Com efeito, se houver uma situação de estagflação, existirá um sério risco de uma recessão em forma de W numa economia global que ainda mal acabou de sair da sua pior crise de há várias décadas.

Os fortes tumultos no Médio Oriente têm sido, historicamente, uma fonte para a escalada dos preços do petróleo, o que, por sua vez, levou a três das cinco últimas recessões mundiais. A guerra do Yom Kippur, em 1973, provocou uma forte subida das cotações do crude, levando à estagflação global de 1974-1975. A revolução iraniana, em 1979, conduziu também a um aumento dos preços do petróleo e a um cenário de estagflação, que culminou com a recessão de 1980-1981. E a invasão do Koweit, pelo Iraque, em Agosto de 1990, provocou uma forte escalada das cotações do "ouro negro" numa altura em que a crise na banca norte-americana estava já a mergulhar os Estados Unidos numa recessão.

Os preços do petróleo também desempenharam um papel preponderante na recente recessão global, que foi impulsionada pelo sector financeiro. No Verão de 2008, pouco antes do desmoronamento do Lehman Brothers, as cotações do crude tinham já duplicado face aos 12 meses precedentes, tendo atingido um máximo histórico de 147,25 dólares por barril no mercado nova-iorquino – e dando assim o golpe de misericórdia a uma economia global que estava já fragilizada por vários choques financeiros.

No entanto, não sabemos até que ponto é que a situação no Médio Oriente irá propagar-se a outros países. Talvez os actuais tumultos acabem por ser travados, situação que fará com que os preços do petróleo voltem a negociar em níveis mais baixos. Mas existe um sério risco de os actuais movimentos de descontentamento face aos regimes instituídos naquela região poderem disseminar-se, desestabilizando o Bahrein, a Argélia, Omã, Jordânia, Iémen e até talvez também a Arábia Saudita.

Mesmo antes dos recentes choques políticos no Médio Oriente, os preços do petróleo tinham superado o patamar dos 80 a 90 dólares por barril, um aumento motivado não só pelas economias dos mercados emergentes, sedentos de energia, mas também por factores não-fundamentais: um muro de liquidez à procura de activos e de matérias-primas nos mercados emergentes, devido às taxas de juro em torno de 0% e ao "quantitative easing" [medidas de flexibilização monetária] nas economias avançadas; um comportamento com características de seguimento do rebanho; e exportações de petróleo que são limitadas e que não dispõem de elasticidade. Se a ameaça de perturbação da oferta de crude se estender além da Líbia, mesmo o mero risco de uma menor produção poderá fazer disparar fortemente o "prémio do medo", levando a que os investidores e utilizadores finais constituam reservas de petróleo a título de precaução.

Os mais recentes aumentos dos preços do crude – e os consequentes aumentos dos preços de outras matérias-primas, especialmente as agrícolas – implicam várias consequências dramáticas (mesmo que não contabilizemos o risco de guerra civil).

Em primeiro lugar, a pressão inflacionista irá aumentar nas economias dos mercados emergentes, já sobreaquecidas, onde os preços do petróleo e dos alimentos representam até dois terços do cabaz de consumo. Atendendo à fraca procura nas economias avançadas que apresentam crescimentos lentos, o aumento dos preços das matérias-primas poderá levar apenas a um pequeno efeito de primeira ronda na inflação global, com pouco impacto de segunda ronda na inflação "core" [que exclui os preços da energia e dos bens alimentares]. Mas os países avançados não sairão ilesos.

Com efeito, o segundo risco colocado pelo aumento dos preços do petróleo – um abalo nas condições comerciais e no rendimento disponível para todos os importadores de energia e de "commodities" – atingirá de forma especialmente violenta as economias avançadas, uma vez que mal saíram da recessão e atendendo a que estão ainda a registar uma retoma anémica.

O terceiro risco é de que a escalada dos preços do crude diminua a confiança dos investidores e aumente a aversão ao risco, levando a correcções nos mercados accionistas que terão efeitos negativos sobre a riqueza em termos de consumo e de gastos de capital. Também é provável que a confiança dos empresários e dos consumidores seja fortemente abalada, o que penalizará ainda mais a procura.

Se os preços do petróleo subirem muito mais – para níveis em torno dos máximos históricos registados em 2008 -, as economias avançadas desacelerarão fortemente; muitas delas poderão mesmo voltar a ver-se mergulhadas na recessão. E mesmo que as cotações do crude se mantenham nos actuais níveis durante grande parte do presente ano, o crescimento mundial irá abrandar e a inflação irá aumentar.

Que respostas políticas é que estão disponíveis, no sentido de reduzir o risco de estagflação? No curto prazo, não há muitas: a Arábia Saudita – a única produtora da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), com capacidade excedentária – poderá aumentar a sua produção e os Estados Unidos poderão recorrer às suas reservas estratégicas de petróleo para incrementarem a oferta de crude.

Com o decorrer do tempo – mas isso pode demorar anos -, os consumidores poderão investir em fontes de energia alternativa e reduzir a procura de combustíveis fósseis através de impostos sobre o dióxido de carbono e através de novas tecnologias. Uma vez que a segurança da energia e alimentar é um assunto de estabilidade económica, bem como social e política, as medidas destinadas à redução da volatilidade dos preços das matérias-primas deverão ser tomadas no interesse dos produtores e dos consumidores.

Mas a altura de agir é agora. É provável que a transição da autocracia para a democracia no Médio Oriente seja acidentada e instável. Isto na melhor das hipóteses. Nos países onde a procura latente de salários mais elevados e de uma melhor protecção social é forte, o fervor democrático poderá levar a enormes défices orçamentais, excessivas exigências salariais e elevada inflação, o que poderá acabar por dar origem a graves crises económicas.

Assim, é preciso conceber um novo programa audacioso, com base no Plano Marshall que foi aplicado na Europa Ocidental após a Segunda Guerra Mundial, ou com base no apoio oferecido à Europa de Leste antes da queda do Mundo de Berlim. O financiamento deverá provir do FMI, do Banco Mundial, do Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento (BERD), bem como de um apoio bilateral providenciado pelos Estados Unidos, União Europeia, China e Estados do Golfo. A meta deverá ser estabilizar as economias destes países, à medida que estes implementam as suas delicadas transições políticas.

As apostas que estão em jogo são elevadas. Se as transições forem realizadas num contexto de políticas instáveis, isso poderá levar a elevados níveis de desordem social, violência organizada e/ou guerra civil, agravando ainda mais os tumultos económicos e políticos. Dado que os preços do petróleo estão actualmente bastante sensíveis ao risco, as consequências não se limitarão ao Médio Oriente.

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Nouriel Roubini é professor de Economia na Stern School of Business, Universidade de Nova Iorque, é "chairman" da consultora global de macroeconomia Roubini Global Economics (www.roubini.com) e é co-autor do livro intitulado "Crisis Economics: A Crash Course in the Future of Finance".

Fonte: Jornal de Negócios