Impulsionado pela intensificação da campanha eleitoral, o debate sobre as causas e soluções para o lento crescimento da produtividade exibido pela economia brasileira nos últimos anos se faz cada vez mais presente. As causas mais mencionadas são as de natureza mais prática e, talvez por isso mesmo, virtualmente consensuais. Estão aí incluídas as lacunas de infraestrutura, as deficiências da educação e da qualificação da mão de obra, a escassez de investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico e o excesso de burocracia, dentre outras.

No entanto, a temática é muito mais complexa. Produtividade é uma síntese da vida socioeconômica e como tal é consequência de uma estrutura de incentivos e regulações que se desdobra em dezenas de elementos que explicitam as interações econômicas entre capital, trabalho e Estado. Por isso, o debate não pode se eximir de abordar também causas mais abstratas, que frequentemente motivam diagnósticos mais ideológicos e implicações quase sempre mais polêmicas.

Por razões compreensíveis, embora não justificáveis, no Brasil a atenção vem sendo atraída pela discussão das relações entre Estado e capital (que alguns eufemisticamente preferem chamar de mercado). Diante da enorme ênfase que se dá ao tema da intervenção do Estado na atividade econômica, as demais questões têm ficado em segundo plano. A relação capital-trabalho, antes o centro nevrálgico do debate sobre produtividade, é hoje bem menos valorizada. Já sobre a relação capital-capital pouco se fala. É é justamente nesse âmbito que se encaixa um dos temas mais relevantes para a formulação de políticas pró-produtividade: qual o papel da competição e, por extensão, da liberalização comercial na promoção da competitividade?

Os defensores da tese segundo a qual mais abertura gera automaticamente mais produtividade argumentam com a conjugação dos resultados positivos de três canais de transmissão: o efeito competição, pelo qual o aumento da pressão seletiva do mercado tende a eliminar as empresas menos eficientes; o efeito tecnologia, pelo qual o acesso a insumos e bens de capital fabricados no exterior tende a favorecer a incorporação de inovações; e o efeito especialização, pelo qual apenas os setores mais aptos a enfrentar a concorrência internacional tendem a progredir, “depurando” a matriz industrial das atividades menos produtivas.

A experiência com a liberalização comercial dos anos 1990 no Brasil mostrou que, primeiro, os ganhos de produtividade obtidos foram relativamente modestos e principalmente não sustentáveis e, segundo, que não houve resposta significativa em termos de exportações, investimento, crescimento e emprego.

Hoje, vinte e tantos anos depois, é razoável esperar que o efeito tecnologia, que foi de longe o principal vetor do crescimento da produtividade de então, mas que se caracteriza por ser do tipo “de uma vez por todas”, não revele a mesma importância, haja vista a grande parcela de insumos especializados e de bens de capital que já são correntemente importados. De modo similar, também não há muito o que esperar do efeito especialização pois essa trajetória já foi sendo gradualmente percorrida pela economia ao longo desses anos.

Resta, então, o efeito competição. Contudo, dentre os canais de transmissão esse é exatamente o mais fraco. A relação entre competição e produtividade é essencialmente ambígua. Mais competição pode sim modificar comportamentos das empresas em direção à busca de maior eficiência. Mas competição em excesso também pode levar a desperdícios alocativos em consequência de excedentes de capacidade produtiva, insuficiências de escalas técnicas e econômicas, exagerado turn-over de empresas, ruptura dos processos de aprendizado, dentre outros.

A literatura de economia industrial fornece uma miríade de modelos de competição estilizados, dotados de interessante capacidade didática. O modelo de Hotelling (1929), denominado cidade linear, recorre a uma analogia em que escolhas locacionais representam opções estratégicas que podem ser induzidas pelo processo competitivo. Nesse modelo, supõem-se dois fabricantes, que cobram preços iguais, diante de consumidores uniformemente distribuídos ao longo de uma avenida, que compram a mercadoria do vendedor mais próximo.

Não é difícil concluir que a melhor escolha locacional para as empresas é posicionarem-se lado a lado no meio da avenida, situação em que dividem igualmente o mercado. Pela analogia entre localização e estratégia, constata-se que o resultado da competição na cidade linear é a homogeneidade, quer dizer, o processo competitivo iguala as empresas. O aumento do número de empresas no mercado não modifica esse resultado, pois todas as entrantes irão buscar a mesma opção estratégica (localização central).

Obviamente, não está se afirmando aqui que a estrutura de incentivos e regulações que governa a organização industrial no Brasil favoreça ou não o modelo de competição da cidade linear. Contudo, se a produtividade decorre da inovação, ela irá depender de quanto a competição é capaz de incentivar a busca de diferenciação entre as empresas (concorrência schumpeteriana). Se é assim, a natureza da coordenação oligopolista que se estabelece na cidade linear será incompatível com uma trajetória de mudança estrutural geradora de ganhos sustentados de produtividade. Portanto, a questão não está na “quantidade” de competição e, sim, na “qualidade” dessa competição. É nessa dimensão eminentemente institucional que está o nó górdio do problema da produtividade.

David Kupfer é professor licenciado e membro do Grupo de Indústria e Competitividade do Instituto de Economia da UFRJ (GIC-IE/UFRJ) e assessor da presidência do BNDES. E-mail: [email protected]) www.ie.ufrj.br/gic As opiniões expressas são do autor e não necessariamente refletem posições do BNDES.

Publicado no Valor Econômico