Nova Iorque – Imediatamente a seguir à crise  financeira mundial ter eclodido  em 2008, eu avisei que a menos que fossem adoptadas  políticas  corretas, o mal-estar estilo japonês – crescimento lento e rendimentos quase que estagnados durante anos sucessivos – poderia instalar-se na Europa.  Apesar de os líderes de ambos os lados do Atlântico afirmarem que tinham  aprendido as lições do Japão, eles prontamente começaram a cometer exatamente  alguns dos mesmos erros. Agora, até mesmo um anteriormente alto funcionário da Administração Americana, o economista Larry Summers, nos avisa de que estamos a caminhar para uma estagnação secular.

O ponto básico que eu levantei há já meia década  foi de que, num certo sentido fundamental, a economia dos EUA estava já doente mesmo antes da crise: foi apenas uma bolha sobre preços de  ativos, criada  através da desregulação  laxista e das baixas taxas de juro, que dava a sensação de uma economia robusta. Abaixo da superfície, numerosos problemas foram fazendo apodrecer a situação económica: uma crescente desigualdade; uma necessidade não atendida de reforma estrutural (uma economia a movimentar-se da produção de bens e serviços  e a adaptar-se  às   mudanças globais nas vantagens comparativas); desequilíbrios globais persistentes; e um sistema financeiro mais em sintonia com a especulação  do que em fazer investimentos que criassem empregos, aumentassem  a produtividade e se retomassem  os excedentes para maximizar a rentabilidade social.

A resposta  à crise  feita pelos  formuladores de políticas não conseguiu solucionar esses problemas; pior ainda, foram  agravados  alguns deles e criaram-se  novos  problemas  – e não apenas nos Estados Unidos. O resultado tem sido o aumento do  endividamento em muitos países, com  o colapso do PIB a minar as receitas públicas. Além disso, o subinvestimento  quer no setor  público quer  no  setor privado tem criado uma geração de jovens que passaram anos na situação de desempregados,  e cada vez mais alienados até ao  ponto das suas vidas em que deveriam  estar   a  aprimorar  as suas competências  e a fazer aumentar a sua produtividade.

Em ambos os lados do Atlântico, é provável que o PIB   tenha crescido consideravelmente mais rápido este ano do que em 2013. Mas, antes dos dirigentes que defenderam e aplicaram as medidas de austeridade abrirem  o champanhe e brindarem aos seus sucessos, eles devem examinar onde é que estamos e considerarem as perdas irreparáveis  que provocaram com  estas políticas.

Cada crise eventualmente terá um fim. A marca de uma boa política é que ela consegue fazer a recessão menos profunda e de menor duração do que teria sido no caso contrário. A marca das políticas de austeridade que muitos governos abraçaram é que estes  tornaram a  crise muito mais profunda e muito mais duradoura do que era necessário, com consequências que vão permanecer  por muito tempo.

O PIB  per capita (ajustado pela  inflação) é mais baixo na maioria do Atlântico Norte do que era em 2007; na  Grécia, é estimado que  o PIB caiu cerca de  23%; na  Alemanha, o país europeu de melhores resultados económicos na zona euro   registou um magríssimo crescimento  de  0,7% em média  anual durante os últimos seis anos. A economia dos E.U. está ainda com um PIB inferior em 15% ao  que seria o seu PIB supondo mesmo que  a trajectória de crescimento tivesse  continuado ao nível bem moderado de antes da crise.

Mas mesmo estes números não nos contar a história completa de como as coisas são, porque o PIB não é uma boa medida de sucesso. Muito mais relevante é o que está a acontecer  com os rendimentos do agregado familiar. O rendimento real mediano nos Estados Unidos está abaixo do  seu nível em 1989, um quarto de século atrás; o rendimento mediano para os  trabalhadores masculinos a tempo inteiro é menor do que  o era há mais de 40 anos.

Alguns, como o economista Robert Gordon, sugeriram que nós nos devemos  ajustar a uma nova realidade na qual o decrescimento da produtividade a longo prazo será significativamente abaixo do que foi ao longo do século passado. Dado o registo miserável dos economistas – reflectido no período que antecedeu a crise – para previsões de até  três anos, ninguém deve ter muita confiança numa bola  de cristal que durante décadas faz previsões para o futuro. Mas a situação parece muito clara: a não ser  que mudem as  políticas do governo, estaremos perante  um longo período de decepção.

Os mercados não são autocorrectores. Os problemas fundamentais subjacentes que indiquei anteriormente – e muitos foram eles – podem ficar ainda piores. A desigualdade leva a uma fraca procura; alargando  a desigualdade enfraquece-se a procura  ainda mais; e, na maioria dos países, incluindo os Estados Unidos, a crise só tem piorado a  desigualdade.

Os excedentes  comerciais do norte da Europa têm aumentado, enquanto os da China se têm  moderado. Mais importante, os mercados nunca foram muito bons em alcançarem  transformações estruturais rapidamente por si próprios; a transição da agricultura para a indústria  transformadora,  por exemplo, foi tudo menos suave; pelo contrário, foi acompanhado por grandes deslocações de pessoas e pela Grande Depressão.

Desta vez também não é diferente, mas em alguns aspectos é até mesmo bem pior:  os sectores que deveriam estar a crescer, reflectindo as necessidades e os desejos dos cidadãos, são serviços como a educação e a saúde, que tradicionalmente têm sido financiados publicamente, e por boas razões. Mas, em vez do governo facilitar a transição, a austeridade está a agravar a situação, impedindo essa mesma transição.

O mal-estar é melhor do que uma recessão, e uma recessão é melhor do que uma depressão. Mas as dificuldades que enfrentamos agora não são o resultado das leis inexoráveis da economia, às quais  nós simplesmente nos devemos  ajustar, como o faríamos  face a  uma catástrofe natural, como um terremoto ou tsunami. Estas leis não  são nem uma espécie  de penitência que temos que pagar pelos pecados do passado – embora, para sermos mais precisos, as políticas neoliberais que prevaleceram nas últimas três décadas têm muito a ver com a nossa situação actual.

Em vez disso, as nossas dificuldades actuais são o resultado de políticas erradas. Existem alternativas. Mas nós não as vamos  encontrar  na complacência e na auto-satisfação das elites, cujos rendimentos e carteiras de valores mais uma vez dispararam em forte crescimento . Apenas uma parte da população, ao que parece, se deve adaptar a um padrão de vida permanentemente baixo. Infelizmente, acontece que estas pessoas são a maioria  das pessoas.

Tradução de Júlio Marques Mota para A viagem dos argonautas.

Publicado originalmente em Project Syndicate, 6 de fevereiro de 2014