Enquanto o norte-americano insistiu em abordar, de forma vaga, questões cruciais para o comércio bilateral entre os dois países, Dilma criticou abertamente as velhas práticas protecionistas dos Estados Unidos e defendeu relações comerciais mais justas e equilibradas. O dela, um discurso coerente com a posição do Brasil no contexto de uma nova realidade geopolítica global. O dele, uma prova de que Obama é um orador dos bons – descontraído, à vontade. Mas, e daí?

A presidente brasileira mencionou as barreiras ao etanol, aço, suco de laranja, algodão e carne bovina, enviando, nas entrelinhas, um recado objetivo: esta é uma via de mão dupla e envolve atores econômicos importantes no cenário mundial. Se um deles quer algo (e Obama quer vender para gerar empregos nos Estados Unidos), oferece algo em troca.

Ainda sobre os discursos de Dilma e Obama: enquanto a presidente brasileira defendeu uma reforma fundamental na governança global, com ampliação do Conselho de Segurança da ONU, o norte-americano foi reticente. Em nenhum momento ele acenou positivamente para a aspiração brasileira de ter um assento permanente no Conselho de Segurança – em vez do “sim” com que a Índia foi brindada em novembro do ano passado, a pretensão do Brasil mereceu o “apreço” do líder norte-americano.

De qualquer forma, quem conhece a presidente Dilma, quem já trabalhou com ela, não se surpreendeu com a sua boa estreia nas altas rodas da diplomacia internacional. Pode-se argumentar que lhe falta carisma, mas não se pode negar que lhe sobram coerência e firmeza na defesa dos interesses nacionais. Desenvolvimentista, a presidente age com a certeza de que o Brasil tem enorme potencial para crescer de forma cada vez mais consistente, a taxas superiores às das economias desenvolvidas.

A postura discreta, a preocupação com as questões internas e administrativas, o estabelecimento de prioridades e o controle de resultados são as principais marcas deste início de governo Dilma – e marcaram, também, a sua gestão à frente da Casa Civil, no governo do presidente Lula.

À época – e aparentemente agora também -, Dilma preferia o gabinete à exposição pública. Detalhista e rigorosa, chegou a ser acusada de intolerante – se é que se pode classificar de intolerante uma profissional que não abre mão de conduzir os processos pelos quais é responsável, que determina metas, que cobra providências e resultados.

Sóbria e coerente com seu estilo pessoal, a presidente já mostrou, também, que entende de avanços e recuos. Na disputa pelos Ministérios, não hesitou em endurecer com o PMDB, mas, depois, autorizou o partido a negociar cargos no segundo escalão com os ministros – a estes, aliás, fez questão de lembrar, na primeira reunião conjunta da equipe, que “eficiência e ética são faces da mesma moeda”.

Há poucos dias, em sua primeira grande entrevista a um jornal diário, Dilma encarou uma sabatina e tanto. Falou sobre inflação, economia mundial, tragédia no Japão, alterações no programa Bolsa-Família, especulações sobre mudanças na equipe ministerial. Garantiu que o combate à inflação não será feito com o sacrifício do crescimento e assegurou: o Brasil vai crescer, com certeza, entre 4,5% e 5% este ano.

Na mesma entrevista, a presidente anunciou sua disposição de enfrentar o problema dos aeroportos, um dos principais gargalos de infraestrutura no País. Prometeu “uma forte intervenção” – e cumpriu o prometido. Na sexta-feira 18 de março, o Diário Oficial da União publicou a criação da Secretaria Nacional de Aviação Civil, com status de Ministério, alterando a legislação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero).

Dilma admite articular a expansão dos aeroportos brasileiros com recursos públicos e por meio da adoção de um regime de concessões ao setor privado – medida defendida pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, com participação da então ministra da Casa Civil, ainda no governo Lula. Como agora, empresários interessados em investir no setor aeroportuário defendiam o regime de concessões, próprio de nações desenvolvidas.

Mais uma vez: nada que surpreenda quem conhece a presidente e já trabalhou a seu lado. Não por acaso, pesquisa Datafolha, divulgada no domingo 20 de março, garante 47% de aprovação à gestão Dilma, taxa de popularidade que se iguala ao recorde registrado pelo presidente Lula nessa mesma época, em seu segundo mandato.

Segundo o Datafolha, Dilma supera em popularidade todos os antecessores de Lula, com aprovação maior entre as mulheres (51%) do que entre os homens (43%). Para os brasileiros, saúde é o principal problema do País, mas a pesquisa mostra que a presidente tem outros desafios pela frente: segurança pública, combate à corrupção e transporte.

Para superá-los é fundamental a soma de competência técnica, responsabilidade política e uma ampla visão dos problemas nacionais. Isso Dilma tem de sobra e, a considerar a sua atuação no governo passado, os brasileiros estão em boas mãos.

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JORNALISTA, FOI MINISTRO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR DO GOVERNO LULA (2007-2010)

Fonte: O Estado de S. Paulo