Em seu livro Sobre anarquia e tirania o escritor português Fernando Pessoa, falando como se fosse um banqueiro anárquico, destaca: "A liberdade é para mim o principal bem, consequentemente, o dinheiro me livrará do trabalho e das obrigações do cidadão de classe média para manter sua família, educar seus filhos e ter um lugar ao sol".

Em analogia atual, Portugal tenta salvaguardar – com unhas e dentes – sua independência econômica com ações acrobáticas e vendas urgentes de bônus. Na sexta-feira da semana passada lançou ao mercado, em regime de emergência, títulos com prazo de 15 meses, totalizando 1,645 bilhão de euros, com taxa de juros de 5,79%, a qual foi superior em 2,5 unidades percentuais à correspondente de uma venda ano passado.

Com primeiro-ministro transitório e eleições prematuras, marcadas para 5 de junho deste ano, o país sofre pressões afixiantes para aceitar socorro internacional em condições de política de liquidação. Semana passada, as pressões foram consequência da revisão dos dados sobre o déficit fiscal do país.

O Serviço de Estatística de Portugal, após indicações da Agência Européia de Estatística (Eurostat), revisou o déficit de 2010 para 8,6% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, do inicialmente divulgado 7,3%, acrescentando ao orçamento o total de 2 bilhões de euros, os quais foram dados como reforços a bancos e deficitárias empresas estatais de transportes de massa. A dívida pública de Portugal equivale a 92,4% de seu PIB.

A agência de rating Standard & Poor"s, em menos de dez dias, reavaliou – para baixo – a capacidade de endividamento de Portugal duas vezes, assim como de quatro bancos portugueses, atingindo ainda mais a confiança dos mercados para com o país. Também, a agência de rating Fitch reavaliou – para baixo – a capacidade de endividamento portuguesa.

Em consequência, o custo de endividamento foi lançado a níveis inéditos. O desempenho do título estatal de dez anos conformou-se em 8,48% no final desta semana. Os spreads dos bônus de dez anos atingiram o nível recorde de 510 unidades de base. Estes níveis não são considerados viáveis para um país que, eventualmente, entrará em segunda queda neste ano.

Reestruturação da dívida

A desagradável conjunção de todas estas evoluções parece estar levando a uma profecia auto-realizável. Intensificam-se assim, os boatos sobre pedido de socorro do governo de Lisboa ao Mecanismo Europeu de Apoio. Aliás, a S&P avalia que, para Portugal, não é suficiente um socorro assim, porque necessitará, além disso, também da reestruturação de sua dívida.

Entretanto, o Premiê demissionário, José Sócrates, que exerce mandato transitório, comprometeu-se e insiste que impedirá Portugal de pedir socorro ao Mecanismo Europeu de Apoio.

"Conheço muito bem o que aconteceu na Grécia e na Irlanda e não desejo que meus compatriotas padeçam, semelhantemente, como os gregos e os irlandeses", disse caracteristicamente Sócrates na recente Reunião de Cúpula dos 27 chefes de Estado e de Governo da União Européia. Como, aliás, esclareceu o ministro de Economia, Fernando Teixeira dos Santos: "O Governo Sócrates não tem autoridade para negociar uma ajuda externa".

Muito bem. Tanto Sócrates, quanto Teixeira dos Santos estão no exercício de cargos de primeiro-ministro e ministro de Economia, respectivamente, em governo de transição, consequentemente, sem poder de decisão.

Além disso, Sócrates demitiu-se porque os partidos do Parlamento de Portugal, liderados pelos social-democratas, vetaram, por unanimidade, o quarto pacote de medidas de frugalidade que havia sido formulado sob a orientação do Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Central Europeu (BCE) e União Européia (UE). O objetivo de Sócrates era evitar o programa de apoio, atuando preventivamente com medidas de "filosofia análoga".

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Fonte: Monitor Mercantil