Imagine duas empresas, sendo que uma vem tendo regularmente resultado financeiro melhor que a outra. Os executivos da primeira seriam premiados; os da segunda, correriam riscos. Mas países não são empresas. Assim, o presidente do Chile, Sebastián Piñera, tem aprovação baixa e não deve fazer seu sucessor nas eleições deste ano, apesar de a economia chilena crescer bem acima da média regional. Já a presidente Dilma Rousseff tem aprovação recorde e é forte candidata à reeleição no ano que vem, apesar de o Brasil crescer abaixo da média.

Por quê? Há possivelmente várias razões, mas uma principal é que o liberal Piñera não entregou o que seus acionistas, isto é, os eleitores chilenos, mais pediam: mais igualdade social, ou pelo menos a sensação disso.

Pesquisa do Latinobarómetro de 2008 já mostrava que, para a população da região, o que a democracia menos garantia era “justa distribuição da riqueza”, “seguridade social”, “solidariedade com os pobres”, “igualdade de oportunidades”, além de proteção contra o crime. Ainda segundo o instituto, em seu informe anual de 2011, os chilenos tinham a pior percepção de justiça na distribuição de renda; para só 6% ela era justa ou muito justa. Na pergunta “o que falta para a democracia em seu país?”, 53% dos chilenos responderam “garantir mais justiça social”, o maior percentual na América Latina.

Há uma década, o discurso político hegemônico na América do Sul é o do combate à pobreza e à desigualdade. Esse é o clássico tema da esquerda, por mais igualdade. Partidos de direita, liberais ou conservadores estão acuados, sem um discurso com apelo eleitoral ou então sem credibilidade. As eleições de novembro no Chile devem confirmar essa tendência.

Dos países da América do Sul, sete têm hoje governos de esquerda ou centro-esquerda (Brasil, Argentina, Uruguai, Peru, Bolívia, Equador e Venezuela). O Chile deve engrossar essa lista. Ficam fora Colômbia e Paraguai.

Na Colômbia, o voto ainda é muito influenciado pelo tema do combate à guerrilha. Foi isso que deu a vitória a Álvaro Uribe, em 2002, e ajudou a eleger em 2010 o atual presidente, Juan Manuel Santos, que não por acaso era ministro da Defesa de Uribe.

No Paraguai, o esquerdista Fernando Lugo foi afastado no ano passado, num julgamento político sumário no Congresso nacional, controlado por opositores. É o único país sem um forte movimento pró-igualdade.

Não se pode dizer que Piñera tenha enganado os eleitores chilenos quando se elegeu, em 2009. Nas 160 páginas de seu programa de governo, a palavra desigualdade aparecia apenas três vezes, sendo que uma delas para se referir a cultura. Já a palavra liberdade (em geral referindo-se à economia) aparecia 14 vezes. Esse é o clássico discurso liberal.

Para comparação, nas 72 páginas do programa de governo de Luiz Inácio Lula da Silva de 2002, a palavra desigualdade aparecia 17 vezes, e liberdade, apenas três. No curto programa de governo (só 23 páginas) de Dilma, de 2010, a palavra desigualdade aparecia seis vezes; já liberdade, nenhuma.

Eleitor parece tolerar crescimento baixo, mas não desigualdade

Piñera apostou no crescimento econômico, e se deu mal politicamente. Lula/Dilma apostaram na igualdade social e se deram bem. Assim como Rafael Correa, que acabou de ser reeleito com enorme vantagem no Equador. Assim como José Mujica, cuja coligação lidera as pesquisas no Uruguai. Assim como o boliviano Evo Morales, que é favorito à reeleição.

A socialista Michelle Bachelet, favorita a voltar ao governo no Chile, está fazendo campanha prometendo justamente elevar impostos para os mais ricos e as empresas para poder financiar a ampliação de serviços públicos, como a educação gratuita.

Há dois governos acuados na região neste momento. Na Venezuela, o chavista Nicolás Maduro ganhou a eleição por muito pouco. Na Argentina, a presidente Cristina Kirchner tem avaliação ruim e pode perder as eleições para o Congresso. Nos dois casos, houve forte alta da inflação e forte desvalorização da moeda. Esses governo parecem ter perdido a credibilidade na estabilidade macroeconômica, discurso clássico da direita, do qual a esquerda se apoderou com sucesso na maioria dos países.

Ou seja, os eleitores sul-americanos parecem tolerar crescimento abaixo da média, desde que a estabilidade macroeconômica seja mantida. Mas não perdoam a sensação de estarem ficando para trás, de contínua desigualdade.

Apesar de a economia do Chile ter crescido mais que a brasileira na última década, os chilenos avaliaram sua situação pessoal pior que os brasileiros em todos os anos, diz o Latinobarómetro.

Sem credibilidade no tema da igualdade, que discurso sobra para a direita na região?

Para o argentino Carlos Malamud, analista principal de América Latina do Real Instituto Elcano, de Madri, “a opção é defender a liberdade, o sistema democrático. Eles [os partidos de direita] precisam incorporar parte dessa agenda igualitária e colocá-la nos seus programas, com propostas educacionais e de serviços sociais”. Ele observa, porém, que “falta à direita organização, partidos fortes”.

“Boa parte dos que se dizem liberais na América Latina não são liberais. No máximo, são liberais economicamente, mas mesmo assim em geral não creem no livre mercado”, disse.

“Não chegaria a dizer que uma crise econômica é único modo de ter alternância, mas com as commodities como estão [financiando o gasto social], as coisas vão seguir complicadas [para a oposição].”

Humberto Saccomandi é editor de Internacional do jornal Valor Econômico.