Ontem o país registrou uma das mais expressivas mobilizações nas ruas, particularmente da sua juventude, para defender o direito essencial ao transporte público de qualidade. De modo geral, foram demonstrações pacíficas, longas e reunindo multidões.

“Que coincidência, sem polícia não tem violência”, foi uma das frases repetidas em lugares onde a polícia realmente ficou de fora, como foi o caso ontem na capital de São Paulo, que registrou marchas simultâneas nas Avenidas Faria Lima, Paulista, Marginal Pinheiros e Ponte Estadiada. Não foi isso que ocorreu nas protestos anteriores

Na semana passada, ao deparar-se com milhares de jovens tomando as ruas contra os aumentos na tarifa dos ônibus e metrô, a polícia paulista não vacilou em partir para a repressão violenta. Feitos alvos de bombas de borracha e gás lacrimogêneo, os jovens também reagiram. O espetáculo de repercussão internacional mostrou o despreparo da Segurança Pública de São Paulo, ainda regida por um pensamento autoritário que age para reprimir aquilo que não quer ouvir.

O que os jovens estão dizendo é que precisam ser ouvidos, que sabem que o transporte público pode ser melhor e acessível a todos, se houver vontade poítica para mudanças e transparência nos custos, subsídios e contratos. Eles e elas descobriram que são as pressões sociais que fazem o governo agir na adversidade e o Estado se transformar.

O autoristarismo da semana passada também foi insuflado por uma imprensa que criminaliza a juventude pela violência no Brasil. Vários telejornais e apresentadores de TV no mínimo aceitam confortavelmente o pensamento torto de que as falhas na atenção da sociedade e do Estado à infância e à juventude, que no fim da linha resultam no aumento da criminalidade, sejam resolvidas com a redução da idade penal.

O ódio à juventude propagado por essa mídia se expressou nas garras da polícia exibidas na última semana, e em alguns lugares, como Belo Horizonte, também na segunda-feira. A boa notícia é que a sociedade vem aprendendo a reconhecer a manipulação midiática e preferiu apoiar seus jovens, reconhecer seus direitos e juntar-se a eles nas marchas por redução da tarifa, em lugar de chamá-los de vândalos e clamar por mais políciamento e trânsito livre para os automóveis. Ontem, foram derrotadas a política de segurança repressiva e a imprensa, ambos forçados a recuar.

Também os governantes foram obrigados a recuar em seus discursos, moderando as críticas ao movimento e reconhecendo que a luta política nas ruas exige respostas democráticas e soluções concretas. Refém da “indústria” do transporte, o Poder Público na verdade depende do poder das ruas para mudar as coisas. Mas no pano de fundo, o que os governantes perceberam é que o movimento vem incorporando novas ferramentas de comunicação, mobiização e informação política muito mais poderosas que os velhos carros de som ou os editoriais dos jornalões.

Já passa da hora do Estado brasileiro também perder o medo da mídia e apostar em sua juventude, que sabe se expressar e não se vê nos meios de comunicação de massa que o Brasil tem hoje,

Para demonstrar respeito à essa juventude, o Congresso precisa votar o Marco Civil da Internet, sem cortes de garantias e liberdades. O governo precisa enviar e o Congresso precisa discutir e votar urgentemente um novo Marco Regulatório das Comunicações. Já existe um Projeto de Lei de Iniciativa Popular que reúne as principais propostas da primeira e única Conferencia Nacional de Comunicação realizada até agora, à revelia da grande mídia, que fez de tudo para boicotá-la.

O povo brasileiro merece o direito de reconstruir suas comunicações e, por meio delas, discutir e assegurar políticas públicas para o transporte, saúde, educação e aprofundar sua democracia, em sintonia com a vontade das ruas. Ontem multidões gritaram que “o povo acordou”. Que o povo ajude o governo e o congresso a que acordem também.

Editora da Ciranda, Rita Freire integra a Associação Internacional de Comunicação Compartilhada (Compas) e a Comissão de Comunicação do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial. É ativista da FrenteX – Frente Paulista pela Direito à Comunicação e à Liberdade de Expressão e do Fórum Mundial de Mídia Livre.

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