Londres – A publicação do “wikileaks dos paraísos fiscais” aprofundou a batalha europeia em torno da evasão fiscal. A investigação do International Consortium of Investigative Journalist (ICIJ), uma espécie de quem é quem no reino do “off shore”, com um volume “160 vezes mais importante” que os documentos classificados do Departamento de Estado dos EUA, divulgados pelo Wikileaks em 2010, é uma espada de Damocles que está forçando os governos europeus a atuar e a mostrar que estavam agindo.

Na recente reunião de ministros de finanças da União Europeia (UE) , nove países – Espanha, Reino Unido, Itália, França, Alemanha, Polônia, Holanda, Bélgica e Romênia – aderiram a um projeto político de intercâmbio automático de informação bancária sobre os dados dos não residentes. Este sistema, exigido pelas ONG que combatem a evasão fiscal, fornece os dados das contas dos não residentes sem que se necessite, como no sistema prévio, que um país solicite informação a outro, caso por caso.

A Áustria se opôs a esta medida em nome do direito ao sigilo bancário, mas no dia 22 de maio, a UE terá uma cúpula que se centrará na questão dos paraísos fiscais. Os analistas calculam que a Áustria terminará aceitando uma solução de compromisso, primeiro passo para uma norma que homogeneizaria os 27 países europeus. Luxemburgo acaba de fazê-lo, pressionado pela crise em Chipre, com um compromisso de adotar o intercâmbio automático de informação a partir de 2015. O movimento é global. Na reunião de ministros de finanças do G20 neste final de semana se deixou claro que esperavam que o intercâmbio automático de informação se tornasse a norma global e a Austrália, próximo presidente rotatório do grupo, assinalou que avançaria durante seu mandato com a reforma do regime impositiva das grandes corporações.

Segundo disse à Carta Maior o diretor da ONG Tax Justice no Reino Unido, Richard Murphy, a razão de fundo é econômica. “Muitos países têm um forte déficit fiscal e não podem ser impondo novos impostos e ajustes à própria população. De modo que necessitam arrecadar mais”, assinalou Murphy. A rota mais óbvia para fazê-lo são os paraísos fiscais.

O que disse o ICIJ?
Os paraísos fiscais são a mina de ouro que o capitalismo financeiro produziu nas últimas três décadas, o ímã que atraiu milionários e multinacionais, entidades financeiras e mafiosas. Segundo um recente informe do semanário The Economist, há entre 50 e 60 no mundo. Um cálculo conservador estima que a evasão fiscal escondida gira entre 20 e 30 trilhões de dólares (entre duas e três vezes o Produto Interno Bruto dos Estados Unidos).

Mais de um trilhão corresponde a países europeus que vêm buscando uma saída para sua crise com a fatídica arma da austeridade, colocando muito mais o acento no corte de gastos com seu corolário de demissões e queda dos serviços do que no aumento da arrecadação, salvo quando esta se aplica aos cidadãos comuns, com aumentos do imposto sobre o consumo ou impostos gerais.

A investigação do ICIJ, “Segredos à venda: dentro do labirinto global do dinheiro off shore”, cobriu os dados de mais de 120 mil empresas e administrações extraterritoriais e de cerca de 130 mil pessoas em 170 países do mundo. O ICIJ uniu forças com o The Washington Post, dos EUA, o The Guardian e a BBC, no Reino Unido, e o Le Monde, na França, e começou a revelar no início de abril as contas secretas de profissionais estadunidenses, milionários gregos, banqueiros, ditadores e ex-ditadores, traficantes de armas e drogas e um longo etcétera que inclui a filha do ex-presidente das Filipinas Ferdinand Marcos, a esposa do primeiro vice-primeiro ministro russo e do ex-ministro das Finanças da Mongólia.

As revelações recém começaram. O ICIJ pretende seguir informando semana a semana sobre as descobertas encontradas nos 2,5 milhões de arquivos digitais, correios eletrônicos e outros documentos que estão em seu poder. Um dos que já caíram na rede é o ex-tesoureiro da campanha eleitoral de 2012 do atual presidente da França, François Hollande.

Na América Latina destacam-se por enquanto as figuras dos irmãos Clarice, Leo e Fabio Steinbruch, no Brasil, os filhos do ex-presidente Álvaro Uribe Vélez, na Colômbia, e do mexicano Dionisio Garza Medina, do grupo Alfa.

A revelação foi a gota d’água que fez transbordar o copo, obrigando diversos mandatários de distintas colorações políticas a se posicionar sobre o assunto. O presidente François Hollande declarou guerra aos paraísos fiscais enquanto que, no Reino Unido, o ministro de finanças conservador George Osborno assinalou que o tema era prioritário.

É particularmente sugestiva esta nova vontade política do Reino Unido e sua decisão de unir forças com oito países europeus para exigir o intercâmbio automático de informação. Segundo Nicholas Shaxson, autor de “Treasury Islands”, um exaustivo estudo histórico sobre o tema, a city de Londres é o paraíso fiscal por excelência.

O problema é que, em temas financeiros, a UE exige unanimidade no voto e a Áustria se opôs a revelar nomes, alegando o direito à privacidade das contas. “Creio que na cúpula de 22 de maio da União Europeia a Europa vai ceder. Há muita diplomacia em jogo nestes momentos”, disse Richard Murphy à Carta Maior.

Os desconhecidos de sempre
Os multimilionários são apenas uma das faces das contas e mecanismos de opacidade dos paraísos fiscais. Segundo John Cristensen, diretor da Tax Justice International, há outros três grandes atores: as multinacionais, as entidades financeiras e o dinheiro de origem ilegítima, seja do narcotráfico, do terrorismo ou da corrupção.

Calcula-se que 60% do comércio internacional seja feito entre multinacionais. No interior deste intercâmbio global que as multinacionais fazem com suas filiais e subsidiárias há uma contínua distorção de preços que permite a evasão fiscal em grande escala. “Suponhamos que uma empresa multinacional opera em um país X com um imposto corporativo de 30%. A empresa pagará menos impostos, quanto menos lucros tiver. De maneira que contratará a preços inflacionados serviços legais ou financeiros ou de promoção de suas próprias subsidiárias instaladas em distintos paraísos fiscais. Os lucros serão nestas subsidiárias que, por estarem localizadas em paraísos fiscais, pagarão um imposto mínimo”, disse Christensen à Carta Maior.

O colapso do gigante energético Enron nos EUA em 2001 foi um caso emblemático que mostra o perigo global desta estratégia. A Enron tinha quase 900 subsidiárias em paraísos fiscais que serviam não só para não pagar impostos, mas também para ocultar sua virtual bancarrota. Hoje esse mecanismo de busca que todos usamos, o Google, se encontra em meio a uma tormenta política na Europa e, particularmente, no Reino Unido, que gera 11% dos lucros do grupo.

Apesar de obter receitas de mais de 4 bilhões de dólares no Reino Unido, paga apenas 10 milhões de dólares de impostos quando, se for aplicado o imposto corporativo britânico, teria que desembolsar pelo menos 20 vezes esse valor. Mas isso não ocorre só no Reino Unido. As vendas totais do grupo fora dos Estados Unidos são de aproximadamente 17 bilhões de dólares: os impostos pagos são de 227 milhões. Nos Estados Unidos em troca, o Google tem vendas de mais de 25 bilhões de dólares e paga quase 3 bilhões em impostos.

Entrevista pela BBC, o diretor do Google, Eric Schmidt, disse que “está é a maneira pela qual se pagam impostos em nível global”. Schmidt está dizendo a verdade. Mas dado que, em um recente estudo da Universidade de Warwick, o professor Nick Grafts, previu que a crise do crescimento da União Europeia pode estender-se até 2030, será preciso ver se esta maneira de “pagar impostos em nível global” é sustentável.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer para a Carta Maior