A definição é magnífica, pois sublinha o antropocêntrico. Pela boa leitura, é um desdobramento do mundo pós-Segunda Guerra Mundial, que aprovou, com a descolonização, a Declaração dos Direitos Fundamentais da Pessoa Humana e sugere que, com a paz mundial, os Cavaleiros do Apocalipse recolheriam seus cavalos ao estábulo. Porém, por uma linha maliciosa, introduz o geocentrismo.

Aprendi um velho provérbio turco: “Se quereis vender um tordo, pinte-o de rouxinol”. A quadratura do círculo ressurge. Lancemos mão dos dicionaristas brasileiros. Aurélio define sustentável como “1. que se pode sustentar. 2. capaz de se manter mais ou menos constante ou estável por longo período”. Houaiss complementa: “1. algo que se mantém; 2. o que pode ser sustentado; passível de sustentação”. As perplexidades nascem da combinação dessas qualificações com desenvolvimento.

Desenvolvimento, para os economistas, é avanço quantitativo e qualitativo das forças produtivas. Para outras ciências sociais, é o mesmo avanço das instituições jurídicas, políticas, sociais, culturais etc. Desenvolvimento econômico, como síntese do desejo das populações periféricas atingirem padrões próximos aos dos países centrais, ganhou força após a Segunda Guerra Mundial. A qualificação era “nacional”. O desejo periférico não se circunscrevia aos bens materiais, mas aspirava a outras dimensões do processo civilizatório – e a ONU garantia que, com a paz mundial, seria alcançável. Suas agências FAO, Unesco, Unicef, OIT, OMS e o Pnud se desdobraram nas preliminares para o mundo da paz. Com o término da Guerra Fria, reapareceram, aquecidas, velhas e novas linhas de atrito; a maior potência mundial não reduziu gastos militares.

No Rio, a erva de passarinho destrói a arborização das ruas e botânicos xenófobos eliminam jaqueiras

No plano midiático, o adjetivo nacional foi sendo atrofiado e substituído pelo tema da vulnerabilidade ecológica. Após o compromisso de um mundo de paz e de exequibilidade do programa de civilização desenvolvido pela ONU, foram feitas variadas tentativas de reedição do alarme malthusiano contra o crescimento demográfico e a ampliação do consumo. Sem qualquer sutileza, o Clube de Roma falou da ameaça ao planeta. McNamara, em “A essência da segurança”, culpa a pobreza pela potencialidade do conflito nuclear. Prosperam as teses de controle demográfico e técnicas de planejamento de recursos humanos. A componente geocêntrica embutida no painel de desenvolvimento sustentável suaviza o descompromisso com o nacional, e alguém poderia pensar que abre caminho para sustentabilidade, mas o desenvolvimento como processo de transformações, se for contínuo, dificilmente é estável, a não ser que a estabilidade passe a ser o objetivo central de um peculiar projeto de desenvolvimento.

Um mérito pode ser atribuído à ideia do sustentável: difundiu a tese de poupar energia e restringir consumo. Sinais podem ser percebidos pelo planeta e é imensa a boa vontade em relação ao que se qualifica ou atribui como uma ação pró-sustentabilidade. Nada tenho contra, a não ser sublinhar sua componente ingênua. Por outro lado, soube, pela “Revista Globo” (n. 410) que a empresa Acesa desenvolveu o projeto-piloto de biogás para a Estação da Alegria; seus sócios exaltam uma empresa que “atinge o tripé econômico/ambiental/social. A jovem Clara Klabin fundou uma empresa de reflorestamento e declarou “é um negócio como outro qualquer, mas é um bom negócio que te faz bem”.

Segundo “O Globo” (18.06), a Prefeitura do Rio defenderá a redução de 12% dos gases-estufa nos próximos quatro anos para 58 metrópoles do mundo. Qual é a posição do “desenvolvimento sustentável” em relação à frota de veículos automotores crescendo 9,5% ao ano há mais de uma década no Brasil? Reduzir a frota? Qual é a posição em defesa do jumento e do cavalo como animais de trabalho e de transporte sendo substituídos por motocicletas (do capim para o derivado do petróleo)?

O Brasil irá abrir mão de exportações crescentes de carne bovina e de soja para preservar os ecossistemas? O boi verde come a bioenergia que antes era absorvida pela floresta. O projeto de desenvolvimento sustentável brasileiro é converter o Brasil em “celeiro” ou “pulmão” do mundo? O Pnuma estimou que, nas últimas duas décadas, o Brasil perdeu 25% de suas riquezas naturais. Continuaremos com brasileiros famintos em metrópoles cada vez mais entupidas de veículos? Desviaremos energia hidrelétrica da Amazônia para as cidades nordestinas ou ali instalaremos termelétricas consumidoras de combustíveis fósseis? Reservaremos os depósitos do pré-sal para gerações futuras de brasileiros ou ajudaremos a sustentar com exportações de petróleo brasileiro o padrão tecnológico e existencial do primeiro mundo?

Amo meu país e adoro o Rio, onde a erva de passarinho está destruindo a arborização das ruas e botânicos xenófobos eliminam jaqueiras na Mata da Tijuca. É bonito o trabalho da Eko Florestal, plantando 2,3 mil m2 com mudas de restingas em locais próximos aos centros comerciais da Barra da Tijuca, porém o marketing dos centros comerciais pode amplificar o deslocamento motorizado para visita ao replantio.

Qualquer que seja o malabarismo semântico não creio que a geopolítica mundial opere uma opção pelas tecnologias que minimizam o desperdício. É sabido que a empresa sempre opta pela tecnologia do desperdício, pois quanto menos durável for um objeto, maior é o mercado à disposição da empresa. Só há um contraponto possível: colocar limites fortes ao livre jogo das empresas. Por exemplo, tecnicamente é fácil aumentar a durabilidade de objetos e coisas. Se a ideia fosse reduzir a ação entrópica sobre os recursos existentes e melhor aproveitar a energia que recebemos do sol, teríamos que modificar substantivamente o jogo econômico. Como não acredito em governo mundial, somente o Estado nacional é capaz de colocar em prática, em seu território, uma orientação global da atividade produtiva em direção à sustentabilidade. Desenvolvimento nacional sustentável seria a expressão adequada. O monstro seria o desenvolvimento imperial sustentável mediante a redução sistêmica do padrão de vida dos periféricos. Não creio que a Rio+20 identifique o que se propõe ser sustentado, tampouco duvido que amplie a definição de quem será beneficiário e de quem garantirá a manutenção das regras acordadas.

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Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do BNDES.

Fonte: Valor