Dois grandes perdedores

Um balanço das eleições revela uma disputa acirrada, palmo a palmo, e muito polarizada, em termos políticos, programáticos e sociais.

No primeiro turno, houve dois grandes perdedores: Marina Silva e os institutos de pesquisa.

Marina perdeu a disputa com Aécio por muito. Todos os institutos mostravam a candidata do PSB à frente, quando ela, de fato, esta muito, mas muito atrás mesmo.

Ibope, Datafolha, Vox Populi e tantos outros mostraram que andam menos confiáveis que o tarô. Suas margens de erro reais são absurdas.

Na quinta-feira, quando sair uma nova rodada de pesquisas, a melhor precaução que se pode ter é deixá-las de lado, para mais e para menos.

Com sua segunda derrota consecutiva, Marina pode ainda partir para um tudo ou nada neste segundo turno, tomando partido na polarização contra a qual se dizia contrária (PT x PSDB) e acentuando seu desgaste político com uma parte de sua base.

Eleição polarizada e lulismo em campo

O quadro que se configura no segundo turno é de uma disputa dura e polarizada em termos programáticos e sociais entre PT e PSDB.

Em grande medida, o mapa da disputa reforça a explicação sobre o lulismo, do cientista político André Singer.

A hipótese é a de que, com o governo Lula, o PT sofreu um realinhamento político e também social. Principalmente a partir das eleições de 2006, deixou de ser um partido principalmente de classe média e passou a ser um partido cujos votos dependem, sobretudo, dos mais pobres.

Por isso, as votações no Nordeste e Norte do país, nas cidades mais pobres do interior e na periferia das grandes cidades garantiram a grande votação de Dilma.

Se, em 2010, quando Singer formulou a tese, a principal crítica que poderia ser feita era a de que ainda era cedo para se afirmar tal coisa, as eleições de 2014 insistem em uma tendência que não parece ser mero acaso.

O que era uma hipótese, em 2006, virou uma tese difícil de ser desmentida, depois de 2014.

Esse realinhamento era tudo o que o PT sempre quis: ser um partido do povão.

A contradição das contradições é que, com a transformação do Brasil em um país majoritariamente de classe média, a sorte do PT tende a ficar cada vez mais difícil nas eleições.

Outra tese consagrada por este pleito, mais uma vez, é a da estabilidade do quadro partidário e da força da polarização entre PT e PSDB, cujas vozes mais eloquentes são os cientistas políticos Argelina Figueiredo e Fernando Limongi.

O reverso da medalha é que, a partir de 2015, teremos um Congresso muito mais fracionado. De 22 partidos, agora serão 28 com assento na Câmara.

PT e PMDB continuam sendo os maiores, na Câmara e no Senado, mas tiveram uma grande diminuição de suas bancadas. Os números parciais indicam que o PT deverá chegar a 70 deputados – 18 a menos que os atuais.

O PMDB deve cair de 71 para 66 deputados.

O PSDB deve reconquistar o lugar de 3º maior partido na Câmara. Depois, PSD, PP, PROS e PSB se embolam como partidos médios.

A candidata dos pobres e da classe média contra o candidato dos ricos

A única saída se o PT quiser evitar esse movimento de gangorra, em que a aproximação dos mais pobres gera quase que automaticamente um afastamento da classe média, é evitar essa política de soma zero, em que os pobres ganham e a classe média se considera a grande perdedora – podemos acrescentar a ela os aposentados, uma legião cada vez maior de eleitores.

No segundo turno, além de manter o discurso para os pobres, será necessário não só Dilma falar mais para a classe média, como, acima de tudo, sinalizar mudanças efetivas que atendam às suas expectativas.

A classe média quer pagar menos impostos, menos juros bancários e de cartões; quer menores mensalidades de escolas e planos de saúde e, a propósito, quer intensificar as políticas regulatórias que incidem sobre a qualidade dos serviços privados (bancos, telefonia e internet, planos de saúde, transportes e mobilidade urbana e aeroviária).

Ambos, classe média e o povão, querem mais combate à corrupção e menos denúncias.

Dilma segurou sua votação e ajudou a desidratar a candidatura Marina quando a qualificou como uma candidatura dos bancos e feita sob medida para o “mercado”. Marina se foi, mas Aécio é quem melhor cabe nesse modelito.

Dilma reforçou seu apelo político quando abraçou o discurso da defesa dos direitos sociais e do emprego, das conquistas dos trabalhadores mais pobres, como o salário mínimo, da participação e do combate à corrupção.

Aécio está e estará atrelado à defesa do mercado, da redução da inflação a 3% – sem qualquer preocupação com o que isso acarreta na elevação da taxa de desemprego; na obsessão por dizer que vai entregar a Fazenda ao ex-funcionário de George Soros, Armínio Fraga.

É disso que se trata. É essa a disputa do segundo turno.

(*) Antonio Lassance é cientista político.

Publicado em Carta Maior