Ao ver pela primeira vez a obra de título repelente de Kiernan, presumi que o livro havia emergido da selvageria dos programas de discussão com ouvintes de rádio. Mas não, Kiernan foi sócio sênior do Goldman Sachs por vários anos. Lendo seus desvarios, só posso concluir que algo saiu terrivelmente errado nos processos de recrutamento do banco, famosos pelo rigor.

O título do livro pode levar o leitor a esperar um tratado provocativo sobre as relações entre Estados Unidos e China. Na verdade, esse é apenas um item do imenso número de tópicos que o escritor alinha sob o tema geral de impedir catástrofes que ameaçam os EUA. Em uma batalha perdida para estruturar seus pensamentos, Kiernan produz uma grande dose de listas. Ele começa com “cinco fatores que nos congelam”, que impedem os EUA de lidar com seus problemas. Os fatores são: a mídia, lobistas, institutos de estudos como os “think tanks”, a religião nos EUA e seus partidos políticos – o que parece ser bastante abrangente. Ele, então, passa para as dez “catástrofes iminentes” que gostaria de ver solucionadas. Apenas a primeira se refere à relação dos EUA com a China, que ele descreve, obscuramente, como “uma codependência que está se descolando.”

Pesquisa da Fox News revelou que 62% dos americanos acham que sua nação está em declínio, enquanto 26% a veem em alta

Pelos padrões de Kiernan, Steyn é um modelo de lúcida moderação. Pelos padrões normais, no entanto, sua escrita e pensamentos são maníacos. O argumento de Steyn não é apenas que os EUA enfrentam grandes problemas, mas que nos deparamos com a “provável perspectiva” de vermos os “EUA catastroficamente convulsionados decaindo em ruína balcanizada e colapso social”. Seus vilões são os inimigos-padrão do movimento de direita Tea Party: gastos excessivos do governo federal, alto endividamento, um estado de bem-estar social que ele sustenta ser ao mesmo tempo desmoralizante e arruinador dos EUA, o islamismo político e, acima de tudo, o presidente Barack Obama.

Steyn acusa o presidente de trair a essência dos EUA ao trazer o governo “grande”, ao modo europeu, à terra dos livres. Os imigrantes dos dias de hoje, que buscam o sonho americano, estão, segundo Steyn, condenados a se decepcionar. Com humor grosseiro, ele brinca: “É como aportar em Ellis Island em 1883, descer da prancha de desembarque e encontrar todos entusiasmados com esse programa piloto que eles introduziram, chamado ‘servidão’.”

Não há dúvida de que tanto Steyn como Kiernan estão sintonizados com o “zeitgeist”, o “espírito da época”, dos americanos, especialmente entre os conservadores. Pesquisa em 2010 da Fox News, o canal de TV preferido pela direita, revelou que 62% dos americanos acham que sua nação está em declínio; enquanto apenas 26% a veem em ascensão. Isso torna o tom histérico de tais livros duplamente infeliz – porque se aproximam realmente de ansiedades e problemas reais, que precisariam ser analisados seriamente. A persistência do desemprego elevado e do arrocho salarial da classe média realmente representa ameaças reais ao “sonho americano”. O fato de o governo federal não conseguir equilibrar suas contas indica que a pressão sobre o padrão de vida americano vai se intensificar. As implicações sobre o papel dos EUA como “única superpotência” também são óbvias.

Felizmente, nem todos os livros sobre o declínio são tão frágeis. Thomas Edsall e Arvind Subramanian escreveram trabalhos sérios que merecem toda a atenção.

Edsall, repórter político veterano, é autor de “Chain Reaction”, clássico estudo sobre o papel das etnias na política americana. Por isso, é uma pena que dedique tanto tempo de “The Age of Austerity” à economia, que não é realmente seu ponto forte. O argumento de que a economia está em dificuldades é ilustrado com longas citações de outras obras (inclusive de meu livro), o que lhe confere uma ligeira sensação derivativa.

O livro realmente tornar-se vivo quando ele se volta aos efeitos políticos da austeridade. Ele acredita que a política dos EUA cada vez mais será caracterizada por uma luta por recursos financeiros. “Os dois grandes partidos políticos estão imersos em uma batalha mortal para proteger os benefícios e bens que fluem para suas respectivas bases.”

“Eclipse”, o penetrante livro de Subramanian, trata da geopolítica e economia mundial. Argumenta que a economia chinesa encaminha-se a superar a dos EUA – e a rapidamente aumentar a diferença. O autor, que foi pesquisador sênior do Fundo Monetário Internacional (FMI) e hoje trabalha no Peterson Institute, argumenta que a economia mundial e, portanto, a política estão cada vez mais focadas na China. Um acontecimento essencial ocorrerá quando o yuan superar o dólar como moeda de reserva cambial. Como a China já tem o maior intercâmbio comercial do mundo, Subramanian argumenta, polemicamente, que isso pode acontecer em dez anos.

No Oriente Médio, os EUA se envolveram em duas guerras malsucedidas e veem sua influência ameaçada pela Primavera Árabe

Subramanian e Edsall são sóbrios e precisos enquanto Kiernan e Steyn são selvagens e exagerados. Juntos, no entanto, fazem parte da série de livros sobre o declínio (e há muitos outros) que parece estar pedindo uma réplica. “The World America Made”, do analista de política externa Robert Kagan, é essa resposta. Auxiliares de Obama dizem que o presidente ficou muito bem impressionado pelo livro. É, ao mesmo tempo, uma defesa sólida do papel que os EUA desempenha nos assuntos internacionais e uma rejeição determinada ao “mito” de declínio dos EUA. Com 150 páginas, também é bastante curto, o que deve ser atraente se você tiver um trabalho muito extenuante, como ser presidente dos EUA. Ser tão curto, no entanto, o torna mais um ensaio espirituoso do que uma refutação plena da escola do “declínio”. Os primeiros dois terços tratam mais dos motivos pelos quais tal declínio seria algo ruim, em vez de abordar se estaria de fato acontecendo.

Kagan é mais convincente quando retorna ao território, mais familiar, da geopolítica. Ele apresenta argumentos importantes e sólidos sobre os motivos pelos quais o peso econômico chinês não se traduzirá automaticamente em influência política. Ao contrário dos EUA, a China tem outras grandes potências na sua vizinhança, como o Japão e a Índia. Os EUA ainda gastam mais com suas Forças Armadas do que “o resto de todas as outras grandes potências combinadas.” Quando os EUA entram em guerra, normalmente o fazem na companhia de aliados – enquanto Rússia e China são Estados relativamente sem aliados.

Todos esses argumentos são respostas importantes e adequadas à histeria disseminada por nomes como Kiernan e Steyn. Não pude deixar de sentir, no entanto, que ao rebater os arautos do declínio, Kagan exagerou nas correções. Depois de viajar o mundo como repórter e colunista, percebi que a erosão do poder político e econômico dos EUA e a ascensão da China, já é palpável. No Oriente Médio, os EUA estão encerrando duas guerras mal sucedidas, no Iraque e Afeganistão – e veem sua influência ameaçada pela Primavera Árabe. Os líderes da Europa estão recorrendo a Pequim, em vez de a Washington, em busca de assistência financeira. Na África, o continente vem sendo transformado pelos investimentos chineses. Até na América, a influência chinesa vem crescendo: o Brasil agora tem mais intercâmbio comercial com a China do que com os EUA. Enquanto era envolvido pela força da prosa de Kagan, me lembrei da velha piada de Groucho Marx: “No que você vai acreditar, em mim ou em seus próprios olhos?” No caso, está ao alcance dos olhos.

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Gideon Rachman é o principal comentarista de relações exteriores do “Financial Times” e autor de “O Mundo Soma-Zero”.

Fonte: Financial Times, no Valor