações de direita. Toda resposta ofensiva e progressista irá contra a pauta odiosa das manifestações. O objetivo da mídia nada mais é que barrar as reformas estruturais propostas durante a eleição e imobilizar o governo.

O desafio maior será dos setores que se manifestaram na sexta-feira, 13. Mobilizar a maioria que elegeu Dilma, convencendo-os de que o prejuízo será grande sem ela. Fazer sua pauta estratégica chegar aos trabalhadores em meio ao silêncio ensurdecedor da mídia. Se, antes, a imprensa estava insegura de sua base, e ensaiou uma cobertura menos parcial da manifestação vermelha; com o sucesso da venda de camisas da CBF, ela estará ainda menos disposta a abrir espaço para a pauta progressista.

Os olhos estarão voltados, agora, para aqueles que fizeram o sucesso de sexta-feira, reunindo um número inédito de militantes sociais, em pleno dia útil, debaixo de chuva de canivetes. A garra ideológica vista em meio às enxurradas do fim de verão foi um sinal alentador para uma esquerda que tem enfrentado o massacre midiático com paciência e sem pânico. Agora, é manter a frieza, torcer para uma pauta positiva e incisiva de um governo que está apenas começando, e reconquistar a classe trabalhadora para a defesa de seu destino.

Para o ódio expresso pelos derrotados, só nos resta observar, lamentar e esperar que o tempo passe, as conquistas se consolidem, e seus gritos desesperados se tornem o triste ganido doentio de um passado enterrado. Do contrário, suas vitórias são momentâneas e frágeis, diante da força de uma classe trabalhadora que se torna cada vez mais consciente de seus direitos e potencialidades. Mostrar claramente quem está do lado daqueles que menos têm quem os defenda, é tarefa tão transparente, quanto são obscuras as artimanhas da direita para manipular a opinião da classe média.