«Direitos iguais»?

Ao som de uma música leve, alegre, descontraída, somos levados a observar duas mulheres que, em comparação, preparam «alegremente» o seu dia-a-dia, a sua rotina diária «de trabalho» a qual, segundo os autores do vídeo, deve ser realizada em condições de igualdade e segurança para ambas as mulheres. Acontece que uma das mulheres representa uma arquitecta. A outra mulher uma prostituta, aqui designada «trabalhadora do sexo». A arquitecta conversa com os seus clientes e, por analogia, a prostituta conversa também entusiasticamente e descontraidamente com os seus «clientes». Lê-se «trabalho sexual é trabalho», manipulando de seguida a consigna do «direito ao trabalho». E passa a imagem de que as duas mulheres, nas suas diferentes «áreas» de trabalho serão igualmente felizes e realizadas. O enorme significado de retrocesso social, cultural e civilizacional que está contido neste filme não seria tão chocante se o mesmo não tivesse sido financiado por fundos da União Europeia, nomeadamente pelo Programa Daphne, programa comunitário vocacionado para promover o combate à violência contra as mulheres. Os fundos comunitários, portanto públicos, são aqui utilizados precisamente ao contrário – para perpetrar, normalizar, instituir a violência contra as mulheres, ou seja, a violência de verem a sua intimidade e dignidade violadas pela necessidade de subsistência económica. Quem quiser comparar a venda da força de trabalho para produzir algo para a sociedade com os atentados contra a intimidade, a dignidade e as mais profundas emoções e sentimentos de alguém que é levado a prostituir-se, tem que estar bastante equivocado. Ou sofre de profunda insensibilidade ou não compreende em absoluto o que leva as mulheres (e os homens) a prostituirem-se, não compreende a violência de uma sociedade que não proporciona soluções de dignidade para as pessoas e não compreende os fabulosos lucros que as redes criminosas ganham com a prostituição e o tráfico de seres humanos e que continuariam a ganhar num cenário de «legalização» da prostituição – então já não como «chulos» mas como respeitáveis «empresários do sexo».

O facto de a União Europeia patrocinar este tipo de «publicidade» é tanto mais irónico quando são as próprias políticas da União Europeia que têm conduzido a dramas sociais, nomeadamente em Portugal, de aumento da pobreza e do desemprego. Ainda está por avaliar qual foi, nos últimos anos, o crescimento da prostituição em Portugal – e cujos dados já aparecem disseminados aqui e ali – como consequência directa do desemprego que assolou milhares de famílias portuguesas. No fundo a Comissão Europeia tem aqui uma espécie de redenção e compensação – claro, sempre com a ajuda «progressista» de uns e outros movimentos – a prostituição como saída de «trabalho com direitos», no fundo, toda uma «janela de oportunidades» que se abre.

O que é certo é que quanto mais assistimos a ataques aos direitos laborais e sociais, mais aparecem estas movimentações de roupagem nova e pensamento velho e bafiento, não tivesse sido o fascismo em Portugal um dos principais defensores da «legalização» da prostituição em Portugal. São exemplo disso a «escola de prostituição» que surgiu em Valência – porque, enfim, «trabalho que é trabalho exigirá uma formação» – ou a ideia lançada por António Costa para a construção de um bordel no Intendente. Difundir a ideia de que a prostituição é uma «opção de vida» e de realização do ser humano é apostar no retrocesso social, no caminho oposto ao da igualdade de direitos entre homens e mulheres, da erradicação da violência, sobretudo, contra as mulheres. Porque são as mulheres que constituem 85 por cento das vítimas de tráfico de seres humanos e exploração sexual na Europa.(1) Porque 73 por cento das mulheres na prostituição relataram terem sido sujeitas a agressões físicas, 68 por cento dessas mesmas mulheres sofrem de stress pós-traumático equivalente ao das vítimas de tortura e 63 por cento afirmaram ter sido violadas. Porque a prostituição, para além do carácter de violência contra as mulheres, é um dos maiores reflexos das desigualdades sociais e económicas que o capitalismo reproduziu. Porque a sociedade tem que caminhar para a abolição da violência contra as mulheres e não para a sua aceitação. Por isso, defendemos a dignidade das mulheres e não um retrocesso social secular.

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(1) Ver http://www.womenlobby.org/spip.php?rubrique187&lang=en; http://www.mdm.org.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=270&Itemid=1

Fonte: Avante!