O futuro ao alcance do nosso tempo

Alargar o consenso em torno dessa travessia só não é importante para quem acredita que o futuro será uma simples reprodução do passado. Não foi esse o entendimento da Rio+20. Ao contrário, o que se fez ali foi reforçar as estacas indutoras de uma mudança qualitativa no padrão recente de desenvolvimento.

Mais de 700 compromissos voluntários foram assinados na Rio+20; todos os países concordaram que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável devem ser uma parte central da agenda pós-2015. Trata-se agora de transformar essa convergência em ações concretas.

Temos tecnologia capaz de economizar recursos e produzir sem exaurir o solo ou esgotar a água que sustenta a vida

O compromisso claro e genuíno com o desenvolvimento sustentável não deve ser subestimado. Ele embute a força incontornável de um consenso baseado no entendimento de que a palavra sustentável condensa uma novidade redefinidora na agenda nas nações: os equilíbrios social e ambiental só se viabilizam entrelaçados numa mesma dinâmica.

Não há como voltar atrás agora. A Rio + 20 vinculou, claramente, as três dimensões da sustentabilidade: a econômica, a social e a ambiental. Isso enseja uma força de coerência capaz de mudar o rosto do futuro.

No campo da segurança alimentar e no da agricultura, por exemplo, essa foi a principal diretriz. A FAO, o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida), o United Nations World Food Programme (PMA) e Bioversity Internacional levaram para a cúpula do Rio diretrizes que foram incorporadas no documento final “O futuro que queremos”.

Significa dizer que o futuro que queremos não adere à conveniência de ‘um novo normal’, preconizado por interesses que tentam acomodar as causas e consequências da crise sob um teto rebaixado de possibilidades do desenvolvimento e da justiça social no planeta.

Ao contrário. Na Rio+20, o direito à alimentação e o direito de cada ser humano não passar fome foi explicitamente reconhecido. Sendo assim, normatizar como inexorável que três bilhões de pobres e novecentos milhões de subnutridos devem continuar na soleira da porta, do lado de fora do mercado e da cidadania, afronta o consenso dessa Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável. Isso não é pouco.

A natureza inclusiva do Comitê sobre Segurança Alimentar Mundial e seu papel fundamental no sistema de governança global ganham força nessa moldura. A implantação nacional das Diretrizes Voluntárias para uma Governança Responsável na Posse da Terra, da Pesca e das Florestas no Contexto da Segurança Alimentar Nacional emerge como uma tarefa decisiva à transição para o novo ciclo que sucederá à crise mundial.

A Rio+20 não trouxe receitas prontas ou fórmulas mágicas para alcançar esses objetivos. Por uma razão trivial: elas não existem sem um lastro político que antecede o dinheiro necessário para fazê-lo. Alcançou-se no Rio de Janeiro um patamar de consenso de como devemos seguir. Autonomia e cooperação caminham juntas, esse foi o amálgama que deu unidade à diversidade de situações que caracteriza o leque de mais de uma centena de povos e nações, dotados de suas peculiaridades e ritmos próprios.

O que os aproxima, no entanto, é igualmente forte: o consenso sobre o horizonte a perseguir. A comunidade internacional, a sociedade civil, o setor privado, lideranças e demais organizações saíram da conferência com o discernimento realista e maduro das respectivas responsabilidades e do caminho comum a buscar na implantação de ações lideradas pelos governos locais.

Podemos – devemos – ir além no detalhamento dos meios; a FAO tem uma pergunta nesse sentido: quem paga a transição da agricultura que temos para aquela do futuro que queremos?

O modelo agrícola atual sabe produzir, mas o uso intensivo de insumos químicos e a saturação dos recursos naturais redundam em pressão iníqua e insustentável. Ao mesmo tempo, um terço de todo o alimento colhido se perde no trajeto até a ponta do consumo onde ainda enfrenta o descarte de um desperdício obsceno.

Quem paga a conta desse duplo desatino são os pobres – sobre eles recaem a fatura maior do desequilíbrio ambiental e da insegurança alimentar – e as gerações futuras, que arcarão com o custo se não mudarmos os modelos de produção e de consumo.

O mundo dispõe de tecnologia capaz de economizar recursos e de elevar a produtividade, sem exaurir o solo, acuar a biodiversidade ou esgotar a água preciosa que sustenta a vida. A ponte que falta chama-se cooperação; seus pilares são os recursos que não desguarnecem o socorro, necessário, diga-se, ao sistema financeiro que originou a crise atual.

A Rio+20 consagrou um roteiro para desobstruir o trânsito nessa ponte que pavimenta um pedaço do futuro.

Nessa travessia há desafios novos e tarefas inconclusas que exigem um salto final para adicionar nervos e musculatura ao mutirão do conjunto. Incluem-se aí os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, especialmente aquele que preconiza reduzir à metade a fome e a pobreza até 2015.

Ao lançar o seu Desafio Fome Zero, durante a Rio +20, o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, tomou a frente instando todos os países a assumirem que a natureza do futuro sustentável que queremos implica dotá-lo, desde já, da segurança alimentar que lhe é inerente.

Esse também é o desafio da FAO. Tenho a convicção de que a erradicação da fome é um motor capaz de colocar o futuro que queremos ao alcance do nosso tempo.

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José Graziano da Silva é diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO)

Fonte: Valor