Não, não foi a Seleção. A Seleção jogou muito mal, é claro. As fragilidades do time ficaram evidentes desde o início da Copa. Passamos aos trancos e barrancos por times como México, Chile e Colômbia, com Neymar e sem um meio de campo. Ante a Alemanha, um time solidamente estruturado, fruto de muitos anos de trabalho, sucumbimos com uma pane futebolística que nos fez levar cinco gols em vinte minutos.

Foi uma surra homérica. Foi futebolisticamente vergonhoso. Parecia uma reprise da luta entre a cavalaria polonesa e as divisões de panzers na Segunda Guerra Mundial, tamanha a desproporcionalidade das forças e do preparo. Mas esse não foi o grande vexame. Afinal, foi só um jogo de futebol. Um jogo de futebol com um resultado anormal, um jogo de futebol em que só um time jogou, um jogo de futebol que ficará como uma triste e constrangedora memória em todos os brasileiros, mas, enfim, só um jogo de futebol.

Tampouco foram um vexame a organização e a realização da Copa. Ao contrário, a Copa foi um enorme sucesso. Os estrangeiros que aqui estiveram elogiaram muito o Brasil e a organização do evento. Encantaram-se com a hospitalidade do povo brasileiro e com o clima de festa.  Tudo funcionou corretamente, ao contrário do que muitos previram. Os estádios, elogiados pelo uso de energias alternativas, ficaram prontos a tempo. Os novos aeroportos também. Não houve caos aéreo. Não houve insegurança. Não houve apagão, salvo o futebolístico. Foi, com toda justiça, a Copa das copas. De quebra, a polícia brasileira conseguiu o que ninguém, nem a Scotland Yard, havia conseguido: desbaratar a quadrilha da FIFA que manipulava a venda de ingressos.

O Brasil está de parabéns.

Porém houve, sim, grandes vexames.

Um grande vexame foi a desavergonhada torcida contra o país e até contra a própria Seleção.

Durante muitos meses, essa torcida de estridentes vira-latas previu o caos e o apocalipse na Copa do Mundo de 2014. Os aeroportos só ficariam prontos em 2038, diziam. As obras de infraestrutura, necessárias ao país e apenas aceleradas pela Copa, também não ficariam prontas. Haveria apagão durante a Copa, juravam eles com fervor. Não haveria segurança, asseguravam eles. Os turistas seriam impiedosamente assaltados aos magotes. As manifestações tomariam conta dos estádios e das ruas, tornando a Copa impossível.  Um senador da oposição chegou até a sugerir que o Brasil, por sua incompetência, renunciasse ao direito de sediar a Copa.

O movimento do “não vai ter Copa” impôs seu terrorismo psicológico, a ponto de fazer algo que parecia impossível: inibir a vontade de alguns brasileiros de torcer pela Seleção. De repente, torcer pela Seleção ou pelo sucesso do país na organização da Copa virou algo politicamente incorreto, quase um crime. Muita gente deixou de comprar ingressos, quando havia oferta. Muitos deixaram de fazer o que os brasileiros sempre fizeram em todas as Copas: colocar bandeiras em suas casas e carros, pintar suas ruas, etc. Empresários pequenos e médios, temendo o caos anunciado, deixaram de fazer investimentos para aproveitar melhor o fluxo financeiro gerado por esse grande evento. Turistas e torcedores estrangeiros, amedrontados, cancelaram sua vinda.

Parte do Brasil ficou com vergonha de ser Brasil. Esse foi um grande vexame.

A oposição e a mídia conservadora politizaram intensamente a Copa, apostando fervorosamente no seu fracasso e prevendo o caos anunciado que não veio. Mentiram e distorceram à vontade.  Goteiras, atrasos e tapumes adquiriram uma relevância jamais vista na história das Copas. Empréstimos do BNDES para a construção dos estádios, que representam somente 0,55% do que foi investido em Educação e Saúde, foram apresentados, sob essa ótica propositalmente distorcida, como uma demonstração de descaso do governo com essas áreas.  As mentiras e as distorções foram tantas que até a imprensa estrangeira, repercutindo a brasileira, passou também a prever o caos, provando que a imagem do país havia sido manchada por essa campanha desavergonhada. Outro grande vexame.

A partir daí vieram outros vexames, como os baixos xingamentos à presidenta transmitidos para o mundo inteiro e avalizados por candidatos da oposição.

Tudo isso foi feito com a indisfarçável intenção de obter dividendos eleitorais. Parvoíce pura e rasteira. Parvoíce e falta de vergonha. Querer que o país fracassasse ante o mundo para obter vantagens eleitorais é algo simplesmente abjeto. Algo verdadeiramente vexaminoso.

Entretanto, com o sucesso evidente da organização da Copa, passaram comicamente a acusar o governo de politizar a Copa, e o “não vai ter Copa” foi substituído por um mal-disfarçado “não vai ter hexa”.

Após a débâcle do Mineirão, as redes sociais se encheram de mensagens mórbidas comemorando o fracasso futebolístico e associando-o ao governo e ao PT, como se a própria Dilma tivesse escalado o time e estivesse em campo. Foi uma espécie de vingança dos vira-latas. Se a organização deu muito certo, então o time tem de dar muito errado. Afinal, vale tudo para impedir a reeleição da presidenta. Até queimar bandeira do Brasil, como alguns vexaminosamente fizeram.

Não vai colar. Não há relação entre resultado esportivo e resultado eleitoral. Em 1998, o Brasil perdeu a Copa, mas FHC não teve dificuldades para se eleger. Em 2002, o Brasil ganhou, numa final contra a Alemanha. No entanto, FHC, que recebeu o time no Planalto, não fez o seu sucessor. Em 2006, o Brasil perdeu. Fez uma Copa bem ruim. Porém, Lula se reelegeu. Em 2010, o Brasil voltou a perder, mas Lula fez a sua sucessora.  Copa não ganha eleição. O que ganha eleição é emprego, salário, distribuição de renda, oportunidades para os historicamente excluídos, etc. O resto é morbidez vira-lata e medidas impopulares.

Não, não foi a Seleção. Essa Seleção é bem fraquinha e mal-ajambrada, não há dúvida. Teremos de trabalhar muito, como fizeram os alemães após o fracasso de 1998, para voltar a ter um time à altura da nossa tradição. Contudo, não se pode acusá-los de não tentar e não se empenhar. Nunca jogaram contra. Eles ficaram sinceramente envergonhados por não terem conseguido dar alegria ao povo brasileiro.

Já os vira-latas não se envergonham de apostar no fracasso do país e do time para obter supostas vantagens eleitoreiras. Comprazem-se com a tristeza da derrota. A derrota do Brasil é a vitória deles.

Esse é o verdadeiro grande vexame. Um vexame histórico que a História não perdoará.