A estratégia de uma força política assemelha-se a uma caixa vazia que vai ganhando conteúdo no curso de apreensão da realidade. A consequência da organização encontra-se justamente numa prática dialética baseada a visão crítica – e de processo histórico da própria realidade. A visão de processo histórico confere absorção das leis de funcionamento da sociedade onde se pretende intervir politicamente. O PCdoB assim acerta ao buscar amalgamar amplitude e radicalidade como dois gânglios interdependentes e norteadores de nossa ação imediata.

O 13º Congresso Nacional do PCdoB apreendeu um dado objetivo, um verdadeiro enigma capaz de levantar o véu em torno de nossos processos políticos: o Brasil é uma formação social complexa, um país extenso e heterogêneo, onde a visão de mundo das classes dominantes e setores médios difere – substancialmente – de região para região.

A noção de formação social complexa – causa e consequência de um país continental que convive com diferentes níveis de desenvolvimento e mesmo de historicidades (séculos 17 e 21 convivendo em unidade e luta em curtas distâncias geográficas) – é a chave para compreender a necessidade de amplitude política. Numa situação posta historicamente desta forma, dificilmente uma única força política conseguirá ampla hegemonia sobre a sociedade. Sociedade essa que se move de forma lenta, gradual e segura. Logo, a correlação de forças está sujeita a lentos processos de acúmulo, no sentido qualitativo do termo.

A complexidade de nossa formação demanda formação de maiorias heterogêneas que também refletem unidade e luta em um único espaço (superestrutura). Daí termos em mente que o Brasil ainda vive um processo de transição do neoliberalismo ao NPND que está sendo – e deverá ser – de longa duração. O novo e o velho convivem num mesmo corpo, da mesma forma que um a transição de um modo de produção a outro – em nosso país – ocorre como um verdadeiro parto que gera modos de produção complexos. Assim é o Brasil e a forma como o PCdoB aplica o materialismo histórico à nossa realidade.

Materialismo histórico à brasileira, formação social complexa, transições lentas graduais e seguras, maiorias heterogêneas, unidade de contrários no seio da superestrutura. Acúmulo lento de forças e saltos qualitativos limitados pela natureza da própria formação social e política complexas. Trata-se de um “enigma da esfinge” que pode nos devorar caso não tenhamos capacidade de desvendá-la. E o PCdoB a tem sido vitorioso nesta tarefa, notadamente a partir de nosso 8º Congresso (1992).

Assim sendo, se a amplitude é uma lei (não regra) objetiva de uma força política que intenta a transformação profunda de uma sociedade complexa, o que seria, então, a estratégia?

A estratégia é claramente a luta pelo socialismo. Porém, toda estratégia corre o risco de se assemelhar a uma caixa vazia. Sim, a estratégia é uma caixa vazia que deve ser preenchida ao longo do processo de apreensão da totalidade concreta. Totalidade concreta é sinônimo de história, de ciência histórica. O caráter da dita “radicalidade” (como o outro gânglio que se forma ao lado da “amplitude”) reside em capacidade de ir à raiz de nós mesmos e da realidade concreta. No caso, ir à raiz do Brasil. Não vou repetir letras sobre nossa raiz complexa aferidora de transições lentas e complicadas levadas adiante por maiorias heterogêneas.

O que interessa, estrategicamente, é termos a noção exata que nenhuma transição ao socialismo pode ocorrer da mesma forma que as transições anteriores: o proletariado – ao contrário da burguesia em detrimento dos senhores feudais – nunca poderá exigir o poder político como consequência de sua transformação em classe dominante do ponto de vista econômico. Mais, o socialismo (em detrimento de seus modos de produção predecessores) é a única proposta de sociedade baseada numa proposta do fim da exploração humana pelo próprio homem. Dois complicadores históricos de imensa magnitude.

Ao lado destes complicadores está o próprio DNA do nosso país. Logo, seria estranho acreditarmos que o socialismo por aqui será conquistado pela via de um golpe ou de uma simples rebelião das relações de produção contra as forças produtivas atrasadas. A longa duração de mais essa transição demanda a elaboração de um projeto político de nível superior, daí o próprio NPND ser sinônimo de amplitude e radicalidade pelo seu caráter tanto nacional, antiimperialista e revolucionário.

Sua consecução não depende somente pelo nível de acúmulo de forças que o PCdoB alcançar, afinal transições adiante só podem ocorrer sob um consórcio de forças e não por uma única unidade política iluminada. Depende de um estado geral da sociedade que se acondicione e seja ganha para uma realidade que só se move para frente quando se clarifica quem é a favor ou não do desenvolvimento.

Tenho dito que o desenvolvimento é a essência da revolução brasileira. Mas, existe uma sutil dialética nesta afirmação. Quer dizer que alcançaremos o desenvolvimento das forças produtivas conduzirá, “naturalmente”, o Brasil ao socialismo? Tornamos-nos, o PCdoB, um arremedo kautskyano? Às duas perguntas respondo que não.

O desenvolvimento das forças produtivas não nos conduzirá ao socialismo e sim os desequilíbrios e tensões – internas e externas – poderão ser o motor que nos conduzirá ao socialismo. Não é à toa que existe um verdadeiro exército midiático, político e intelectual contra o desenvolvimento brasileiro que se arvora numa superestrutura antidesenvolvimentista consolidada pelo Plano Real. Daí o aspecto revolucionário da luta pelo desenvolvimento como chave ao NPND (capitalismo de Estado): anteporta lenta, gradual e segura ao socialismo, conforme Lênin e, ao caso brasileiro, Ignacio Rangel.

Por fim, não somos kautskyanos. Somos marxistas-leninistas e brasileiros. Ambos atributos nos condicionam a uma postura séria, materialista e responsável sobre os destinos de nosso país. O Brasil não é a Grécia, a Venezuela, nem tampouco a Bolívia, o Equador ou a Argentina. Estamos mais para José Bonifácio e Ignacio Rangel do que gênios da estatura de Simón Bolivar e Mariátegui. O Brasil, conforme Tom Jobim, “não é para principiantes”. Logo, nosso marxismo-leninismo não pode ser para principiantes nem para a irresponsabilidade anexa a qualquer principiante.

* Doutor e Mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP. Do Conselho Editorial da Revista Princípios e membro do Comitê Central do PCdoB.