Embora o efeito prático de reavaliação de risco dos títulos emitidos pelos EUA seja limitado para a demanda dos títulos, o episódio nos leva a questionar os critérios e o comportamento das agências de rating. Poucos correrão o risco de se livrarem dos Tresuries, mesmo porque há poucas opções de diversificação das aplicações das reservas cambiais dos países. Aliás, muito pelo contrário, o acirramento do risco global aumentou a demanda por estes papéis.

Não há mercados compatíveis, em termos de volume e liquidez para fazer frente ao montante disponível para investimentos, que não podem se dar ao luxo de correr muitos riscos. Por isso, cerca de 60% das reservas internacionais dos países são denominadas em dólares norte-americanos, 25% em euros, 10% demais moedas e 5% em outros ativos, como o ouro, cuja demanda ampliada tem provocado elevação de seus preços. Este quadro não deve se alterar substancialmente nos próximos anos.

Dos mais de US$ 14 trilhões da dívida norte-americana, US$ 4,5 trilhões estão em mãos de investidores estrangeiros. A China, com US$ 1,1 trilhão, é o maior credor externo, seguido do Japão, com US$ 900 bilhões, Grã-Bretanha, com US$ 365. O Brasil, na seqüência, já ocupa o posto no ranking dos maiores credores, com US$ 211 bilhões, praticamente dois terços das nossas reservas internacionais.

Vale lembrar que foram essas mesmas agências que erram flagrantemente na crise de 2008 ao "atestarem" a qualidade de títulos subprime, que posteriormente se demonstraram podres. À época questionou-se até mesmo um certo conflito de interesses, já que estima-se que cerca de 40% da receita das agências de risco eram oriundos daquele mercado.

A ironia é que a passividade do governo norte-americano e de outros países deu a oportunidade agora de "o feitiço virar contra o feiticeiro". Não se avançou na questão regulatória muito simples de quem avalia o comportamento das agências de risco e uma delas agora, denotando um certo oportunismo. A reavaliação foi criticada por importantes economistas, como o Nobel Paul Krugman e Barry Eichengreen, que tem trabalhos relevantes sobre o capitalismo global e chegou a declarar possíveis motivações político-partidárias para a ação.

Juízos à parte, é preciso avançar no controle das agências de classificação de risco. Não se trata aqui de "quebrar o termômetro para tentar baixar a febre", mas de regras de compliance e governança que propiciem uma maior transparência dos critérios de avaliação e divulgação das análises.

O mesmo podemos dizer da regulação dos mercados financeiros globais. Houve algum progresso depois da crise de 2008, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. A financeirização que ganhou vulto nas últimas décadas ainda está a exigir um reordenamento que coloque a "economia real" em primeiro plano, ou seja, a produção, os investimentos, o emprego e a renda.

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Antonio Corrêa de Lacerda é professor-doutor do departamento de economia da PUC-SP e autor, entre outros livros, de "Globalização e Investimento Estrangeiro no Brasil" (Saraiva). Foi presidente do Cofecon e da SOBEET.

Fonte: Terra Magazine