Mais de 20 milhões de trabalhadores estão desempregados ou subempregados. Mais de um quarto da capacidade produtiva do país permanece inutilizada, ganhando ferrugem e pó. A produção anual perdida com este desperdício de recursos é de US$1 milhão de milhões (trillion). Pense outra vez na eficiência capitalista.

A chamada "recuperação" beneficiou bancos estado-unidenses, grandes corporações e o mercado de acções. Ela ultrapassou toda a gente e agora está acabada. É notável que os atingidos, vítimas da crise – a massa de trabalhadores – agora se defrontem com o pagamento daquela recuperação. O "seu" governo emprestou maciçamente para salvar as corporações. Isso promoveu o aumento da dívida nacional. E isso agora "exige" cortes nos gastos governamentais através de reduções "absolutamente necessárias" em empregos no governo, serviços, segurança social, Medicaid e Medicare. Aquilo que o governo poupa ao cortar serviços públicos pode entregar às corporações, aos ricos, e a governos estrangeiros (a começar pela China) que emprestaram os fundos para produzir aquela recuperação (para eles) de vida curta.

Paul Krugman é melhor do que a maior parte dos economistas da corrente dominante. Ele promove as suas visões liberais [2] contra a maior parte daqueles da corrente dominante. Mas Krugman partilha a cegueira liberal clássica. A responsabilidade pela ruína económica de hoje, aflige-se ele, cabe ao "fatalismo" . O problema para ele é subjectivo. As pessoas – Krugman gosta de apagar diferenças com essa palavra – aceitam que "a recuperação da crise financeira habitualmente é lenta". Krugman admite que governos anteriores analogamente responderam a crises vagarosamente devido ao seu "fatalismo e sensação de impotência". O que ele propõe em contrapartida é o habitual conjunto liberal de soluções económicas "óbvias": política fiscal agressiva (défices maiores), redução agressiva da dívida hipotecária (mecanismo não especificado) e assim por diante. As pessoas deveriam fazer estas coisas porque não fazê-las é "simplesmente louco" e porque "o fatalismo … é o principal inimigo da prosperidade".

Krugman argumenta que a grotesca injustiça da resposta do governo à crise é causada por uma disposição psicológica – fatalismo – das pessoas. Isso é como atribuir a culpa das crises capitalistas de Keynes ao problema de tomar decisões de investimentos quando confrontados com incerteza acerca do futuro – todos nós enfrentamos a incerteza, não é? Liberais como Krugman evitam localizar problemas económicos no cerne da estrutura de produção capitalista – nas lutas entre patrões e empregados.

Krugman não se preocupa em explicar porque o "fatalismo" mantém crises sucessivas. Ele não pergunta, e muito menos responde, que factores estruturais podem explicar tal fenómeno. Ao invés disso ele quer que pessoas inteligentes corrijam o erro do fatalismo que aflige mentes de menor envergadura. Os ares superiores em relação àqueles de que discorda reforçam a sua tese de que a falta de talento explica o fatalismo. Respostas vagarosas de governos a crises capitalistas revelam estupidez.

Eis a explicação que falta a Krugman. O capitalismo sempre foi instável. Os governos nunca impediram os ciclos de ascensão e queda apesar de quase todo líder o ter prometido, quando a cada baixa do ciclo não só [promete] atravessá-la "como também assegura impedir a seguinte". Naturalmente, os governos podiam antecipar-se e compensar ciclos com programas maciços de emprego público, investimento público, etc. Os liberais muitas vezes pressionam nesse sentido. Mas os governos recusam a menos que pressões maciças de sindicatos de trabalhadores e partidos socialista e comunista a partir de baixo forcem passos parciais e temporários naquela direcção (como aconteceu com FDR após 1933).

A instabilidade do capitalismo decorre em grande parte das lutas entre o patronado e os empregados. As crises surgem quando os lucros da empresa não satisfazem o patronato e os seus accionistas. Eles então reduzem a produção, despedem trabalhadores, cortam suas compras de matérias-primas. Estes passos reduzem lucros de outros patrões os quais reagem da mesma forma. Segue-se a espiral na recessão. O capitalismo desenvolveu há muito tempo um modo de administrar a sua instabilidade inerente. Quando o desemprego cresce e perdura, os desempregados tornam-se dispostos a trabalharem por menos do que antes, o que deita abaixo os salários. Quando os negócios afundam, a resultante inundação de maquinaria e equipamento em segunda mão, fábricas e espaço de escritórios vazios, etc reduz os custos daqueles negócios. Finalmente, quando o trabalho e os custos materiais tiverem afundado bastante, os empregadores vêem suficientes possibilidades de lucros. Seus investimentos retomam e com isto a fase de declínio dá lugar à fase de ascensão.

Por que o governo deveria intervir no método do capitalismo de auto sanar a sua interminável aflição de instabilidade? Afinal de contas, para a maior parte dos capitalistas o declínio dos custos de negócio constitui um método atraente de enfrentar crises. Da mesma forma, a maior parte dos capitalistas não dá boas vindas ao precedente de governos intervirem para resgatar as massas da disfunção do sistema. E a maior parte dos capitalistas certamente não quer pagar os custos de tais intervenções governamentais.

Assim, os capitalistas têm boas razões, estruturais – fundamentadas nas suas posições dentro das empresas que dirigem – para se oporem a soluções liberais [2] aos imensos custos sociais de crises capitalistas. A causa do problema não é o fatalismo. Ele é meramente a face externa, superficial, do sistema político não desejoso de contestar a mensagem que vem dos seus principais patrões, os empregadores capitalistas.

Quanto o sofrimento em massa por depressões prolongadas ameaça mover-se rumo ao ataque do próprio sistema, os empregadores capitalistas – e portanto o seu governo – por vezes reconhecem a necessidade de uma dose pequena e temporária da solução liberal [2] . Mesmo assim, a acção do governo tem menos a vez com o estímulo fiscal que os liberais endossam e mais com uma tarefa diferente: afastar o sofrimento em massa e a ira para longe do anti-capitalismo e rumo à celebração do governo benevolente. Foi o que FDR fez ao estabelecer a Segurança Social e o seguro de desemprego na década de 1930.

A antipatia ultrapassada do liberalismo para com o marxismo – e a ignorância dos novos desenvolvimentos nos pensamento marxista das últimas décadas – e o problema chave, um legado debilitante da Guerra Fria. Essa antipatia e ignorância minam a capacidade do liberalismo para pensar as suas propostas, para fundamentá-las na teoria económica e na história, e para explicar os "porques" chaves necessários para escorar os seus argumentos acerca do que está a acontecer, o que deveria estar a acontecer e porque as dois coisas divergem.

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NT
[1] Abreviadamente diz-se que as crises podem ser em "L" (estagnação prolongada), em "V" (recuperação rápida), em "U" (recuperação lenta), ou em "W" (recuperação rápida seguida de outra queda).
[2] O autor usa a palavra liberal no sentido corrente nos EUA (diferente do europeu): de progressista.

[*] Professor Emérito da Universidde de Massachusetts – Amherst e Professor Visitante no Programa de Graduação em Assuntos Internacionais da New School University in New York. Autor de New Departures in Marxian Theory (Routledge, 2006) dentre muitas outras publicações. O seu filme documentário sobre a crise económica actual, Capitalism Hits the Fan, encontra-se em www.capitalismhitsthefan.com. O livro Capitalism Hits the Fan: The Global Economic Meltdown and What to Do about It pode ser encomendado no seu sítio web: www.rdwolff.com .

O original encontra-se em http://mrzine.monthlyreview.org/2011/wolff060611.html

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .