Provocações abertas agravam disputa endoimperialista

Nicosía (República de Chipre) – Característica de “guerra” diplomática aberta assumiram as divergências endoimperialistas, com epicentro as evoluções na Síria. Nos últimos dias, tanto os EUA e, em graus variados, a França, a Grã-Bretanha e até a Alemanha, quanto a Rússia, acompanhada em até certo ponto pela China, sacaram as espadas em nível diplomático com sucessivas declarações e, também, com ações, por motivo da nova reunião do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), por ocasião da qual nenhuma decisão foi tomada, graças aos vetos da Rússia e da China.

Já desde a semana passada, durante a reunião do grupo dos Amigos da Síria, o clima esquentou e os tons elevaram-se. A secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, iniciou a discussão exigindo serem encontradas “formas de punição para todos aqueles que apoiam Assad e estão bloqueando as decisões da ONU”, citando, nominalmente, a Rússia e a China. Destacou, em tom ameaçador, que “estes (Rússia e China) deverão perceber que a posição deles poderá ter, também, custo”.

Durante a mesma reunião, pediu a palavra o presidente da França, François Hollande, e, deixando de lado a elegância da linguagem diplomática, exigiu abertamente a derrubada de Assad da liderança da Síria, como premissa básica para alavancar as últimas propostas do enviado especial da ONU e da Liga dos Estados Árabes, Kofi Annan, a fim de ser constituído um governo de união nacional que iniciaria um processo de transição política.

Os também ex-colonizadores Grã-Bretanha e Alemanha, que participaram representados pelos respectivos ministros de Relações Exteriores, declararam-se “de acordo” com as posições já tomadas.

Moscou com febre

Os dias e as horas que se seguiram foram caracterizadas pelo recrudescimento das linhas, iniciativas e manobras diplomáticas da liderança russa. O governo de Moscou recebeu, dando-lhes as boas vindas, organizações da oposição síria, com as quais já vinha mantendo contatos anteriormente.

A visitante, Comissão Nacional Síria para a Mudança Democrática, é um agrupamento que inclui forças laicas que já estão distantes das posições e opções políticas do Conselho Nacional Sírio, cuja estrutura básica são os islamitas Irmãos Muçulmanos, e mantém relações diretas com a alça armada do denominado Exército Sírio Livre.

O encontro entre a Comissão Nacional Síria para a Mudança Democrática e o alto escalão do ministério de Relações Exteriores da Rússia foi caracterizado como “construtivo”, sem terem sido revelados maiores detalhes, embora – de tempos em tempos – a Comissão tenha-se postado a favor do imediato cessar fogo e o início do processo de transição política sem, contudo, definir como condição sine qua non a derrubada imediata de Assad.

Ao contrário, sem que tenham sido encontrados pontos de convergência, foram concluídas as conversações que manteve em Moscou o ministro de Ralações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, com representantes do Conselho Nacional Sírio, o qual, contudo, exigiu como condição sine qua non a derrubada de Assad.

Em resposta indireta, às ameaças formuladas durante a reunião do grupo Amigos da Síria, a diplomacia russa formulou novamente questão de equilíbrio na atribuição de responsabilidades sobre a situação atual na Síria, insistindo que “é preciso que aquelas forças que apoiam, abertamente, a oposição síria assumam também suas responsabilidades e exerçam sua influência, a fim de – para começo de conversa – ser decretado o cessar-fogo”.

Por fim, a diplomacia russa retribuiu o fogo cerrado de Hilary Clinton, afirmando que “unilateralmente, determinadas potências atribuem responsabilidades somente à liderança de Damasco (Assad)”.

Contatos de Annan não trazem resultados

A uma maratona de contatos diplomáticos dedicou-se o enviado especial Kofi Anan, visitando, sucessivamente, Damasco, Teerã e Bagdá. Em Damasco, Annan encontrou-se com o presidente Bashar Al-Assad, o qual – segundo declarou o enviado especial – apresentou um pré-projeto para o fim da escalada das tensões militares, a começar por aquelas regiões do país que têm sido envolvidas em maiores choques.

Assad – sempre segundo Annan – “não mostrou-se negativo ao início de diálogo e de transição política e já adiantou um nome que poderá negociar, em seu nome, com a oposição”.

Em seguida, Annan viajou a Teerã, insistindo em seu ponto de vista, segundo o qual “o Irã tem papel a desempenhar em toda esta história, considerando que é uma força que exerce influência sobre a Síria”.

Este seu ponto de vista já manifestou, repetidamente, e havia solicitado – concordando com a Rússia – para que tanto o Irã, quanto a Arábia Saudita fossem convidados a participar das reuniões do denominado Grupo de Ação para a Síria, do qual participam os países-membros do Conselho de Segurança da ONU e países escolhidos, como a Turquia. Mas este ponto de vista de Annan foi rejeitado pelos EUA.

O último ponto da viagem de Annan foi Bagdá, no Iraque, cujo governo já posicionou-se – desde o início do conflito – contrário a qualquer intervenção estrangeira na Síria e mantém estreitas relações com a liderança do país. Repetidas vezes, o ministro de Relações Exteriores do Iraque, Hoshyar Zebari, denunciou, abertamente, o fluxo de combatentes islamitas de outros países ao território sírio. Obviamente, o encontro de Annan com o governo iraquiano foi um fiasco.

Fator curdo?

Sabe-se, contudo, que o governo de Bagdá tem todas as razões deste mundo para preocupar-se porque entre parcelas da oposição síria está em ascensão, claramente, um pólo curdo, o qual, aliás, ligou-se a uma organização guarda-chuva, sob a denominação Conselho Superior Curdo, há apenas alguns dias, durante uma reunião realizada na região autônoma curda do norte iraquiano.

A eventual unificação das forças curdas que encontram-se na diáspora no norte do Iraque, noroeste do Irã, sul da Turquia e em várias regiões da Síria poderá concluir em formulação de exigências por mais autonomia ou, até um separatismo com objetivo de ser criado um Estado autônomo curdo, uma perspectiva que não entusiasma em nada o Iraque, sequer o Irã e muito menos a Turquia.

Este parâmetro curdo poderia e poderá, em parte, até um certo ponto, pelo menos, traduzir a repentina queda dos tons que observa-se, nos últimos dias, pelo lado da liderança turca com relação às evoluções na Síria.

Embora emudecido, o primeiro-ministro da Turquia, Retzep Tayyip Erdogan, viajou a Moscou, onde deverá conversar com as autoridades russas – conforme interpretaram jornais de Moscou – sobre as evoluções na Síria, mas também discutir questões envolvendo as grandes exportações de produtos turcos à Síria, assim como o fornecimento de gás natural russo à Turquia.

Segundo fonte do governo de Ancara, não está excluída discussão com as autoridades russas sobre a queda do caça-bombardeiro turco ocorrida há duas semanas. Os escombros do avião derrubado não trazem resquícios de explosivos, algo que significa que não foi derrubado por míssil, mas por fogo antiaéreo, isto é, voava dentro do espaço aéreo sírio e em baixa altitude, como havia sustentado desde o início a Síria, contrariando a falsa acusação da Turquia, segundo a qual o caça foi abatido por míssil sírio quando sobrevoava águas internacionais no Mar Mediterrâneo.

Conflito expandido

Tornando mais concreta sua presença na região, a liderança russa enviou aqui, ao Mediterrãneo Oriental, uma flotilha de navios de guerra e justificou a decisão informando que “trata-se de programada missão de rotina que visa a reabastecer a base naval russa de Tartus, na Síria”.

Os EUA enviaram um porta-aviões nuclear à região, que já está atracado no porto da ilha grega de Rodes. Até que ponto esta queda de braço endoimperialista será limitada à invasão da Síria ou haverá expansão (ação militar) contra algum outro país da região – como, por exemplo, o Irã – ninguém sabe por enquanto.

Mas tornou-se perfeitamente claro que tudo isso nada tem a ver com os direitos do povo sírio, mas destina-se a defender os interesses que estão ligados à posição geoestratégica da Síria e seu papel como “baixo-ventre” do Irã, em uma valiosa geoestratégica e energeticamente região e encruzilhada dos itinerários de energia. “Onde há fumaça, há fogo”, diz a sabedoria popular.

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Fonte: Monitor Mercantil