A mobilidade internacional nos dias de hoje

O que está acontecendo no mundo do Ensino Superior em termos de mobilidade internacional? Segundo a UNESCO e o Institute of International Education (IIE) a mobilidade internacional cresce de forma significativa e constante ao longo dos anos. Conforme se observa no Gráfico 1, o IIE traz os seguintes dados que cumpre ressaltar: em 2000 tínhamos 2,1 milhões de estudantes em mobilidade; em 2005, o número passou para 3 milhões; em 2011 alcançou os 4,3 milhões.

Gráfico 1. Estudantes internacionais no Mundo – anos selecionados

Fonte: OECD, Education at a Glance, 2013.
Elaboração Institution of International Education, Project Atlas

Como podemos perceber, lidamos com números que são constantes e que seguirão esta tendência; previsíveis, portanto. Não poderia ser muito diferente pois tratamos de Universidades, instituições de ensino superior, via de regra, extremamente sólidas social, política e economicamente. As mais importantes Universidades possuem uma estrutura administrativa de porte para os Assuntos Internacionais, participam de Programas de mobilidade, possuem planos e metas, etc. De sorte que a tendência constante de crescimento não irá mudar.

Não obstante, alguns países podem se tornar protagonistas, entendendo o “jogo” da mobilidade internacional, para crescerem e se fortalecerem. Não é preciso aqui reiterar que a promoção da educação, intelectualidade, ciência e tecnologia, está pari passu com o desenvolvimento econômico de uma região, nação, bloco económico, etc.

O Programa Ciência Sem Fronteiras
O Programa Ciência Sem Fronteiras foi lançado no dia 26 de julho de 2011 – mas seu Decreto-Lei, de número 7.642, é datado de 13 de dezembro de 2011 – e prevê a concessão de 101.000 bolsas de estudos, para estudantes brasileiros, realizarem seus cursos ou parte deles em universidades de renome no exterior. Dentre essas 101.000 bolsas, 75.000 serão honradas por recursos orçamentários da União e 26.000 por empresas públicas ou privadas2.

O Programa tem como finalidade promover a competitividade brasileira em prol do desenvolvimento econômico nacional. De viés econômico-político, o Programa já possui diversas parcerias com empresas de grande relevo e trabalha com áreas prioritárias e estratégicas para o Brasil. Destas, estão incluídas áreas definidas como das ciências duras, tais como: as engenharias, produção de fármacos, biologia, nanotecnologia, energias renováveis ou não, tecnologia aeroespacial, entre outras.

Segundo os dados mais recentes, janeiro de 2015, foram implementadas 75.168 bolsas. No Gráfico 2 observa-se a distribuição destas bolsas por modalidade. Impera a modalidade “graduação sanduíche no exterior”, uma modalidade inovadora no campo da internacionalização do ensino superior brasileiro.

Gráfico 2. Programa Ciência Sem Fronteiras: Bolsas Implementadas por Modalidades

Fonte: Programa Ciência Sem Fronteiras (Painel de Controle), Janeiro, 2015
http://www.cienciasemfronteiras.gov.br/web/csf/painel-de-controle

Um programa estratégico
O Programa Ciência Sem Fronteiras (PCsF) é um Programa estratégico no que tange a educação superior do Brasil. Contudo, deve-se dizer, nem todos, entre gestores governamentais, universitários e professores, se dão conta do significado e das possibilidades desse factum principis.

O Programa pode ser caracterizado como estratégico pois um de seus objetivos maiores é internacionalizar as Instituições de Ensino Superior Brasileiras. Trata-se de um objetivo grandioso e que, se realizado de forma séria, planejada e dentro dos melhores padrões de excelência acadêmica, pode transformar o ensino superior no curto período de uma ou duas décadas. E transformá-lo significa, dentre outros: a) promover a tecnologia e a inovação – em particular em muitas universidades ainda carentes em pesquisa; b) fomentar as redes de pesquisa internacionais, o que leva ao enriquecimento intelectual e produção de novos conhecimentos; c) criar novas formas de ensino, com metodologias diferenciadas, a partir das experiências em Universidades estrangeiras3 ; d) incentivar o conhecimento de línguas estrangeiras, tornando as universidades, alunos e professores, mais competitivos e com mais interlocutores em termos globais – além de ampliar as estruturas cognitivas dos partícipes.

Além dessas transformações estruturais, possíveis, o PCsF pode, outrossim, sensibilizar a comunidade acadêmica, em particular os gestores de nível superior das universidades, da importância para o Ensino, Pesquisa e Extensão, da internacionalização e, de uma vez por todas, dotar os ainda minguados setores internacionais de maior status e estrutura (seja material – local, equipamentos, etc. – seja de recursos humanos – cargos de gestão e técnicos).

Relações internacionais e Educação Superior
É preciso notar ainda a carência em alguns âmbitos ministeriais de pensamento técnico e político de relações internacionais aplicado ao ensino superior. Os setores internacionais, não só nos Ministérios, mas também em Universidades, dentre outros, ainda não são ocupados por profissionais de relações internacionais. Entende-se: a área é relativamente recente no Brasil, embora já conte com 19 Programas de Pós Graduação no país e uma Associação – a Associação Brasileira de Relações Internacionais –, datada de 2005.4

Assim, é curioso notar que o Programa foi lançado e pensado a partir da Presidência da República (e não das áreas internacionais, políticas e técnicas, dos Ministérios de Educação e Ciência e Tecnologia). Foi a Presidência que compreendeu que “Intercâmbios educacionais em ciências são uma grande ideia, talvez uma das iniciativas diplomáticas mais importantes das políticas do continente.”, como sustentou o Embaixador estadunidense Thomas Shannon.5 Ao que se sabe, a Presidenta lançou o Programa após uma conversa com o Presidente Obama, que anunciara um Programa de envio de estudantes estadunidenses (100 mil) para países asiáticos.

Minha hipótese é de que o pensamento e o caráter estratégico do Programa deriva de uma compreensão ampla de Relações Internacionais. Possivelmente, a Presidência compreendera que a mobilidade internacional no Ensino Superior pode e deve ser encarada como uma Política Externa e uma Política Internacional. Para bom entendedor meia palavra basta: observe-se um dos programas mais antigos do gênero no mundo, o Programa Fullbright. Não é à toa que o Programa tem sua gestão a cargo do Departamento de Estado.

Por outro lado, a perspectiva estratégica comprova-se pelo comportamento do mais emergente global player contemporâneo, a China. No ano de 2001, por exemplo, a China nem aparecia como um dos 8 maiores países de destino (chamados host countries) da mobilidade global. Em 2012, a China não só aparece como ultrapassa os números percentuais de países com alta tradição neste campo como o caso da França, Alemanha, Austrália, Japão, – possuindo 8% de todos os estudantes globais em mobilidade em seu território, como se observa no Gráfico 3.

Gráfico 3. Os 8 maiores Host Countries da mobilidade global internacional


Fonte: Project Atlas, IEE.
http://www.iie.org/Research-and-Publications/Project-Atlas

A China também aumentou seu número de estudantes chineses que vão estudar no exterior: em 2011 foram 339.700 chineses a estudar fora de seu país, segundo o China Scholarship Council. O balanço dos estudantes em mobilidade, inbound e outbound – como se diz no jargão da área – mostra que existe por detrás dos números uma política pública expressiva. Obviamente, os números denotam uma Política que tem uma interface entre política externa e política educacional, tudo isso visando um crescimento econômico expressivo na busca de se fortalecer como uma das maiores potências mundiais.

Muito provavelmente a China esteja seguindo os passos dos EUA em matéria de politica externa de internacionalização em educação superior. Ou seja, a China está apostando em um crescimento econômico, amparado pelo avanço da ciência e tecnologia, e, ao passo está investindo em Cultura Política. Aqui, trata-se de empregar algumas lições de Gramsci, o que os EUA soube e sabe fazer muito bem. O Programa Fullbright, dos EUA, um dos mais antigos e fortes programas de mobilidade do mundo, está sob a guarda da Divisão de Assuntos Educacionais e Culturais do Departamento de Estado. Eis algumas palavras descritas no site do Bureau que deixam clara a política externa do país:

A missão é aumentar o mútuo entendimento entre o povo dos Estados Unidos e os povos de outros países através de intercambios educacionais e culturais, que auxiliam no desenvolvimento de relações de paz6.

Trata-se não apenas de um desenvolvimento científico, trata-se da conquista de “corações e mentes”, da promoção de hegemonia a partir dos valores e símbolos de uma determinada cultura nacional.

Nada de novo no front para quem estuda um pouco das relações internacionais: observamos apenas uma política externa de educação superior eficiente que busca, de forma pragmática, realista e sistemática, a promoção do desenvolvimento científico (e com isso politico, econômico e social) de seu país, por um lado e, por outro, a expansão de seus valores e símbolos para o mundo, criando um processo de convencimento hegemônico. Os frutos que se colhem são, portanto: Poder.

1 Coordenador de Relações Internacionais da Reitoria da Universidade Estadual da Paraíba e membro do Coletivo de Relações Internacionais da Secretaria de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores. [email protected]

2  Num primeiro momento as parceiras eram: Febraban, CNI, ABDIB, Petrobras, Eletrobrás e VALE.

3 Em muitos países da União Europeia, por exemplo, a estrutura de ensino, pós Plano Bolonha, modificou-se radicalmente.

4 Não obstante, este quadro pode mudar em pouco tempo. Os cursos de graduação e pós graduação na área promovem a formação de profissionais altamente qualificados para atuarem nas relações internacionais nos diversos âmbitos de atuação do Poder Público, setor empresarial e social (entre ONGs, sindicatos, movimentos, entre outros).

5 http://portuguese.brazil.usembassy.gov/pt/events2/avano-estratgico-do-br…

6 http://eca.state.gov/ , tradução própria.

Publicado em Agência Fundação Perseu Abramo