A média de  idade era 14 anos. Todos nós estávamos formando consciência do que poderia significar a vida. Nas aulas de Educação Moral e Cívica, líamos textos sobre o milagre brasileiro, que ecoavam em nossas mentes: “Todos juntos vamos, pra frente, Brasil…”.

As campanhas publicitárias governamentais estonteavam a população com a poeira da transamazônica: Brasil, ame-o ou deixe-o!

Eu e meus colegas, como todo adolescente, nos negávamos a cantarolar o tal hinário ufanista. Rebeldias à parte, parece que foi sintomática minha postura. Estávamos alienados, enquanto as armas da ditadura apontavam para aqueles que buscavam liberdade de expressão e justiça social.

Era setembro do ano mais doloroso daqueles de chumbo. Nosso irmão João Carlos havia saído de casa havia seis anos, e não tínhamos mais notícias dele. No seio de nossa família, pais e seis irmãos, silenciava na dor profunda desta saudade e numa angústia incessante da esperança de encontrá-lo em breve.

Era setembro da pátria, quando a primavera deveria florescer o aroma adocicado das rosas. Mas o sangue de nosso irmão manchava a  selva do Araguaia, rompendo a vida, apagando sonhos de um ideal.

Enquanto os brasileiros de verde e amarelo assistiam à copa do mundo, sob as linhas marionetes do comando do exército, outros cidadãos erguiam bandeiras de socialismo e democracia pelo país afora.

Nos lares, nas escolas e nas ruas era regada a semente do imperialismo, disseminando-se conceitos fortes de “segurança nacional”, onde todo e qualquer cidadão se sentia observado.

Neste mesmo setembro, de 1972, nosso irmão João Carlos desapareceu nas matas do sul do Pará, hoje Tocantins. Deu a vida na busca por uma vida mais justa para os brasileiros. Ele e mais de centena de outros guerreiros da igualdade social sumiram diante dos olhos do Brasil. E ninguém viu nada acontecer.

A ditadura militar, abortada no  inicio dos anos oitenta, aniquilou um sopro de liberdade, calando vozes e furando os olhos de quem buscasse pelo mesmo ideal.

Na calada da noite, no final da rua, nos porões do exército, no frio da mata, na escuridão das salas de tortura, a” força nacional” foi ceifando homens e mulheres que empunhavam bandeiras de coragem e esperança. Na sociedade, tudo corria normal, nada era visível, nada escapava da pontaria da censura e da vigia dos fuzis.

A história atual conta a versão oficial de tudo que se viveu naquela época, mas somente nós, familiares de desaparecidos, sabemos do que ficou escondido dos relatos que estão nos livros hoje. As famílias ainda buscam arquivos , apurações da verdade e a localização dos restos mortais.

Nossos heróis permanecem vivos em cada lugar em que passaram,  mesmo 40 anos depois. Hoje, homenageamos João Carlos, médico gaúcho, um capilé, filho de São Leopoldo, filho deste solo, Brasil. Junto dele louvamos todos os lutadores da democracia do país, e cumprimos nossa missão de não esquecer jamais, para que nunca mais aconteça.

* Sônia Maria Haas é irmã de João Carlos Haas Sobrinho, morto na Guerrilha do Araguaia, em 30 de setembro 1972