Recentemente, surgiu a polêmica questão se é, de fato, necessário adjetivar o desenvolvimento – sustentável engloba os aspectos socioeconômicos e ambientais –, e/ou classificar seus defensores em “novos desenvolvimentistas” ou “social-desenvolvimentistas”. Aceita-se que o grande conceito ordenador do desenvolvimento são os direitos, os direitos civis, econômicos e sociais, ou seja, a cidadania, que inclui a expansão das liberdades substantivas a la Amartya Sen.

Não se deve reduzir um debate intelectual entre as correntes de pensamento do Desenvolvimentismo a um choque entre caricaturas dos oponentes.

É simplismo reducionista dizer que os social-desenvolvimentistas seguem, ipsis literis, o Clássico (“Velho”) Desenvolvimentismo com seu superado Modelo de Substituição de Importações e o Novo Desenvolvimentismo lhe contrapõe um moderno Modelo de Substituição de Exportações, ou seja, uma mudança da pauta exportadora do predomínio de bens básicos para bens manufaturados.

Talvez a discordância política maior entre o Novo Desenvolvimentismo e os social-desenvolvimentistas seja quanto à avaliação da repartição social do custo e do benefício envolvidos na neutralização da Doença Holandesa para o florescimento de uma Indústria de Transformação exportadora a la modelo asiático.

Os social-desenvolvimentistas discordam do professor Luiz Carlos Bresser-Pereira (EESP/FGV), que acha que “o custo envolvido na neutralização da tendência a uma cíclica e crônica sobrevalorização da taxa de câmbio é temporário e relativamente pequeno: ele envolve uma elevação da inflação e uma redução de todas as rendas em termos reais (os salários, os juros, as alugueis e os dividendos), exceto os lucros das empresas exportadoras”.

Em médio ou longo prazo, ele promete que “o resultado de suas propostas políticas será o incremento de oportunidades lucrativas, um acréscimo na taxa de investimento e na taxa de exportação de bens manufaturados, e por último, mas não menos importante, um atingimento de superávit no balanço de transações correntes que implica mudança do equilíbrio corrente para o equilíbrio industrial”.

Para viabilizar essas propostas, politicamente, ele terá que provar que toda a nação se beneficiará com isso e não apenas os industriais paulistas e seus empregados protegidos pela moeda nacional depreciada…

Os seres humanos têm objetivos diferentes. Para os alcançarem, eles se agrupam em castas. São necessárias alianças e uma grande variedade de redes e instituições que estabeleçam alguma forma de cooperação social para o exercício do Poder por parte de algumas castas eventualmente hegemônicas.

Hoje, o mercador é poderoso em algumas áreas de negócios como bancos e comércio externo, mas menos forte em firmas industriais complexas, onde os sábios-tecnocratas têm mais influência sob a forma de gestores. A aliança com essa casta de sábios-intelectuais é imprescindível para sua hegemonia.

Os social-desenvolvimentistas defendem uma aliança a la social-democracia europeia. Como mostra David Priestland (2014), desde meados do século XIX, com as indústrias e os Estados se tornando mais complexos, os sábios-tecnocratas vêm oferecendo planejamento e perícia.

Contudo, o crescimento do Estado de Bem-Estar Social em vários países, fruto da aliança entre sábios-desenvolvimentistas e trabalhadores organizados, e a generalização do ensino superior após a Segunda Guerra Mundial contribuíram para o surgimento de uma nova casta criativa de profissionais prestadores diretos de serviços “focados em pessoas” – professores, médicos, assistentes sociais, etc.

Ela valorizava as competências de autonomia e criatividade, após os anos 1960. Juntamente com seus colegas universitários, colocados em um mundo de negócios mais flexível e orientado para o consumidor, eles se rebelaram contra a aliança entre guerreiros e tecnocratas, abrindo caminho para o domínio do comerciante.

Nos últimos trinta anos, o comerciante e a mentalidade mercantil vêm predominando em boa parte do mundo. O amor pela eficiência e pela produtividade gerou a abundância na sociedade de consumo. Segundo Priestland, “o cosmopolitismo tolerante sustentou a promessa de um mundo unido pelo comércio interno e externo, onde a guerra seria inconcebível. A visão do mundo como um vasto mercado – ‘uma democracia dos consumidores’ – ajudou a dissolver as hierarquias étnicas e sociais das ordens anteriores”.

Para adentrar nessa ordem mercantil mundial, o Novo Desenvolvimentismo propõe sacrificar os salários reais dos trabalhadores-organizados, base de apoio político do atual governo brasileiro, em nome de beneficiar os preços em dólares dos produtos dos industriais, base de apoio político do neoliberalismo.

O Social-Desenvolvimentismo prioriza o controle da inflação e o desenvolvimento sustentado pela ampliação do mercado interno, isto é, crescimento da renda real e do emprego com política social ativa. Isto quanto à prioridade em curto prazo: o combate à retomada da inflação e a manutenção de baixa taxa de desemprego.

Quanto ao modelo de desenvolvimento em longo prazo, na verdade, os social-desenvolvimentistas acham ultrapassada a dicotomia desarollo hacia adentro versus desarollo hacia afuera. Porém, o fluxo corrente de comércio (exportação + importação) equivale apenas a 27,3% do PIB e o saldo líquido desse comércio exterior está muito distante de dar dinamismo e sustentar o crescimento da economia brasileira a la modelo exportador asiático. A chance maior é o Brasil se tornar um exportador de petróleo na próxima década.

Por todas essas razões econômicas, sociais e políticas, os social-desenvolvimentistas colocam a inclusão social no mercado interno como uma prioridade estratégica brasileira. Soma-se aos investimentos em infraestrutura (energia e extração de petróleo em águas profundas) e logística (transportes: rodovias, ferrovias, hidrovias, portos e aeroportos), para o País se tornar superavitário no balanço de transações correntes e o Fundo Social de Riqueza Soberana transferir seus rendimentos para Educação, Ciência e Tecnologia. Por essa estratégia, acrescentaram o epíteto “social” ao desenvolvimentismo.

Fernando Nogueira da Costa

É professor livre-docente do IE-Unicamp. Autor de “Brasil dos Bancos” (Edusp, 2012), ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal (2003-2007)

Publicado em brasildebate.com.br