Ninguém pode saber com certeza a avaliação final dos dias que o mundo vive e que será aferida pelos historiadores. Um observador atento das evoluções internacionais poderá, unicamente, registrar que os dias atuais estão extremamente carregados por acontecimentos de importância simbólica que há apenas algum tempo pareciam quase incompreendidos.

Como o ocorrido na primeira sexta-feira deste mês, quando – pela primeira vez em sua história – os EUA perderam seu triplo A, a classificação máxima da capacidade de endividamento, pela agência internacional de rating Standard & Poor"s, que comportou-se em Washington como se estivesse em Atenas.

Esta decisão registra a reversão da correlação de forças mundialmente: Já os Estados, mesmo que não sejam superpotências, desempenham papel secundário no "como se faz com a economia" e, agora, infelizmente, para as sociedades e os povos, predominam novos players, como os mercados, as agências internacionais de rating, os vários fundos de hedge e alguns outros.

E não foi por acaso que, na segunda-feira, dia 8 deste mês, o presidente dos EUA, Barack Obama, tentou com seu discurso aliviar e tranquilizar as impressões gerais, enquanto, simultaneamente, Wall Street mergulhava no abismo.

A desvalorização da economia norte-americana, em sintonia com o anêmico crescimento e o espectro de queda dupla batendo em sua porta, constitui – além da "primazia" – também o fim de uma época inteira para os EUA, assim como para o restante do mundo do período da toda poderosa Washington. Uma nova, desconhecida até então, realidade.

Perdas militares

O pesaroso ambiente dos dias recorreram para completar mais dois acontecimentos. No primeiro sábado deste mês, 30 norte-americanos, membros da unidade especial dos Navy Seals (aquela, exatamente, que no início de maio deste ano executou Osama bin Laden em seu refúgio no Paquistão), perderam suas vidas no Afeganistão, quando o helicóptero Boeing CH-47 Chinook que os transportava caiu a 100 quilômetros a sudoeste da capital Cabul.

O helicóptero, que caiu em emboscada do Talibã, foi a mais importante perda das forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) durante a guerra de mais de dez anos, protagonizada pelos EUA. Uma guerra com série repercussão econômica para os Estados Unidos: Somente para ano que vem, seu custo deverá atingir US$ 120 bilhões.

No total, as duas guerras que iniciou, em 2001 e 2003, Bush Jr., no Afeganistão e no Iraque, custaram para os EUA até o final do ano passado US$ 1,300 trilhão. E a retirada dos dois países, totalmente destruídos, já foi iniciada, mas demandará tempo para ser concluída e custará mais recursos para a já debilitada economia norte-americana.

Finalmente, Liang Guanglie, ministro da Defesa da China, anunciou a viagem inaugural do primeiro porta-aviões da Marinha da China – Varyang – que zarpou do porto de Dálian, na província de Liaoning.

Foi uma não habitual comunicação pública para os fundamentos de segurança do governo de Beijing (por exemplo, não ocorreu o mesmo com o vôo inaugural do primeiro caça-bombardeiro stealth chinês, assim como com o teste da arma anti-satélite, em janeiro de 2007).

Apesar das afirmações da China de que o porta-aviões será utilizado apenas para "pesquisas científicas, testes e treinamento", o fato permanece. A China ingressa no excessivamente fechado clube de países que dispõem de nau capitânea dos mares – uma questão de poder que, seguramente, não passou despercebida pelo governo norte-americano que, hipocritamente, saudou a divulgação do evento como índice de transparência.

Recuo impensável

O quadro que compõem estes fatos aproxima-se das constatações do professor norte-americano Michael Mandelbaum, em seu livro intitulado The Frugal Superpower (A Superpotência Frugal, em tradução livre), de que, em futuro próximo, por causa principalmente dos ônus econômicos (especialmente, do custo de Previdência Social e do programa de saúde Medicare, em sintonia com a aposentadoria da geração dos babyboomers, isto é, dos nascidos entre 1946 e 1964), os EUA serão obrigados a restringirem consideravelmente, pela primeira vez desde a Guerra Fria, as dimensões de sua U.S Foreign Policy, sinalizando o retorno a um isolacionismo e a constituição de uma nova escala hierárquica das suas prioridades.

Se, finalmente, esta análise é crível, o século XXI (que ao que tudo indica está começando na realidade agora) será marcado por uma nova complexidade, novos desafios e novas obrigações de Estados e lideranças políticas, porque o "jogo internacional" se abre de formas imprevisíveis.

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Fonte: Monitor Mercantil