Os termos do acordo foram fixados em declaração escrita.[1] O acordo foi examinado por um grupo de enviados europeus e políticos, e por um “representante especial do presidente da Federação Russa”.[2]

Em seguida Yanukovich anunciou eleições antecipadas, a volta a um regime parlamentar de governo e que se constituirá um governo provisório de unidade nacional.[3] 

À primeira vista, o acordo tem ares de encobrir uma manobra conjunta de União Europeia e Rússia, quando, de fato, Moscou continua a manter silêncio impenetrável sobre os eventos na Ucrânia. A União Europeia, representada pelos ministros de Relações Exteriores de Alemanha e Polônia, capitalizou a violência crescente e a indecisão de Yanukovich, para forçar um acordo; e Moscou ficou sem escolha, além de deixar-se ver como ‘vai-com-os-outros’.

Com toda a probabilidade trata-se de um recesso. É o que se vê claramente nos relatórios divergentes publicados por Washington e Moscou do telefonema que o presidente Barack Obama fez para Vladimir Putin, e da conversa que tiveram, na 6ª-feira.

O relatório distribuído pelo Kremlin[4] não menciona o acordo em Kiev; em vez disso destaca o “trabalho com a oposição radical” que a Rússia culpa por ter criado o perigoso confronto (por instigação do ocidente, é claro). E o relatório distribuído pela Casa Branca[5] prefere destacar a “necessidade de implementar rapidamente” o acordo em Kiev e a necessidade de reformas (neoliberais, claro) para pôr ordem na economia política da Ucrânia.

Evidentemente, o desacordo EUA-Rússia vai-se aprofundando – embora Obama tenha acrescentado uma pitada de açúcar à pílula amarga, dando parabéns a Putin, embora atrasados, pelo sucesso dos Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi. Por que “pílula amarga”?

Em resumo: Washington passou a perna em Moscou, num movimento espetacular (embora sujo) na crise ucraniana. Depois de acender os estopins dos protestos contra a decisão de Yanukovich de aceitar o resgate de $15 bilhões que a Rússia ofereceu, o confronto cresceu como bola de neve até se converter em exigência de ‘mudança de regime’ e rapidamente ganhou proporções de crise, com a injeção de elementos radicais nos protestos.

A violência subsequente, por sua vez, foi pretexto perfeito para a diplomacia ocidental de coerção, que tirou vantagem da personagem política de Yanukovich.

O resultado aí está. Uma ‘oposição’ sem qualquer representação e nutrida por Alemanha e Polônia está sendo catapultada para o poder; e cria-se um governo de ‘unidade nacional’. A questão difícil, porém, vem agora: como pilotarão o barco ucraniano?

É claro que a geopolítica está no centro de tudo que está acontecendo, como se vê claramente na reignição das ambições históricas de Alemanha e Polônia em relação à Ucrânia como sua ‘esfera de influência’.

Como o Japão no Pacífico Asiático, a Alemanha também proclamou sua intenção de tornar-se país ‘normal’; e a Ucrânia é a arena na qual a Alemanha pós-2ª Guerra Mundial pela primeira vez flexiona seus músculos (diplomáticos).

Na recente Conferência de Segurança de Munique, a Alemanha destacou que está pronta para liderar. Como está fazendo também com o Japão, os EUA estão encorajando a Alemanha a tornar-se país ‘normal’, a inflar suas proezas militares e exibi-las no cenário mundial quando a segurança coletiva está envolvida.

Os EUA esperam assim fortalecer sua própria liderança transatlântica; e, no contexto da Ucrânia, haveria outro ganho adicional para Washington, porque tudo faz crer que a robusta relação Alemanha-Rússia, que os EUA sempre detestaram, começa a ser abalada.

Isso posto, a Rússia enfrenta a possibilidade de um regime assumidamente pró-ocidente substituir Yanukovich. O pior que pode acontecer é esse regime favorecer o alinhamento da Ucrânia como membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN, o que levaria a aliança ocidental literalmente para junto do portão dos russos.

A Rússia apostou que, afrouxando os cordões da bolsa e oferecendo resgate que a depauperada União Europeia não poderia superar para reviver a economia ucraniana, conseguiria impedir que Kiev gravitasse na direção do ocidente.

O ocidente respondeu com mais uma encenação de ‘revolução colorida’. Simples. O anúncio por Moscou, na 2ª-feira, de que daria mais $2 bilhões à Ucrânia (além dos $3 bilhões dados em dezembro) com certeza precipitou a violência dos confrontos e o atual ‘desenlace’.

A Ucrânia passará por uma ‘terapia de choque’, se é que haverá ‘reformas’, e talvez se qualifique para receber a ‘ajuda’ da União Europeia e do FMI – desregulação, cortes nos ‘gastos’ sociais, congelamento de salários e demissões, pressão contra os sindicatos, etc.

Mas o país já está virtualmente dividido ao meio, com as regiões do leste ligadas por laços muito fortes com a Rússia.

Não surpreendentemente, a Casa Branca festejou o acordo da 6ª-feira.[6] Moscou, por sua vez, ainda não se manifestou sobre o acordo – mas Putin aproveitou uma reunião do Conselho de Segurança para “discutir a situação na Ucrânia”.[7] Em todos os casos, permanece o fato de que a Rússia conhece a Ucrânia muito mais e melhor que qualquer de seus rivais ocidentais.

Verdade é que a história está longe de acabar.[8] A cena em Kiev continua tensa e confrontacional, e há muitos rumores de que Yanukovich tenha trocado a capital pró-ocidente, pelo conforto de Karkov, no leste do país, área de influência dos russos, e onde tem sua base de apoio. ****

[1] http://www.auswaertiges-amt.de/cae/servlet/contentblob/671350/publicationFile/190027/140221-UKR_Erklaerung.pdf (ing.)

[2] http://www.auswaertiges-amt.de/cae/servlet/contentblob/671350/publicationFile/190027/140221-UKR_Erklaerung.pdf (ing.)

[3] http://rt.com/news/ukraine-president-deal-elections-087/

[4] http://eng.kremlin.ru/news/6717

[5] http://www.whitehouse.gov/the-press-office/2014/02/21/readout-president-obama-s-call-president-putin

[6] http://www.whitehouse.gov/the-press-office/2014/02/21/statement-press-secretary-ukraine

[7] http://eng.news.kremlin.ru/news/6713

[8] http://en.ria.ru/world/20140222/187780318/Ukraine-Parliament-Considers-Presidents-Ouster-Early-Vote.html

Publicado em 22/2/2014, MK Bhadrakumar, Indian Punchline
http://blogs.rediff.com/mkbhadrakumar/2014/02/22/you-win-some-you-lose-some-in-ukraine/

Traduzido pelo coletivo Vila Vudu