Certa vez, em reunião da comunidade com representante de banco internacional que financia transporte para países em desenvolvimento, ouvimos esta frase: “O país é pobre, tem muitas demandas. Não pode investir em transporte de melhor qualidade”. Frases similares são repetidas com frequência. “Transporte sobre trilhos é caro, demora a ser feito. Vamos transformar o ônibus em metrô” é uma delas.


A prática mostra outra realidade nos custos e prazos das inovações sustentáveis. Metrô de superfície (VLT) em Dijon, na França, entregue em 2012 com 20,5 km de extensão e belo paisagismo, foi construído em um ano e meio. O custo do quilômetro, de R$ 38 milhões, inclui os trens com vida útil de, no mínimo, 50 anos. No DF, o custo do quilômetro para pôr uma pista de ônibus (e cinco de carros), o BRT-Sul, deve chegar a R$ 30 milhões, com 35km de extensão, 15 passarelas, acesso inamistoso, inseguro, três lances de escada. 

O valor do projeto — R$ 786 milhões — não inclui novos aditivos ou o custo dos ônibus, com vida útil de apenas 7 anos. No VLT de Dijon, 95% da população está a menos de 300m da parada. No BRT-Sul, o usuário encontra uma parada a cada 2km. Vale a pergunta: por que não colocar ônibus em pista exclusiva (sem gastar R$ 1 bilhão) e ampliar o metrô e os trens urbanos? Estamos na contramão da modernidade.



No mundo, iniciativas sustentáveis se sucedem. Em março de 2013, o governo francês confirmou obras do anel metroviário Grand Paris para ligar as cidades da área metropolitana. Serão 200 km, a 26 bilhões de euros, com 72 estações. Avignon, com ruas estreitas, anuncia a primeira linha de metrô leve, com 14,5km. Cuenca (no Equador), patrimônio mundial da Unesco, constrói o metrô de superfície com 10,5km e 20 estações. 

Os projetos, além de melhorar a vida das pessoas com transporte limpo e confortável, protegem o patrimônio e o meio ambiente. Mais: fortalecem a competitividade das cidades. O metrô de superfície se completa com ônibus locais (hoje em transição para veículo elétrico), bicicletas, calçadas acessíveis, velocidade calma. 



Com gestão do Estado e participação da sociedade, o serviço tem remuneração justa (fair pay). Cabem, então, as perguntas: é justo desonerar impostos de transporte que o governo permite seja operado como negócio, não como prestação de serviço público e que, naturalmente, busca maximizar o lucro em detrimento da qualidade? A desoneração não deveria estar condicionada à reestruturação do setor para dar dignidade às pessoas? 


Há controvérsia sobre o financiamento da tarifa. É possível transporte eficiente a custo correto? Em Nova York, temos o Metrocard; em Londres, o Oyster; em Paris, o Navigo. Cartões encontrados em cidades nas quais o transporte é considerado direito social permitem viajar livremente ao longo do dia em ônibus, metrô, VLT ou trem. Há gratuidade para públicos específicos. O financiamento da tarifa é tripartite. O usuário paga um terço do valor. Empregador e governo, o restante. 


No Brasil, o financiamento é igualmente tripartite. O empregador arca com o vale-transporte. O usuário, caso necessite de mais de um trajeto, efetua novo pagamento. No DF, levantamento de 2010, identificou fontes de custeio existentes (passe livre estudantil, vale-transporte, setor público, industrial, construção civil, comércio, serviços e mais 6% do IPTU, 20% do IPVA e 20% das multas de trânsito). A arrecadação anual é de R$ 850 milhões. O custo do sistema, de R$ 675 milhões para 25.586.745 km, enseja saldo positivo. Negativo é o serviço oferecido.



Organizar o transporte em sintonia com a modernidade significa oferecer mobilidade democrática, não segregadora. A guinada permitiria liberar o centro histórico para o verde, o passeio, a caminhada. No caso de Brasília, a plataforma superior da Estação Central Metrorrodoviária — mirante dos monumentos da Esplanada — poderia ser revitalizada para as pessoas, não relegada a depósito de automóveis e ônibus. 

A triste visão de abandono do belo conjunto remete à realidade de quão distante nosso transporte está dos direitos da cidadania. Esperamos que, para os próximos eventos, a capital possa ter implantados os terminais Asa Sul e Asa Norte. Não só. A estação central, revitalizada, seja ponto de chegada dos milhares de passageiros do metrô e paisagem de encontro de culturas.

Felizmente, o tempo é de mudança. A cidadania se fortalece. Avizinham-se reestruturações no financiamento de campanhas — principal responsável pelo sofrimento diário no insustentável transporte público.

Maria Rosa Ravelli Abreu é doutora pela Universidade de Paris em ciências da educação e da comunicação, especialista pela Universidade de Londres, coordena, na UnB, o projeto de extensão Cidade Verde

Publicado em http://impresso.correioweb.com.br/app/noticia/cadernos/opiniao/2013/07/14/interna_opiniao,91463/transporte-pobre-para-os-pobres.shtml