Nada de alternância, nada de poder, nada de democracia

O discurso da alternância no poder apareceu na avenida para desfilar na campanha eleitoral. É daqueles carros alegóricos grandes, pomposos e reluzentes.
Inconsistentes, feitos de papelão e isopor, cheios de gente para empurrar, por baixo dos panos, e “curtir” como se fosse o suprassumo do espírito democrático.

À frente desse carro alegórico, as duplas de mestres-sala e porta-bandeiras: Eduardo Campos e Marina Silva; Aécio Neves e Fernando Henrique Cardoso.

“O que eu acho é que temos de ter alternância no poder. O PT está há muito tempo no poder”, disse Fernando Henrique Cardoso.

“É importante que todo tempo os partidos possam experimentar governar, fazer oposição”, recomendou Eduardo Campos, do PSB.

Se a lógica de FHC for válida, já passou da hora de o PSDB parar de governar São Paulo. Estão lá desde 1995 e depois falam mal do chavismo.

Os 12 anos de PT no Governo Federal são do mesmo tamanho dos 12 anos de PSDB no Governo de Minas Gerais. Também já chega por lá, nas Alterosas?

Pela lógica de Eduardo Campos, se cada partido tem que ficar um tempinho no governo e, depois, na oposição, um dia seremos governados pelo PSC de Marco Feliciano.

Fala-se em alternância como se fosse um princípio democrático. Nunca foi. O princípio democrático fundamental é o da soberania popular. A troca de governantes não é dada pelo “princípio” da alternância, e sim pelo da supremacia da vontade popular.

O povo mantém os governantes se está satisfeito; troca, se achar que há outros melhores para pôr no lugar.

Os discursos que propalam uma alternância no poder não têm nada de alternância e não mexem numa única vírgula das relações de poder.

Aécio e Eduardo Campos já confessaram seus programas. Entoam, em uníssono, o hino para “resgatar o tripé” do Plano Real: metas rígidas de inflação, câmbio flutuante e controle dos gastos públicos.

Enquanto PSDB e PSB falam de tripé, estão mostrando o que são: uma mesmice, embrulhada para presente dentro de um tédio, enfeitada com um laço de monotonia.

No célebre romance de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, “O Leopardo”, o velho aristocrata diz que “é preciso mudar para que tudo continue como está”.

Este é o espírito do discurso da alternância que trata o poder e a democracia mais como dança das cadeiras do que como inovação política promotora de transformação social.

Alternância no poder deveria supostamente significar mudança no poder. O poder muda de mãos para que as novas mãos mudem, em alguma medida, as relações de poder. Do contrário, mudar para quê?

Certamente, não é disso que falam FHC e Aécio. A alternância que pedem é a volta do padrão de desenvolvimento excludente, de baixo crescimento, desemprego em alta, desvinculação de receitas da saúde e da educação, desmonte do Estado, desregulação da economia e uma política externa rebaixada.

Esses eram os fundamentos do Plano Real de FHC, rompidos por Lula. Esse foi o padrão abandonado também durante o governo Dilma. Romperam sem alterar muitas das relações que fogem aos horizontes restritos dos poderes de uma Presidência da República.

Mesmo assim, mexeram com variáveis-chave do jogo político e da estrutura de interesses da sociedade. Do contrário, não haveria tanto ódio de classe contra Dilma, contra Lula, contra o PT e o petismo.

De forma democrática, é preciso décadas para que possam ser feitas grandes mudanças. Interromper tais mudanças no meio do caminho é, na verdade, uma maneira de frustrar a alternância no poder, e não de garanti-la.

Outra maneira de frustrar a verdadeira alternância é o próprio governo desistir de seu programa de mudança no meio do caminho. Se isso ocorrer, pouco valem anos ou mesmo décadas de exercício do poder.

Mais Dilma ou uma outra Dilma?

Pesquisa após pesquisa, fica claro que os eleitores querem mudança. O favoritismo de Dilma, sujeito a oscilações, para mais ou para menos, mostra que o desejo de mudança não necessariamente quer dizer vontade de trocar de partido e de presidenta.

Pode ser Dilma mais uma vez, desde que não seja a mesma Dilma. Assim como o Lula de 2006 não era o mesmo Lula de 2002.

Lula promoveu uma alteração de seu programa do primeiro para o segundo mandato. Fez “o que precisava ser feito” – como ele mesmo gostava de dizer – , nos primeiros quatro anos, e foi muito mais ousado em seu segundo mandato. Primeiro, deu um passo; depois, um salto.

A mesma história de Lampedusa traz outra frase, menos conhecida:

“Uma casa em que já se conhecem todos os cômodos não é uma casa em que valha a pena viver”.

O Brasil ainda é uma casa pequena e de muitas portas fechadas. O que se deve mostrar, em uma eleição, é quem tem as chaves para abri-las e a disposição para criar novos espaços que não estejam reservados a uns poucos.

Do lado oficial, está na hora de Dilma preparar sua própria reviravolta, tal como Lula fez entre seu primeiro e segundo mandatos.

Se, como dizia o general grego Xenofonte, estratégia é a arte de surpreender o adversário, ao que parece, ou a estratégia oficial ainda não está preparada, ou está muito bem guardada. Isso a poucos meses das eleições.

Em 2006, quando apareceu a turma da “alternância no poder”, Lula surpreendeu-os na política com uma plataforma de aprofundamento das mudanças. É disso que o Brasil precisa, mais uma vez.

(*) Antonio Lassance é cientista político.