Abismo adiado

Digo “últimas” peripécias no sentido de “mais recentes” e não, claro, de “finais”. O que se conseguiu, em larga medida, foi apenas empurrar o abismo fiscal “com a barriga”. Tudo indica que em dois meses, ou menos, o drama estará provavelmente recolocado com força.

A principal economia continua refém de um impasse político que se arrasta há dois anos. O acordo alcançado tem alcance e fôlego muito limitados.

Acertou-se a manutenção da maioria das reduções tributárias instituídas pelo governo Bush, mas ficaram para março as decisões sobre o teto da dívida pública e os cortes de gastos públicos.

Significa que o governo Obama continua sujeito à chantagem da ala radical do Partido Republicano, o chamado Tea Party. Começa de maneira sombria o segundo mandato do presidente.

Obama ainda enfrenta uma Câmara de Representantes controlada por um partido político em grande parte retrógrado e fundamentalista. É uma oposição que já demonstrou estar disposta a colocar em risco o crédito do Tesouro dos EUA e a credibilidade da sua economia para avançar sua agenda política.

Instabilidade e incerteza também caracterizam o quadro econômico e político no Japão e a na União Europeia. A economia japonesa está estagnada há cerca de 20 anos e o sistema político demonstra grande dificuldade de produzir governos duradouros.

A crise na área do euro, por sua vez, ainda é a ameaça mais importante à estabilidade da economia mundial. Lá também o que se conseguiu com as medidas recentes foi apenas “adiar o abismo”.

A demonstração talvez mais gritante da disfuncionalidade do processo decisório nos países desenvolvidos é o fato, quase inacreditável, de que quatro anos depois da eclosão da crise financeira os governos nos EUA e na Europa ainda não tenham conseguido completar uma reforma que impeça a repetição de surtos destrutivos de instabilidade.

O poder da “turma da bufunfa” dificulta a implementação de medidas rigorosas de controle e supervisão do sistema financeiro. Os bufunfeiros continuam dando as cartas.

A economia dos países avançados não se recupera de forma segura. Em consequência, esses países não conseguem mais exercer, com credibilidade, liderança no plano internacional. O pior é que não há polos alternativos de liderança.

Os BRICS, por exemplo, têm dimensão, mas não estão preparados para substituir as potências tradicionais e exercer um papel de coordenação. A China ainda tem um papel acanhado em termos de governança global. Dos cinco BRICS, o Brasil — com todas as suas deficiências e limitações — é o que mostra mais capacidade de formulação no campo internacional.

Apertem os cintos.

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Paulo Nogueira Batista Jr. é economista e diretor executivo pelo Brasil e mais dez países no FMI, mas expressa os seus pontos de vista em caráter pessoal

Fonte: O Globo