Já na era fordista, o capitalismo alemão caracterizava-se por uma forma de desenvolvimento fortemente orientado para a exportação. Mas ao contrário de outros países orientados para a exportação, como a Itália, a indústria de exportação alemã nunca teve de se refugiar na desvalorização da moeda nacional, para defender a sua capacidade competitiva.

Na divisão internacional do trabalho, a Alemanha pertence ao pequeno grupo de países líderes que têm uma produtividade do trabalho relativamente alta e um aparelho produtivo excecionalmente diversificado, especialmente no área da construção de máquinas e de equipamento, e em geral, na produção de meios de produção e que, por isso, se colocam numa posição internacional dominante. A posição do capital alemão é muito forte não só na construção de máquinas mas também na indústria química e automóvel.

Como a indústria alemã já atingiu o superavit na balança de contas correntes, o capital alemão também tem necessariamente no mercado global a posição de credor, o que quer dizer que a Alemanha é exportadora de capitais e ocupa uma posição credora líquida. Juntamente com o capital industrial orientado para a exportação, o capital da banca ocupa tradicionalmente uma posição forte no bloco dominante. Deste conjunto resulta também o interesse de ter uma moeda forte. O Bundesbank sempre teve uma política monetária restritiva. O marco alemão, apesar do seu alto valor nominal, foi durante muito tempo desvalorizado em termos reais. Isso favoreceu a competitividade do capital alemão.

Quando foi fundada a União Económica e Monetária Europeia, o governo alemão conseguiu impor a política restritiva do seu Banco Central também a nível europeu. Uma política económica keynesiana só desempenhou um papel importante na Alemanha durante o período entre a crise de 1966-1967 e de 1974-1975, no máximo.

Em relação à evolução da luta de classes e da distribuição da riqueza produzida, podemos distinguir claramente duas fases na história da República Federal da Alemanha (RFA).

No fordismo o mercado interno cresceu mais ou menos em paralelo com o crescimento das exportações. Os sindicatos conseguiram uma redução do tempo de trabalho, aumentos significativos do salário, várias melhorias nas condições de trabalho e uma expansão do Estado Social. Mas com a crise do fordismo na década de 70, o desemprego aumentou de recessão em recessão para um nível superior. Isso reflete-se na distribuição das receitas. Enquanto o lucro bruto caiu de 40% em 1960 para menos de 25% em 1982, subiu novamente até 2007 para cima de 35%. [[i]] A mudança do equilíbrio das forças sociais, em detrimento dos trabalhadores também se refletiu na política económica e social do Estado. Em meados da década de 1970, a aliança socialista-liberal (SPD / FDP) [[ii]] de então, embarcou numa política de austeridade que envolveu os primeiros cortes na rede de proteção social. Quando, em 1982, os liberais FDP quebraram a coligação com os social-democratas e formaram um governo com os democratas-cristãos (CDU / CSU), não houve nenhum ataque frontal contra os sindicatos, como fez a Margaret Thatcher no Reino Unido, e o presidente Reagan nos Estados Unidos, mas a transformação rasteira do “modelo alemão” não foi menos sistemática. Como a luta pela semana de 35 horas mostrou em 1984, os sindicatos eram ainda fortes o suficiente para que o governo preferisse evitar um confronto difícil. Mas já a aplicação da semana de 35 horas no setor das máquinas e da indústria da eletricidade, bem como na tipografia, teve efeitos ambíguos porque os sindicatos pagaram o preço com  a “flexibilização” do trabalho. Os horários de funcionamento das máquinas foram alongados e o trabalho por turnos, trabalho noturno e trabalho aos domingos e feriados aumentou muito. Além disso, nunca foi realmente possível generalizar a semana de 35 horas como horário de trabalho padrão em todos os ramos.

Com a “reunificação alemã”, o colapso do “socialismo real” na Europa de Leste e a transformação da China, as margens de manobra do capital alemão expandiram-se consideravelmente. O território da antiga República Democrática Alemã (DDR / RDA) tornou-se o “sul” da nova Alemanha. A quase absoluta desindustrialização da Alemanha de Leste fez com que o exército industrial de reserva tenha aumentado ainda mais. As empresas exploraram as novas relações de poder e da crise económica no primeiro semestre de 1990 para reestruturar profundamente a produção.

O recurso à subcontratação facilitou a baixa dos salários e a deterioração das condições de trabalho. Ao mesmo tempo, a internacionalização da produção acelerou. A Europa de Leste e a China como locais de baixos salários e “mercados emergentes” tornaram-se as novas áreas de destino de investimento direto alemão. O número de trabalhadores de empresas alemãs no estrangeiro subiu de 2,2 milhões em 1989 para 5,9 milhões em 2008. Hoje, mais de 1 milhão de pessoas na Europa de Leste e cerca de 400 mil pessoas na China trabalham para as agêncas locais de empresas alemãs.

[3] Não se trata necessariamente de deslocalização da produção, mas muitas vezes apenas a retoma de empresas estrangeiras, ou da criação de capacidade de produção suplementar no exterior. Apesar da expansão internacional do capital alemão, a Alemanha manteve, em comparação com a maioria dos outros países, a taxa de emprego industrial superior à média.

O aumento da concorrência entre os locais de produção e os países significou para as empresas alemãs que passaram a dispor  de uma nova forma de chantagem contra os trabalhadores. Para evitar a deslocalização da produção e “despedimentos por razões económicas”, usadas como ameaças, as comissões de trabalhadores e os sindicatos fizeram várias concessões nos chamados “acordos de garantia do posto.”

Primeiro foram, nas grandes empresas, os maiores benefícios nas contratações coletivas de setor que foram desmontados passo a passo. Depois, as comissões de trabalhadores concordaram, na maioria dos casos, com condições de trabalho abaixo dos acordos coletivos de setor. Finalmente, os sindicatos acordaram que os contratos coletivos que assinaram fossem esvaziados do seu conteúdo. Pelo “acordo de Pforzheim” de fevereiro de 2004, o sindicato IG-Metall (Industriegewerkschaft Metall), por exemplo, aceitou a generalização das negociações em cada empresa sobre exceções aos acordos coletivos de ramo, a fim de evitar despedimentos e obter das direções promessas de investimento.

Daí em diante, além de o sindicato poder ser dispensado para as regras de contratos coletivos de setor – não só em situações de crise da empresa – também os proprietários poderiam, antes de qualquer investimento maior, exigir concessões aos sindicatos. Desta forma o sindicato foi bem sucedido em evitar os despedimentos, mas não uma redução nos locais de trabalho “socialmente aceitável” pela utilização de flutuações “naturais” pelo pagamento de indeminizações ou reforma antecipada. Por meio de negociações ao nível da empresa e da negociação de isenções e reduções nos padrões de acordos coletivos de ramo, a lógica dos  acordos coletivos de ramo foi totalmente transformada.

Os acordos coletivos setoriais nacionais deixam de  formular normas mínimas válidas para todos. Acrescente-se a isso a facto de que passam a cobrir menos relações de trabalho, pois o número de membros de associações patronais e de  sindicatos efetivos  caiu e porque o governo já raramente declara a força legal dos contratos coletivos. Devido à deterioração das relações de forças, as condições de exploração foram profundamente transformadas.

Notamos inclusivamente um maior tempo de trabalho. A média de horas semanais de trabalho reais na Alemanha aumentou de 40 horas em 2003 para 41,1 horas em 2007. [[iv]] Assim, a Alemanha tinha, em 2007, uma semana de trabalho mais longa que a média europeia, mais precisamente em quarto lugar (em 2003, a semana de trabalho ainda estava na média europeia). A semana atual é de 3,3 horas acima da média prevista nos acordos coletivos. Se esses 3 biliões de horas extras, cerca de metade das quais não é paga, fossem eliminados, contar-se-iam 1,7 milhões de postos de trabalho adicionais (Steinrücke 2009, p. 55).

O prolongamento da semana de trabalho é uma rutura pesada no desenvolvimento a longo prazo do capitalismo na Alemanha. A partir do século XIX, a produção de mais-valia absoluta tinha sido gradualmente limitada pela  vitória das lutas sindicais  e isto foi um dos pré-requisitos básicos para a posição dominante no século XX da produção de mais-valia relativa, o desenvolvimento do fordismo e a correspondente transformação da mão de obra.

Desde o fracasso da greve da A IG Metall para a implementação da semana de 35 horas na Alemanha de Leste, em 2003,  não houve nenhuma iniciativa significativa do sindicato  para a redução do tempo de trabalho. A IG Metall teve, na altura, que parar a greve fracassada, porque não conseguiu impor uma pressão suficiente, o que também resultou de insuficiente solidariedade dentro do sindicato. Alguns presidentes de importantes comissões de trabalhadores e sindicais tinham votado durante a luta (!) contra a greve e recusaram o apoio necessário.

Desde então,  reina no sindicato o temor de que seja  colocada na agenda a questão da redução do tempo de trabalho. Os salários reais brutos caíram cerca de 3% entre 2002 e 2007, enquanto os lucros de receita e de capital aumentaram em cerca de 33%. [[v]] Nunca antes os salários reais na RFA tinham caído durante uma fase de expansão económica. Para esta evolução dos salários contribuíram, sem dúvida, a política social do Estado e a política em relação ao mercado de trabalho, em particular, à eliminação dos apoio aos desempregados de longa duração e a redução de facto do apoio a partir de 1.1.2005.

Em vez da indeminização de desemprego com base no lucro segurado foi instituído um montante fixo, o “Arbeitslosengeld II” (popularmente chamado “Hartz IV”) localizado ao nível de assistência social.

[[vi]] Desde então, o setor de baixos salários tem-se expandido significativamente. O governo federal vangloria-se de que, graças à sua política de mercado de trabalho, o número de desempregados caiu de quase 5 milhões em 2005 para 3,2 milhões em março de 2011. Mas deve notar-se que a diminuição do desemprego foi conseguida em parte através de manipulações estatísticas.

Assim, os desempregados que tenham concluído os 58 anos  e tenham recebido durante um ano o pagamento de base para os desempregados (“Hartz IV”) já não são contados como desempregados. O mesmo vale para os desempregados doentes e para os que estão inscritos em “medidas de avaliação de competências e formação”, em “medidas de ativação e reintegração profissional” ou em “reciclagem profissional”, em resumo, os desempregados que são objeto de políticas ativas do mercado de trabalho.

O mesmo vale para os desempregados que são obrigados a aceitar “oportunidades de emprego”, os chamados ” emprego a um euro” – não se trata de contratos de trabalho normais e as pessoas em causa continuam a receber o subsídio básico para os desempregados, mas não contam oficialmente como desempregados.

Além disso, há os desempregados que são apoiados por agências privadas de emprego. Se incluirmos todos estes grupos no cálculo, então o número de desempregados situava-se em março de 2011 não nos 3,2 milhões mas à volta de 4,2 milhões (cf. Agência Federal para o trabalho / Bundesagentur für Arbeit, 2011, p. 69).

Não é tida em conta também, a “reserva silenciosa”, ou seja, aqueles que desistiram de procurar emprego (por exemplo, muitas “donas de casa”). Sem mencionar os subempregados, que estão empregados, mas  não com contratos regulares de trabalho a tempo inteiro. O número de empregados em tempo integral inscritos na segurança social diminuiu de 23,9 milhões no final de junho de 2000 para 22,2 milhões em junho de 2009. Os contratos de tempo integral, permanente, obrigados a contribuir para a segurança social (o chamado “trabalho de relações normal”) foram  progressivamente substituídos nos últimos anos por contratos de trabalho a termo,  trabalho a tempo parcial,  trabalho temporário controlado por agências de emprego e “empregos de  baixo índice de ocupação” ou “mini-empregos”.

[[vii]] Em 2009, havia 4,93 milhões de trabalhadores envolvidos exclusivamente em “empregos de baixo índice de ocupação _” ou seja 12,2% de todos os trabalhadores (contra 10,4% em 2000, ver Bundesanstalt für Arbeit 2001, Bundesagentur für Arbeit 2010). A deterioração da distribuição dos lucros à custa dos trabalhadores não foi de forma alguma  atenuada pela  política social do Estado nas últimas décadas. Em vez disso foi cada vez mais longe. Menciono  aqui, apenas como exemplo, algumas medidas da política de pensões de reforma cuja análise é necessária, na medida em que os pagamentos da segurança social de velhice constituem a maior parte dos encargos sociais do Estado . Já hoje, para muitos reformados, as suas pensões quase não são suficientes para viver.

A grande coligação preto-vermelho (CDU / CSU / SPD, 2005-2009) decidiu, em 2007,  elevar para 67 anos de 2012-2029 a entrada em idade de aposentação. Hoje, apenas 40% das pessoas com mais de 55 ainda estão empregadas. A “pensão aos 67 anos” é essencialmente um programa de redução de pensões. Aos 67 anos significa: quem se aposentar aos 65 anos recebe menos 7,2%, quem se aposenta aos 63 anos perde 14,4% (de acordo com cálculos dos sindicatos dos serviços públicos ver.di / Vereinte Dienstleistungsgewerkschaft).

O apoio pelo estado de uma passagem gradual à reforma, na forma de trabalho a tempo parcial para os funcionários mais antigos, havia permitido a muitos funcionários  sair mais cedo, sem muita perda de rendimento, mas este programa foi suspenso em 2009. De qualquer maneira a coligação vermelho-verde e a grande coligação tinham reduzido de facto as pensões introduzindo no seu cálculo o “fator Riester” e o “fator de sustentabilidade”.

[[viii]] Além disso, o apoio ao regime de pensões para os desempregados de longa duração foi completamente suprimido pela coligação preto/amarelo CDU / FDP a partir de 2011, no âmbito do seu “pacote de poupanças .” O propósito declarado dessas reformas era não deixar subir nos próximos anos a taxa de contribuições para pensões além de 20% do salário bruto. Mesmo em 2030, quando se espera que o número de pensionistas em proporção ao número de empregados atinja o seu máximo, os fundos de pensão não podem exceder 22%.

Os trabalhadores devem aceitar rendas mais baixas ou despender muito dinheiro para previdência complementar privada. Com os planos de poupança de previdência privada, os trabalhadores eventualmente pagam, para planos de pensões, mais do que se as contribuições para a pensão social tivessem aumentado. Pelo contrário os capitalistas ficam aliviados.

O atual governo deu início a uma mudança de sistema análogo da política da saúde.Também aí se trata de remover os fundos paritários de contribuições dos empregados e das empresas para ir deixando o financiamento a cargo apenas dos empregados com contribuições suplementares. Além disso, estas são concebidas de forma cada vez mais independente dos rendimentos (no sentido de um prémio único fixo), o que resulta também para os trabalhadores  numa redistribuição de baixo para cima. A reduzida importância dos serviços públicos na Alemanha aparece nas despesas para os “seus” funcionários.

Na Alemanha, as despesas para os funcionários são 6,9% do PIB, enquanto na UE são, em média, a 10,5%. A desigualdade social também cresce entre as regiões. Na verdade, o objetivo político de estabelecer  unidade das condições de vida foi abandonado. “A construção do Leste” foi interrompida. Desde o final de 1996, o atraso dos  “novos países”  em relação aos antigos consolidou-se, de acordo com indicadores-chave. O PIB per capita situa-se no Leste à volta dos 67,2% do nível do Ocidente, a produtividade do trabalho a 76,4%, os salários brutos no Leste a 77,3% do seu nível no Ocidente, o capital per capita em 70,7% (2009 Notz, p. 32). Esta transformação das relações de classe aqui descritas constitui a base do impressionante saldo positivo de exportações que a capital alemã tem feito nos últimos anos

[i]A taxa bruta de lucros é a parte dos lucros na receita nacional.Cf. Garnreiter et alia, 2008, p. 27.

[ii]Os artidos políticos alemães tradicionais representados no parlamento federal são:

– a democracia cristã, designada pela cor preta, o principal partido burguês, o Christlich Demokratische Union (CDU) e o seu ramo da Baviera, tradicionalmente mais conservador, o Christlich Soziale Union (CSU). É um partido burguês popular, que inclui também os setores sindicais (sindicalismo cristão).

– O partido liberal, indicado pela cor amarela, o Freie Demokratische Partei (FDP).

– O partido social democrata, designado pela cor vermelha, Sozialdemokratische Partei Deutschlands (SPD).

A estes juntam-se, relativamente mais recentes, os Verdes e Die Linke (A Esquerda), descrita em detalhe no texto. (NdT)

[iii] Cálculos segundo dados do Bundesbank. É apenas um indicador da internacionalização da produção que não engloba toda. È preciso ter em conta também os trabalhadores de empresas estrangeiras que trabalham para empreitadas alemãs.

[iv]Os números citados por Steinrücke (2009) provêm da European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions, Dublin  2008. Segundo Klaus Pickshaus (2009, p. 82), o microrrecenseamento 2003 revelava já que a duração média da semana de trabalho completa se situava de facto próximo das 41 horas. Segundo a análise feita pelo DIW dos dados do Sozioökonomisches Panel (SOEP), a semana era já de cerca de 42,4 horas.

[v]Segundo as contas do Sindicato dos Serviços Públicos  ver.di na base de dados da contabilidade nacional.

[vi]O montante de referência para os solteiros é atualmente de cerca de 359 € por mês. Além disso, existem complementos para renda de casa e despezas de aquecimento. O montante de referência para um casal na mesma residência é de 323 € por pessoa. O de  crianças e jovens dependentes vai de  215 a 287 € de acordo com a idade.

[vii]Os “mini-empregos”, também chamados  “ocupação de pouca importância”, são um trabalho assalariado pago no máximo a 400 euros por mês, rou seja contratos de trabalho de curto prazo. Os mini-empregos estão sujeitos a diferentes regras que as relações de trabalho obrigadas a segurança social, que não oferecem nenhuma proteção social particular comparável.

[viii]Walter Riester era o Ministro do Trabalho e da Ordem Social no primeiro governo de Gerhard Schröder (1998-2002). Ele desenvolveu os segundo e terceiro pilares do seguro de pensão na Alemanha. (Nota do Tradutor)

Tradução de Deolinda Peralta para o Esquerda.net