Há dez anos, em 25 de junho de 2003, teve lugar a reunião inaugural do Grupo Interministerial sobre a Agenda de Desenvolvimento, constituído sob o comando da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, para a elaboração da política industrial do governo Lula, então recém-empossado. A opção de abrigar o trabalho no núcleo duro da formulação da política econômica – a Câmara de Política Econômica – atesta a proeminência que se pretendeu conferir à política industrial no escopo da política econômica, pondo fim a quase uma década de ostracismo a que o fundamentalismo neoliberal a havia confinado. Não é sem sentido, portanto, definir essa data como o marco do retorno da política industrial no Brasil.

Ao longo desses dez anos foram editadas três versões da política industrial. Em março de 2004 foi lançada a “Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior” (PITCE). Seguiram-se a “Política de Desenvolvimento Produtivo” (PDP), de maio de 2008 (segundo governo Lula) e o atual “Plano Brasil Maior” (PBM), divulgado em agosto de 2011 e amplificado em abril de 2012 (governo Dilma).

Refletindo o contexto da crise cambial de 1999, a PITCE buscava enfrentar o problema da vulnerabilidade externa. Para tanto, concebeu uma política ativa de agregação de valor às exportações com base na inovação. O foco da PITCE foi direcionado para setores intensivos em tecnologia como bens de capital, semicondutores e software que poderiam transmitir ganhos de produtividade para o restante da indústria, além de abrir oportunidades para desenvolver o sistema nacional de inovação.

Porém, a rápida e intensa melhora dos termos de troca do comércio exterior brasileiro fez o serviço já em 2004, propiciando desde então saldos comerciais exuberantes a partir dos próprios produtos básicos e não dos produtos de maior conteúdo tecnológico projetados pela PITCE. Com isso, o fluxo de capitais externos inverteu a direção, o real apreciou-se, o PIB acelerou, enfim, houve uma verdadeira ruptura no cenário econômico que havia fornecido o diagnóstico de base da PITCE poucos anos antes. O principal legado da PITCE que, diga-se de passagem, não é pouco, ateve-se ao fortalecimento da base institucional da política industrial e tecnológica (criação do CNDI, da ABDI, Lei do Bem, Lei da Inovação, etc..).

O reconhecimento dessa transformação radical no modus operandi da economia brasileira levou à formulação da PDP sob uma nova racionalidade. Como explicitado no diagnóstico da PDP, o Brasil encontrava-se ao final de 2007 com os fundamentos macroeconômicos em ordem e recém agraciado com o grau de investimento, com implicações positivas sobre a confiança e a redução do custo de capital. Crédito, mercados de capitais, emprego e salários estavam em expansão enquanto as empresas encontravam-se capitalizadas, prontas para investir. Com o mote “inovar e investir para sustentar o crescimento”, a PDP visou exatamente alavancar esse processo de investimento. Para tanto, construiu um minucioso mapa de ações abrangendo 25 setores dentre candidatos a se consolidarem como líderes mundiais, a receberem programas de fortalecimento da competitividade ou abrigarem ações de mobilização em áreas estratégicas. Contudo, a grande crise financeira internacional, que atingiu seu ápice poucos meses após o lançamento da PDP, colocou em xeque as diretrizes da política. Com isso, a PDP acabou exercendo mais um papel anticíclico – sem dúvida crucial para a saída em V da crise já em 2010 – e menos a esperada função transformadora do padrão de investimento da economia.

Elaborado sob a expectativa de que o pior da crise havia ficado para trás, o PBM centrou seus objetivos na criação de competências visando o adensamento produtivo e tecnológico das cadeias de valor. A frustração dessa expectativa aliada aos sinais cada vez mais visíveis de acirramento da concorrência internacional nos mercados interno e externo foram forçando o plano a se direcionar para a defesa do mercado doméstico e a recuperação das condições sistêmicas da competitividade, com foco mais diretamente nos fatores formadores do custo-país e menos nas ações estruturantes de seus programas setoriais.

Para os que pretendem realizar um balanço do retorno da política industrial cabe ter em mente alguns pontos. Primeiro, dez anos não são suficientes para o timing do processo de mudança estrutural que, como mostra a literatura, pode requerer períodos muito mais longos, da ordem de 25 anos. Segundo, embora mais proeminente, a política industrial permaneceu como uma linha auxiliar da política macroeconômica, não logrando encontrar um espaço próprio de atuação. Terceiro, e provavelmente mais importante, a política industrial brasileira ainda não se mostrou capaz de pensar à frente de seu tempo, sendo sempre surpreendida por rupturas no seu diagnóstico de base.

É provável que isso tenha decorrido da exacerbada volatilidade da economia mundial nesses últimos dez anos. Como economia reflexa que é, mesmo tendo superando as graves restrições de balanço de pagamentos do passado, a economia brasileira ainda reage com excessiva intensidade aos sacolejos da economia global. Porém, não se deve rejeitar a possibilidade de que o curto-prazismo que marcou os primeiros dez anos do retorno da política industrial no Brasil seja um reflexo da ausência de coesão política e social em torno de um projeto futuro de indústria no país. Essa segunda razão, se realmente válida, ajuda a entender porque a co-evolução entre instituições e políticas continua truncada no país – e não somente na política industrial. Que os próximos dez anos sejam o da superação dessa lacuna.

David Kupfer é professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), coordenador do Grupo de Indústria e Competitividade (GIC-IE/UFRJ) e membro do Conselho Superior de Economia da Fiesp. Doutor em economia da indústria e tecnologia pela UFRJ, Kupfer é autor de artigos sobre inovação, competitividade e concorrência na indústria brasileira, além de coautor do livro “Made in Brazil” e organizador de “Economia Industrial: Fundamentos Teóricos e Práticas no Brasil”.

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Publicado em Valor Econômico – 08/07/2013