Publicado na Folha de S. Paulo em 13/3/13

Em 22 de fevereiro último, Cassiano Elek Machado publicou, nesta Folha, erudita nota sobre a nova tradução de “O Capital”, realizada pelo competente marxólogo Rubens Enderle. Esta será publicada pela editora Boitempo (o terceiro volume sai até 2015), que já tem no seu catálogo outras obras em traduções muito bem cuidadas dos textos restabelecidos pelas edições críticas (Mega) das obras completas da dupla Marx-Engels.

Cassiano colocou uma mesma pergunta (“Por que ler Marx hoje?”) a mim e a três brilhantes filósofos, seguramente mais conhecedores da obra de Marx do que eu. Eles deram respostas argumentadas e definitivas. Eu, um modesto economista, pensei em me livrar dela respondendo simplesmente: “Porque Marx não é moda. É eterno”.

Ledo engano. Recebi a cobrança de alguns elegantes leitores para que a explicitasse. Pois bem, os “marxismos” que continuam a infestar a história são modas: produtos de ocasião de pensadores menores. Há sérias dúvidas, aliás, que Marx tenha alguma vez se reconhecido como “marxista”.

Mas a problemática que ele colocou -o que é o homem e como pode realizar plenamente a sua humanidade diante dos constrangimentos que lhe impõe a organização da sociedade- é eterna. Ele teve muito cuidado em não explicitar a sua solução. Cuidado que não tiveram alguns que se pensaram como seus discípulos no século 20. Quando no poder, decidiram levar a sério a construção do “homem novo”, o que terminou em tragédia.

Para dar um pequeno exemplo da intuição de Marx, basta lembrar que, no “Manifesto Comunista” (1848), ele revelou a propensão do capitalismo financeiro emergente e avassalador de produzir uma crescente concentração do poder econômico que, se não fosse coibido pelo poder político, levaria ao desastre social.

A financeirização que ele previa continua forte e abrangente no século 21. Por exemplo, nos últimos dez anos, as commodities tornaram-se ativos financeiros de fundos de investimento internacionais. Em 2000, estes não chegavam a US$ 10 bilhões. Em 2012, passaram de US$ 400 bilhões, um aumento de 40% ao ano! Há menos de 20 anos existiam mais de 20 “traders” de cada commodity (as oito mais importantes tinham mais de 160!). Houve a verticalização e fusão antecipadas por Marx.

Hoje, não passam de 15 organizações que financiam, compram, armazenam, transportam, vendem e especulam com o resultado do trabalho de bilhões de agricultores que não têm o menor controle sobre sua produção. A maior delas, a Glencore, que comercializa tudo, de petróleo e metais a açúcar e trigo, acaba de aumentar sua integração. Comprou uma participação na Ferrous Resources, em Minas Gerais.