1. O Caso Strauss-Kahn está a ficar aparentemente esquecido pelo universo mediático em que todos estamos mais ou menos mergulhados e que em maior ou menor grau condiciona o nosso entendimento das coisas mesmo quando já nos supomos a salvo desse permanente cerco. Nos dias que imediatamente se seguiram ao escândalo foi um alvoroço nas estações portuguesas de TV como decerto por todo o mundo ocidental, com enviados especiais, reportagens em directo com pouco conteúdo mas muito gritadas, até imagens do crime difundidas a título de reconstituição com a silhueta difusa do criminoso em plena actividade violadora, tudo decerto para que não nos restassem dúvidas quanto ao acontecido. Porque, como muito bem se sabe, a TV é assim, gosta que tudo fique em pratos limpos. Ou quase tudo, enfim. Agora, porém, o caso já foi passado para segundo plano, o que bem se compreende: Strauss-Kahn ficou a aguardar julgamento em prisão domiciliária, isto é, está literalmente arrumado e, mais importante que tudo, foi encontrado o seu sucessor, por sinal sucessora, nas funções determinantes de director-geral do FMI: a francesa Christine Lagarde, ministra das Finanças do governo Sakorzy, sem dúvida uma grande mulher não apenas porque mede um metro e oitenta de altura mas também e sobretudo porque fala inglês na perfeição. Não um inglês qualquer, repare-se, mas o inglês falado em Chicago, USA, no escritório de advocacia de Baker & McKensie, o mais importante escritório de advogados dos Estados Unidos, onde a prendada senhora trabalhou (ou trabalha) desde 81 e cuja presidência assumiu nos finais dos anos 90. Trata-se, pois, não só de uma europeia e de uma francesa como Strauss-Kahn, este nascido no bairro elegante de Neuilly, mas de muito melhor que isso: uma verdadeira euroatlântica. A bem dizer, é como se Washington tivesse finalmente colocado um «born in USA» no posto-chave do FMI. Não sei como se diz «há males que vêm por bem» em inglês técnico, mas compreenda-se que a muitos apeteça dizê-lo.

2. Infelizmente, porém, há quem tenha outras apetências ou, se se quiser, quem tenha certos viciosos pendores: por exemplo, o pendor para acreditarem naquilo que os lúcidos e bem informados designam por «teorias da conspiração». É claro que não existem conspirações, manobras secretas, serviços sigilosos especializados na tecitura de ciladas ou de atentados, coisas assim, e que a pura e simples verdade está sempre vertida nos comunicados oficiais dos órgãos cuja vocação é essa mesma, a proclamação da verdade. Mas os que se habituaram a imaginar explicações alternativas não têm emenda, passam a vida a desconfiar, vislumbram a impressão digital dos serviços secretos norte-americanos ou equiparados em todos os acontecimentos que resultam em relevantes benefícios para a Grande Democracia Americana, desatam a suspeitar do que os Media Livres e Democráticos lhe vão explicando. Neste Caso Strauss-Kahn, seguem a lógica elementar aprendida dos telefilmes policiais do Poirot e perguntam a quem aproveitou o desvario faunesco de DSK. A resposta é nítida e não oferece grandes dúvidas: enquanto elemento destacado do que pode designar-se por Internacional Capitalista, Strauss-Kahn era partidário de uma gestão cautelosa, que não desse oportunidade a contestações radicais, ao passo que Christine Lagarde é mais do género «dama de ferro», por quem tantos suspiram de saudade. Assim, a substituição havida na sequência do crime acontecido em NY é objectivamente uma vitória dos partidários da «maneira dura». Mas alguns, os tais que acreditam em conspirações, suscitam então uma dúvida: terá mesmo havido crime? Dúvida que se desdobra em dúvidas mais pequeninas e complementares. A alegada cena de um homem a sair nu da casa de banho e a dominar uma mulher estranhamente incauta tem sentido? Que um sujeito acabadinho de sair de uma situação de frustrada violação e cheio de pressa para se escapar do local do crime vá almoçar tranquilamente com a filha é plausível? Mais grave: que os «media» tenham dado a informação de ter sido encontrado o ADN de Strauss-Kahn nas roupas da vítima e essa informação tenha sido dada como falsa logo a seguir não aponta para um trabalho, neste particular falhado, de intoxicação da opinião pública? É óbvio que o ex-director-geral do FMI pode ser culpado e que, de qualquer modo, não parece ser um puritano. Mas de uma ponta a outra desta estória de mistério e crime não paira um cheiro a esturro que nos convida a pensar?

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Amigo e colaborador de odiario.info

Fonte: ODiario.info