De resto, também foram entrevistos outros aspectos da curiosa forma de militância clubista que se exprime pelo palavrão e pela agressão física entre claques, prática tacitamente estimulada ou pelo menos benevolamente consentida pelas direcções dos clubes que sustentam com apoios financeiros essas práticas já tristemente tradicionais. Será interessante saber, um dia, se essas despesas também vão ser objecto de medidas de austeridade impostas pela crise ou se, pelo contrário, vão escapar pelos intervalos da chuva ácida que vai cair sobre «todos nós», para utilizar esta expressão tão cara aos governantes decididos a deportar para o território da indigência grande parte dos portugueses. De qualquer modo, o que talvez mais tenha podido interessar os verdadeiramente atentos foi uma informação prestada por um jornal diário e que, porventura apenas por um infeliz desencontro, não vi que tenha sido fornecida também pela televisão: que entre os componentes de pelo menos uma das claques, talvez exactamente a de gostos mais incendiários, ou talvez de ambas, foi detectada a presença de elementos neonazis. Não surpreende: este hábito de usar o fogo vem de longe, de décadas atrás, desde pelo menos o incêndio do Reichtag quando o nazismo alemão quase apenas saía da adolescência, até à incineração de milhões de criaturas, nem todas já cadáveres, como está abundantemente comprovado. Bem se sabe que por agora ainda não estamos aí mas, como por vezes se diz, o caminho faz-se caminhando, e há claros sinais, felizmente não tanto em Portugal quanto no país da senhora Merkel, de que o monstro a que Ingmar Bergman chamou «serpente» num dos seus mais belos filmes, está a caminhar um pouco por toda a Europa.

Não brincar com coisas sérias

Esse sinistro fenómeno de crescimento e maior desenvoltura também não espanta. Até agora, o neonazismo alimentava-se sobretudo da imigração que aflui à Europa vinda de diversos lugares e que estimula essa particular forma de ignorância imbecil que é o racismo, mas mantinha o velho ódio ao projecto de uma sociedade diferente e melhor, livre desse outro monstro supostamente mais apresentável que é o modelo capitalista de exploração das gentes. Agora, porém, os ventos da crise financeira e económica dão novas e melhores oportunidades à sua navegação. Não é novidade, sempre foi assim: quando a direita política, secção interventiva do capitalismo pela sua própria natureza sem princípios mas com fins, sente que o seu domínio pode estar a ser abalado por uma das crises que aliás o próprio capitalismo gera, cumulativamente com outras possíveis manobras estimula a intensificação da acção da extrema-direita que, como tristemente se sabe, pode chegar a tomar conta do poder (Itália dos anos 20, Alemanha e Espanha dos Anos 30, Chile de 73) para que, ao abrigo de práticas terroristas de Estado, o Negócio possa prosseguir. Podemos crer, não sem razão, que entre nós a ressurreição nazifascista se mantém num nível incipiente, habitada maioritariamente por sujeitos que gostam de emblemas vistosos, de fardas retro e de rituais que lhes parecem saborosos, mas é claro que se impõe uma vigilância das suas actividades e que é preciso reclamar do poder que faça aquilo a que está obrigado pela legalidade: travar o fenómeno neonazi antes que se torne assegurada na prática a sua impunidade. Dir-se-á que, tanto quanto se sabe, as coisas se situam apenas ao nível das claques de futebol, actividade desportivo-empresarial que é pouco mais que uma brincadeira apesar dos contornos de violência que frequentemente assume. Pois sim, mas há coisas com que não se brinca e o neonazismo é uma delas. Sabe-se que hoje o neonazismo está entre os que incendeiam cadeiras num estádio. É não apenas melhor, mas imperioso e urgente, impedir que passe um dia a outro grau de crimes.

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Fonte: Avante!